A conciliação na resolução de conflitos no Juizado Especial Cível de Montes Claros, à luz do princípio da duração razoável do processo

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O presente trabalho tem como objetivo geral analisar a conciliação no Juizado Especial Cível da comarca de Montes Claros/MG à luz do princípio da duração razoável do processo.

 

 

RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo geral analisar a conciliação no Juizado Especial Cível da comarca de Montes Claros/MG à luz do princípio da duração razoável do processo. De maneira específica, buscar-se-á a abordagem da autocomposição, o princípio da duração razoável do processo, bem como, a Lei 9.099/1995, os seus princípios norteadores e o rito processual, e, por derradeiro, a Conciliação, no contexto do Juizado Especial Cível. Para alcançar esse fim, adotaram-se o método dedutivo de abordagem, bem como, os métodos de bibliográfico, documental e a observação direta intensiva, no que tange ao método de pesquisa. Notou-se que o índice de acordos na prévia Audiência de Conciliação é a quem do esperado, em razão de fatores culturais e estruturais, sendo designadas muitas Audiências de Instrução e Julgamento (AIJ) para dias extremamente longínquos, em função da falta de estrutura. O alto índice de designação de AIJ gera uma sobrecarga que, associada à falta de estrutura, muitas vezes, obsta uma análise tempestiva dos processos pelos juízes.

 

PALAVRAS-CHAVE: Conciliação. Princípio da duração razoável do processo. Juizado Especial Cível.

 

INTRODUÇÃO

 

A Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988 (CRFB/1988), assegura no art. 5º, inciso LXXVIII, como uma garantia fundamental, o direito à duração razoável do processo. Embora seja um princípio consagrado e de fundamental aplicação, a duração razoável do processo não é efetivo no Judiciário brasileiro. Na realidade, há um vagaroso andamento dos processos, o que gera uma grande insatisfação e descredito dentre os brasileiros perante o Poder Judiciário.

Diante disso, os Juizados Especiais Cíveis (JESP) foram criados, mediante a Lei 9.099 de 26 de setembro de 1995, com o objetivo precípuo de tornar efetivo o direito de acesso à uma justiça célere, efetiva e tempestiva, que abarcasse aquelas demandas que antes não eram apreciadas pelo poder judiciário, em razão de seu pequeno valor em face do custo de movimentação da maquina judicial.

A fim de prestar essa tutela jurisdicional tempestiva e acessível a todos os cidadãos, nos Juizados Especiais foram instituídos procedimentos especiais, diferentes daqueles presentes na sistemática tradicional. Um desses procedimentos é a prévia Audiência de Conciliação, a qual é capaz de promover a celeridade através da oralidade, simplicidade e informalidade, princípios estes norteadores do JESP.

Ocorre que, no Brasil, tradicionalmente, não se tem o costume de tentar resolver as questões de forma amigável, além de outros problemas estruturais que obstam a composição amigável. Tendo em vista que a criação dos Juizados Especiais visa à composição amigável de litígios por meio da Conciliação, faz-se necessário refletir sobre a efetividade deste meio autocompositivo no âmbito dos juizados.

Visando alcançar a referida pretensão, o presente trabalho tem como objetivo geral analisar a conciliação no Juizado Especial Cível da Comarca de Montes Claros/MG à luz do princípio da duração razoável do processo. Para atingir esse fim, serão abordados, de maneira específica, a autocomposição, o princípio da duração razoável do processo, bem como, a Lei 9.099/1995, os seus princípios norteadores e o rito processual, e, por derradeiro, a Conciliação, no contexto do Juizado Especial Cível da Comarca de Montes Claros/MG.

Para se realizar o presente trabalho, utilizar-se-á o método dedutivo de abordagem, pelo qual parte-se de teorias, leis, fenômenos gerais, a fim de se buscar a compreensão de situações específicas. Assim, a partir da análise dos benefícios da conciliação para a celeridade do processo de uma forma geral, buscar-se-á um melhor entendimento acerca da efetivação de tais benefícios no âmbito do Juizado Especial Cível de Montes Claros/MG. Ademais, adotou-se, como método de pesquisa, o bibliográfico e o documental, visto que, além da leitura de livros, artigos, manuais e monografias, foi feita uma coleta de dados em documentos oficiais do Fórum Gonçalves Chaves, situado na Rua Camilo Prates, nº 352, Centro, Montes Claros (MG). Esses documentos oficiais consistiam em relatórios e tabelas que continham o número de processos dirimidos pela conciliação ou encaminhados para a audiência de instrução. Como método de pesquisa utilizou-se, também, a Observação Direta Intensiva, através de suas duas técnicas: observação e entrevista.

Nota-se que o presente trabalho encontra relevo, visto que, o cenário atual do Sistema Judiciário brasileiro repercute diversos desafios. Dessa forma, analisar meios autocompositivos, como a Conciliação, que são aptos a promover uma tutela jurisdicional mais célere e com resultados qualitativamente melhores, gera uma importante discussão, que poderá ser subsídio para futuras mudanças e será uma fonte de conhecimento para aqueles que querem saber mais sobre a jurisdição especial na comarca de Montes Claros/MG.

 

1. OS MEIOS CONSENSUAIS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITO E O PRINCÍPIO DA DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO

 

1.1 A autocomposição: distinção entre mediação e conciliação

 

Ao cidadão são ofertados os meios heterocompositivos e autocompositivos, a fim de que alcance a solução de seu conflito da forma mais adequada, conforme as particularidades e especificidades de cada caso. Aquele meio é prestado através de um terceiro, seja pela tutela jurisdicional (juiz ou tribunal) ou por um árbitro. De forma diversa, no meio autocompositivo, as partes que constroem a solução para os seus conflitos, por meio do diálogo e com a ajuda ou não de um terceiro. São exemplos desta modalidade: a negociação, a conciliação e a mediação (NUNES, 2016).

Os meios autocompositivos de solução de conflitos constituem importante técnica e aspiração daqueles que se ocupam da busca de solução de conflitos sociais. Essas formas não-adversariais de composição representam proposta promissora para a redução da crise no Poder Judiciário, com a diminuição de processos e maior celeridade daqueles que se acham em tramitação, viabilizando maior acesso à justiça, ao tempo em que contribuem para uma pacificação social plena, eis que empoderam as partes para o entendimento e solução de seus próprios conflitos, no que diz respeito a direitos disponíveis.

Não raras vezes, os meios autocompositivos da Conciliação e Mediação são confundidos. Assim, para que haja uma melhor compreensão do instituto da Conciliação, oportuno se faz uma breve conceituação e distinção estre estes meios autocompositivos.

A Mediação pode ser definida como um processo autocompositivo, segundo o qual as partes em disputa são auxiliadas por uma terceira parte neutra e imparcial ao conflito, para se chegar a uma composição. Ressalta-se que, o terceiro, denominado mediador, prestará assistência às partes, para que estas encontrarem soluções compatíveis com seus interesses e necessidades. A mediação é adequada para todos os conflitos, mas, principalmente, para aqueles casos em que as partes mantêm relacionamento continuado, frequente, como nas relações familiares, societárias, de vizinhança, entre outros (CNJ, 2015a).

A Conciliação, por seu turno, pode ser definida como um meio autocompositivo que busca a obtenção de um acordo com a intervenção direta de um terceiro, neutro ao conflito, que faz o papel de intermediário entre as partes. Salienta-se que é permitido ao conciliador propor soluções para o litígio, desde que sem constrangimento ou intimidações. Além disso, por meio da conciliação, é possível soluções mais rápidas e minimamente satisfatórias. Por fim, é um meio eficiente de se buscar a harmonia social, sobretudo nos casos que envolvam relações eventuais, cujo vínculo muitas vezes foi gerado em razão do conflito, sem relações subjetivas anteriores entre as partes (NUNES, 2016).

Dessa forma, percebe-se que embora parecidos, esses métodos não se confundem, tendo a sua diferenciação principalmente no que tange ao tipo de relação entre as partes e à prerrogativa do conciliador de propor soluções.

 

1.2 Princípio da duração razoável do processo

 

É cediço que a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/1988) traz um rol de princípios norteadores da atividade processual. Ao tratar sobre princípios, necessário se faz, primeiramente, a sua conceituação. Assim, na clássica definição de Celso Antonio Bandeira de Mello:

 

Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo lhe o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. (MELLO, 1997, p. 573)

 

Urge ressaltar, todavia, que modernamente, a doutrina tem atribuído caráter normativo aos princípios (“força normativa dos princípios”), vale dizer: os princípios são normas. Dessa forma, atuam não só como fundamento das regras ou para suprimento da ausência legislativa, mas para ter eficácia no ordenamento jurídico como as regras positivadas (BOBBIO, 2010).

Transpassada essa breve conceituação, é importante salientar que os princípios constitucionais do processo são postulados básicos que irradiam efeitos em todos os ramos do processo, bem como norteiam toda a atividade jurisdicional. Sobre esse assunto, têm-se as sábias palavras do Mauro Schiavi:

 

Tais princípios constituem o núcleo de todo o sistema processual brasileiro. Esses princípios orientam não só a aplicabilidade das regras do Direito Processual, mas também determinam a aplicação e interpretação das regras do Direito Processual previstas na lei infraconstitucional. Além disso, os princípios constitucionais processuais também impulsionam a atualização da legislação processual por meio de interpretação. (SCHIAVI, p.4, 2015)

 

Compõe o rol de princípios constitucionais do processo o da duração razoável do processo, previsto no inciso LXXVIII do art. 5º, acrescentado ao texto constitucional, por meio da Emenda Constitucional de n.45/2004. Preleciona o referido inciso que: “A todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.

O princípio da duração razoável do processo se trata de princípio inserido como uma garantia fundamental processual, a fim de que a decisão seja proferida em tempo razoável. De acordo com o explanado anteriormente, é um princípio fundamental que deve nortear toda a atividade jurisdicional, seja na interpretação da legislação, seja para o próprio legislador ao editar normas. Ademais, a eficácia deste princípio é imediata nos termos do § 1º do art. 5º da CRFB/1988, assim, não necessita de lei regulamentadora (SCHIAVI, 2015).

Observa-se que, o princípio da duração razoável do processo deve estar em harmonia com os outros princípios constitucionais, formando um sistema que visa prestar uma tutela jurisdicional de qualidade e justa ao cidadão. Dessa forma, não se justifica um processo célere, mas que fere os princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa. Na verdade, o que se busca, por meio deste princípio em estudo, é um processo sem dilações indevidas, que prime pela celeridade do procedimento, diminua a burocracia processual, elimine as diligências inúteis, mas sempre respeitando os demais princípios. Nesse sentido, adverte Fredie Didier Júnior:

 

Não existe um princípio da celeridade. O processo não tem de ser rápido/célere: o processo deve demorar o tempo necessário e adequado à solução do caso submetido ao órgão jurisdicional. Bem pesadas as coisas, conquistou-se, ao longo da história, um direito à demora na solução dos conflitos. A partir do momento em que se reconhece a existência de um direito fundamental ao devido processo, está-se reconhecendo, implicitamente, o direito de que a solução do caso deve cumprir, necessariamente, a uma série de atos obrigatórios, que compõem o conteúdo mínimo desse direito. A exigência do contraditório, o direito à produção de provas e aos recursos, certamente atravancam a celeridade, mas são garantias que não podem ser desconsideradas ou minimizadas. É preciso fazer o alerta, para evitar discursos autoritários, que pregam a celeridade como valor. (DIDIER JR, 2015, p. 96)

 

Destarte, processo com duração razoável é aquele que oferece um processo tempestivo. Contudo, a celeridade processual não tem um valor absoluto, isto é, não há uma regra geral que defina o tempo considerado razoável para a duração da prestação jurisdicional. Devendo, assim, ser analisada a razoabilidade da duração do processo, conforme o caso concreto. O que é razoável numa situação, pode não sê-lo em outra, a depender das particularidades da situação concreta.

Para aferir se a duração de um determinado processo se deu ou não em tempo adequado, adotam-se os seguintes critérios: a complexidade do litígio; o comportamento das partes e de seus procuradores no processo; e, a atuação do órgão jurisdicional.

Infere-se por meio do critério da complexidade do litígio que quanto mais complexa a causa, mais longa será a tramitação processual, pois, se exige instrução mais detalhada, discussão de teses jurídicas e maior ponderação do órgão julgador. Por isso, os processos mais complexos, naturalmente têm tramitação e tempo mais dilatado para solução do que causas mais simples (SCHIAVI, 2015).

Por sua vez, o critério do comportamento das partes no processo é fundamental para a solução rápida do conflito, pois elas têm o dever de colaborar para que a tramitação processual se dê em tempo abreviado. Contudo, o comportamento do autor ou do réu pode ser determinante para que o trâmite processual se alongue no tempo mais que o esperado. Por vezes, isso se dá porque as partes requerem diligências desnecessárias ou não praticam os atos que lhe competem, bem como, oferecem incidentes com claro propósito de tumultuar a marcha processual ou, então, recorrem de decisões em que o único propósito é procrastinar a prestação jurisdicional (JESUS, 2015).

O terceiro critério, por fim, para se constatar a tempestividade ou não da prestação jurisdicional, refere-se à atuação do órgão jurisdicional. Nesse sentido, os órgãos integrantes do Poder Judiciário, magistrados, membros do Ministério Público e demais serventuários da justiça devem atuar de forma diligente, a fim de assegurar que a prestação jurisdicional se dê em tempo célere (JESUS, 2015).

Salienta-se, por derradeiro, que a duração razoável do processo é essencial para a satisfação completa daqueles que pleiteiam os seus direitos em vias judiciais. Conforme Ruy Barbosa: "Justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta. Porque a dilação ilegal nas mãos do julgador contraria o direito escrito das partes, e, assim, as lesa no patrimônio, honra e liberdade.”. (BARBOSA, 2004, p.47)

 

2. JUIZADOS ESPECIAIS (Lei 9099/1995)

 

2.1 O acesso à Justiça por meio dos Juizados Especiais

 

A criação dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais foi determinada pela CRFB/1988 em seu artigo 98, I. Como expressa Marcos Catalan:

 

A Constituição Federal de 1.988, no art. 98, inciso I, prevê que a União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados, criarão os Juizados Especiais Cíveis. Assim, a Carta Magna vigente, traz expressamente consignado em seu texto que os Juizados Especiais serão criados para que neles sejam processadas e julgadas causas de menor complexidade, prevendo também rito especial e célere para o processamento das demandas que irão tramitar perante os Juizados Especiais. (CATALAN, 2014, p. 5)

 

Tais Juizados surgiram efetivamente no Brasil por meio da Lei 9.099/1995, advindos da necessidade de se propiciar aos cidadãos o acesso à Justiça de maneira mais célere, eficaz e simplificada, de forma a facilitar a solução de demandas relacionadas às causas de menor valor e pouca complexidade, diminuindo consequentemente a quantidade de litígios sem resolução no Judiciário. Isto porque, como cita Guilherme Fregapani (1997), com a evolução da sociedade passaram a surgir cada vez mais conflitos que não são solucionados de forma efetiva pelo processo tradicional, ou que muitas vezes nem chegam à apreciação do Judiciário, devido aos altos custos processuais e ao excessivo formalismo que cerca a justiça brasileira. Além disso, há o empecilho da demora nos andamentos processuais, o qual desestimula também os próprios cidadãos a buscarem a resolução de suas questões. A este respeito afirma Ricardo Chimenti ao discorrer sobre os Juizados Especiais Cíveis:

 

Trata-se de um sistema ágil e simplificado de distribuição da Justiça pelo Estado. Cuidando das causas do cotidiano de todas as pessoas (relações de consumo, cobranças em geral, direito de vizinhança etc.), independentemente da condição econômica de cada uma delas, os Juizados Especiais Cíveis aproximam a Justiça e o cidadão comum, combatendo o clima de impunidade e descontrole que hoje a todos preocupa. (CHIMENTI, 2012, p. 27)

 

Ante as deficiências apresentadas pelo sistema judiciário brasileiro tradicional, portanto, os mecanismos simples e céleres dos Juizados Especiais se mostram como uma alternativa eficaz, para se alcançar a concretização da justiça através de uma maior proximidade com o cidadão e da possibilidade de se pleitear um direito sem a necessidade de se preocupar com formalismos excessivos e elevados custos do processo. Neste sentido, Marcos Paulo O. de Jesus (2015) afirma que através dos Juizados Especiais busca-se democratizar o acesso à Justiça, promovendo a participação de relevante quantidade de pessoas que se encontravam alheias em relação ao tradicional processo, aprimorando assim a estrutura jurídica nacional.

 

2.2 Os princípios informadores dos Juizados Especiais

 

O artigo 2º da Lei n. 9.099/1995 traz em seu texto aqueles que serão os princípios informadores do processo nos Juizados Especiais, responsáveis pela orientação deste sistema e por conduzir a interpretação das normas que o regem. Consoante o entendimento de Ricardo Chimenti (2012), tais princípios “convergem na viabilização do amplo acesso ao Judiciário e na busca da conciliação entre as partes sem violação das garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa”. Seriam eles a oralidade, a simplicidade, a informalidade, a economia processual e a celeridade. Marcos Catalan (2014) afirma, ainda, que, embora não previsto de forma expressa, o princípio do devido processo legal deverá sempre ser observado, pois conforme Rui Portanova: “o processo deve cumprir seus escopos jurídicos, sociais e políticos, garantindo: pleno acesso ao judiciário, utilidade dos procedimentos e efetiva busca da Justiça no caso concreto”.  (PORTANOVA, 1997, p.14)

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Seguindo os pensamentos de Ricardo Chimenti (2012) e Marcos Paulo O. de Jesus (2015), ao priorizar o princípio da oralidade - permitido desde a apresentação do pedido inicial (conforme o § 3º do art. 14 da Lei 9.099/1995) até a fase da execução dos julgados, sendo a forma escrita necessária apenas aos atos considerados essenciais (conforme o § 3º do art. 13 da referida lei) -, o legislador almejou promover maior diálogo entre o juiz e as partes, permitindo que sejam evidenciados sinais que demonstrem as reais intenções e pensamentos dos interessados, além de propiciar melhor entendimento mútuo e auxílio na solução do litígio. Cristina Tereza Gaulia, citada por Marcos Paulo de Jesus, defende ainda que “a oralidade afasta o autoritarismo próprio da tradição do judiciário, em que só o juiz fala e os advogados, quando muito, só reforçam os argumentos já apresentados por escrito”. (JESUS, 2015, p.67)

O princípio em questão pode ser observado em diferentes circunstâncias nos Juizados Especiais, como nas hipóteses em que a própria parte apresenta seu pedido de forma oral à secretaria do Juizado; quando o mandato é outorgado de forma verbal ao advogado, não podendo ser feito com relação a determinados poderes especiais, como confessar, transigir, desistir etc.; quando é apresentada contestação oral; quando os embargos de declaração forem interpostos oralmente, dentre outras hipóteses, estando todas as mencionadas previstas na Lei 9.099/1995.

Os princípios da simplicidade e da informalidade estão intimamente relacionados ao princípio da oralidade e traduzem um dos principais objetivos da criação dos Juizados Especiais, que é exatamente desburocratizar e tornar mais democrático o acesso à Justiça, propiciando meios mais simples e céleres para a resolução dos conflitos sociais e permitindo que as próprias partes se empenhem em solucionar suas questões, participando de forma ativa e especialmente através do diálogo, transformando a realidade litigiosa do Brasil. Este cuidado do legislador com uma resolução mais simples e informal dos conflitos nos Juizados Especiais pode ser percebido de forma clara no artigo 13 da Lei 9.099/1995, segundo o qual os atos processuais serão considerados válidos sempre que atingirem a finalidade para a qual foram realizados. Ou seja, a validade dos atos não está sujeita à forma adotada na sua realização, o que realmente interessa é que os objetivos desses atos sejam alcançados.

A respeito da simplicidade, Aurélio Buarque de Holanda Ferreira (2004) citado por José Lourenço Torres Neto, afirma que “o procedimento do Juizado Especial deve ser simples, sem aparato, natural, espontâneo, a fim de deixar os interessados à vontade para exporem as suas pretensões e a resistência equivalente”. Como diz o dicionário Aurélio, simplicidade é a “qualidade do que é simples, do que não apresenta dificuldade ou obstáculo”. (TORRES NETO, 2011). Quanto à informalidade, afirma o próprio autor que o princípio determina, em síntese, que os atos processuais a serem realizados no Juizado Especial sejam despidos de apego à forma, permitindo também que tais atos sejam dirigidos por juízes leigos.

Os processos a serem levados aos Juizados Especiais são aqueles de menor complexidade, o que justifica a utilização de procedimentos simples e a permissão de uma maior informalidade na realização dos atos processuais. As questões mais complexas, portanto, deverão ser levadas ao Judiciário comum, não podendo ser resolvidas nos Juizados.  

O princípio da economia processual tem como objetivo a obtenção do maior rendimento possível da atividade jurisdicional se utilizando do mínimo possível de atos processuais. Segundo Antônio Carlos Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco (2009), sendo o processo um instrumento, deve haver uma necessária proporção entre fins e meios, para equilíbrio do binômio custo-benefício e é isto que busca o princípio da economia processual. Considerando-se o objetivo de se resolver as demandas de forma mais célere e efetiva por meio dos Juizados Especiais, faz-se necessário que os meios de tramitação dos processos sejam simples e econômicos, sendo realizados o mínimo possível de atos processuais, como preconiza o princípio em questão.

O princípio da celeridade é garantido pela própria CRFB/1988 em seu artigo 5º, inciso LXXVIII, e objetiva que a tutela jurisdicional do Estado se verifique de forma rápida, ou seja, que o processo e seus efeitos ocorram da maneira mais breve possível. Consoante Ricardo Chimenti, “a maior expectativa gerada pelo Sistema dos Juizados é a sua promessa de celeridade sem violação do princípio da segurança das relações jurídicas”. (CHIMENTI, 2012, p. 48). Para Tônia de Oliveira Barouche:

 

A celeridade, no âmbito dos Juizados Especiais, é decorrência, principalmente, da competência destes em processar e julgar causas que versem valores que não excedam 40 salários mínimos e também pelas causas denominadas de menor complexidade, além de acolherem em seu âmago o rito sumaríssimo, o qual trouxe certas inovações para a eficácia da celeridade processual. (BAROUCHE, 2010, p. 4)

 

É possível verificar a busca pela economia processual e pela celeridade na Lei 9.099/1995, quando esta torna possível a realização da audiência de instrução e julgamento de forma imediata após a sessão de conciliação; quando determina como único recurso cabível o recurso inominado e retira seu efeito suspensivo (observado que são aceitos os embargos de declaração); quando prevê a dispensa formal de contestação e a sentença única havendo pedidos contrapostos; quando dispõe que a apresentação da defesa, a produção de provas, a manifestação sobre os documentos apresentados, a resolução dos incidentes e a prolação de sentença, sempre que possível, devem ser feitas em uma única audiência; quando impede a reconvenção e a intervenção de terceiros, dentre outras situações.

 

2.3 Rito processual do Juizado Especial

 

A CRFB/1988, ao determinar a criação dos Juizados Especiais em seu artigo 81, I, estabeleceu que as causas seriam julgadas mediante procedimento oral e sumaríssimo. Fátima Nancy Andrighi afirma que:

O rito sumaríssimo, para fazer jus ao superlativo de sua denominação, foi concebido de acordo com os princípios da simplicidade e informalidade, devendo ser aplicada a oralidade na prática da maioria de seus atos processuais. [...]. As novas regras processuais que regulam os Juizados Cíveis depuraram os institutos, mantido apenas o essencial e o imprescindível para garantia dos direitos individuais e, da mesma forma, os de ordem pública. (ANDRIGHI, 2001, p. 12).

 

Como menciona a autora, diferentemente do que ocorre na Justiça Comum, nos Juizados Especiais haverá um processo de conhecimento, o qual será realizado por meio do rito sumaríssimo e um processo de execução, que poderá ser realizado de duas maneiras distintas conforme o título executivo seja judicial ou extrajudicial. Não há espaço na realidade simples e célere dos Juizados para as medidas cautelares, por envolverem uma complexidade que não se encaixa nos objetivos dos mesmos.

A Lei 9.099/1995 estipula que o processo nos Juizados Especiais será instaurado com a apresentação do pedido à Secretaria, juntamente com os documentos necessários, podendo ser a petição inicial apresentada de forma escrita ou oral e devendo ser reduzido a escrito o pedido oral.  Conforme Ricardo Chimenti, a lei especial “dispensou o despacho inicial e outorgou à Secretaria do Juizado a atribuição de designar a sessão de conciliação e expedir a carta de citação, critério que encontra respaldo nos princípios da informalidade e da celeridade”. (CHIMENTI, 2012, p.168). Desta forma, a audiência de conciliação será designada logo no início do processo, se possível, e o réu será devidamente cientificado a respeito da ação promovida contra ele e citado para comparecer à audiência de conciliação. As intimações, como dispõe a própria Lei, deverão ser realizadas na forma prevista para a citação ou utilizando-se de qualquer outro meio idôneo de comunicação.

No dia marcado para a audiência de conciliação, não estando presente o autor, será extinto o processo, e não comparecendo o réu, ocorrerão os efeitos da revelia. Vale ressaltar que é necessária a presença física das partes, que não poderão ser representadas nas audiências. Se ambas comparecerem, será realizada a tentativa de conciliação, a qual poderá ser presidida por juízes togados, leigos ou por conciliadores devidamente orientados, conforme disposição da lei especial.  Nesta audiência, as partes deverão ser cientificadas a respeito das vantagens e benefícios da resolução consensual da lide, sendo-lhes demonstrados os riscos e as consequências do litígio, como esclarece o “Manual de procedimentos dos Juizados Especiais Cíveis” (2009), do Conselho Nacional de Justiça. Sendo bem-sucedida a conciliação, esta deverá ser reduzia a termo, e após a assinatura das partes e do conciliador, será encaminhada para que seja homologada pelo Juiz de Direito mediante sentença. Caso não se obtenha sucesso na conciliação, as partes poderão de comum acordo optar pelo juízo arbitral e, não sendo instituído tal juízo, proceder-se-á imediatamente à Audiência de Instrução e Julgamento (AIJ), conforme a Lei 9.099/1995.

Consoante orientação do Tribunal Regional Federal (TRF) da 5ª Região:

 

A instrução do processo é a coleta de outras provas, geralmente orais (depoimentos) ou periciais (exames por profissional habilitado) [...]. Uma vez estando nos autos todas as provas indispensáveis ao julgamento da causa, o juiz estará apto a decidir o caso, isto é, proferir o julgamento. O julgamento será feito na própria audiência de instrução e julgamento, verbalmente ou por escrito, mas também poderá ocorrer em data posterior a ela, caso prefira o juiz apreciar com mais vagar as alegações feitas pelas partes e as provas colhidas. (Disponível em: <http://jef.trf5.jus.br/orientacaoCidadao/ritoJuizados.php>).

 

A AIJ, portanto, será presidida por juiz togado ou leigo, que deverá analisar as provas oferecidas pelas partes para que se possa chegar a uma conclusão do conflito, sendo admitidos todos os meios lícitos de produção de provas, ainda que não especificados em lei. Todos os incidentes que possam interferir no prosseguimento da audiência deverão ser decididos de plano, enquanto as outras questões serão decididas na sentença. A Lei 9.099/1995 estabelece ainda as situações em que haverá sentença sem resolução do mérito, como nos casos de deixar o reclamante de comparecer a qualquer das audiências do processo ou sobrevindo qualquer dos impedimentos que causem ilegitimidade para atuar nos polos ativo ou passivo do procedimento, dentre outros.

A interposição de recurso deverá ocorrer no prazo de dez dias, contados da ciência da sentença, por petição escrita contendo as razões e o pedido do recorrente. O pedido será então encaminhado para a Turma Recursal, que decidirá acerca de sua procedência ou improcedência.

Como estabelece o supracitado Manual de procedimentos dos Juizados Especiais Cíveis (2009), o processamento da fase de execução de sentença ocorrerá no próprio Juizado, assim como a execução de títulos extrajudiciais de sua competência. E não havendo uma regra específica na lei especial acerca dos atos da execução a serem realizados no Juizado, será aplicado o Código de Processo Civil (CPC).

 

3. A CONCILIAÇÃO NO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL DE MONTES CLAROS À LUZ DO PRINCÍPIO DA DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO

 

3.1 A conciliação no Juizado Especial Cível: solução

 

A promulgação da CRFB/1988 despertou nos cidadãos a esperança de que o Poder Judiciário era a solução para todos os problemas brasileiros (SILVA, 2004), e os seus princípios como o da inafastabilidade jurisdicional e do acesso à justiça aumentaram as demandas judiciais. Todavia, esse crescimento substancial das ações judiciais não foi devidamente absolvido pelo poder Judiciário, que vem enfrentando uma crise.

Conforme Ada Pellegrini Grinover (2008), não restam dúvidas de que o incentivo às vias conciliativas é devido a essa crise no Judiciário, que é reflexo da:

 

[...] morosidade dos processos, seu custo, a burocratização na gestão dos processos, certa complicação procedimental; a mentalidade do juiz que nem sempre lança mão dos poderes que os códigos lhe atribuem; a falta de informação e de orientação para os detentores dos interesses em conflito; as deficiências do patrocínio gratuito, tudo leva a obstrução das vias de acesso a Justiça e ao distanciamento entre o Judiciário e seus usuários. (GRINOVER, 2008, p. 23)

 

Em seu artigo, Ada Pellegrini Grinover (2008) estuda os fundamentos da justiça conciliativa, que, segundo ela, podem ser compreendidos como vantagens geradas pelos meios alternativos de prestação jurisdicional em relação à atividade jurisdicional clássica.

Nesse sentido, para a autora, a crise da Justiça, representada principalmente por sua inacessibilidade, morosidade e custo, põe imediatamente em realce os fundamentos que levaram a conciliação a ser o meio autocompositivo adotado na Lei dos Juizados Especais. Pois, através da conciliação, o cidadão tem a possibilidade de ter acesso à justiça de forma simplificada e uma resposta efetiva e rápida ao seu conflito. Além de, no âmbito dos JESP, não ter custas processuais em primeira instância. Comungando desse mesmo pensamento, Fregapani discorre:

 

Como consequência lógica de uma evolução social, aflora com os Juizados Especiais uma nova mentalidade, mentalidade essa que tem como meta primeira a simplificação do processo, ensejando como resultado a celeridade da marcha das ações, a ausência de custo e, principalmente, uma solução rápida e justa dos conflitos que envolvam direitos de menor complexidade. (FREGAPANI, 1997, p.105)

 

Observa-se que a conciliação não atende apenas a reclamos de funcionalidade e eficiência do aparelho jurisdicional, mas, leva solução a controvérsias que frequentemente não chegam a ser apreciadas pela justiça tradicional, exercendo, assim, muitas vezes, a função de pacificação social.

Nesse sentido, a lide sociológica, via de regra, não é pacificada pela sentença imposta autoritariamente pelo juiz, além de, na grande maioria dos casos, não ser aceita de bom grado pelo vencido – o qual contra ela costuma insurgir-se com todos os meios na execução – (GRINOVER, 2008). Em contrapartida, na maioria dos casos, o acordo por ser construído pelas partes é cumprido espontaneamente, sendo poucos os casos que necessitam da execução judicial (CNJ, 2015b).

Pode-se, ainda, elencar como beneficio da conciliação a participação popular na administração da Justiça, pela colaboração do corpo social nos procedimentos desse meio autocompositivo (GRINOVER, 2008). Dessa forma, as partes ao buscarem por meio do diálogo um acordo e sob a orientação de um terceiro, o conciliador, promovem uma intervenção popular direta no acesso à justiça.

 

3.2 O "fracasso do sucesso"

 

Ao analisar aqueles benefícios, pode-se observar que, a Lei 9.099/1995 ao estabelecer a Conciliação como um dos meios de resolução de conflitos, visou efetivar os seus princípios. Nota-se, portanto, que a conciliação é um mecanismo com potencial capacidade de promover a celeridade através da oralidade, simplicidade e informalidade, não sendo o único mecanismo do JESP para acelerar o processo, como referido em capitulo anterior.

Contudo, os Juizados Especiais que eram para ser referências pela agilidade da prestação jurisdicional e economia processual, vêm enfrentando questões crônicas, como a morosidade do processo. Por conseguinte, não conseguem cumprir de modo integral suas finalidades precípuas previstas na legislação específica.

 

A realidade dos Juizados Especiais Cíveis na segunda década do século XXI pode ser assim retratada: atendem a um sem-número de demandas consumeristas, cumprindo as finalidades que deram jus à sua criação, todavia enfrentando problemas estruturais, que merecem ser analisados. Assim, faz-se necessário refletir sobre o futuro dos Juizados Especiais, sobretudo para que não se torne o “fracasso do sucesso”, expressão esta utilizada pelo Ministro Gilmar Mendes (TURMA RECURSAL..., 2011), referindo-se à superlotação dos Juizados Especiais.  (ORSINI; REIS; MOREIRA, 2014, p. 29)

 

De acordo com Marcos Paulo O. de Jesus (2015), um dos grandes obstáculos à concretização da duração razoável do processo especial tem ocorrido, em grande parte, porque há uma grande procura pelos serviços dos juizados, todavia, faltam infraestrutura e pessoas preparadas para atender ao jurisdicionado.

Estudos realizados, entre junho de 2013 a agosto de 2014, pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em parceria com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), demonstram que a maior parte das ações ajuizadas nos JESP consistem em demandas consumeristas referentes a serviços de telecomunicações, de energia elétrica e do sistema financeiro.

 

Sabe-se que as sociedades têm-se tornado tipicamente massificadas, com produção e consumo em grandes escalas, o que repercute, inclusive, na judicialização também massificada. O processo de judicialização massiva dos conflitos congestiona o Poder Judiciário e insufla a contenciosidade social, além de interferir na efetividade da prestação jurisdicional e prejudicar a realização dos objetivos primeiros dos Juizados Especiais, como também, em ultima ratio, do próprio acesso à justiça (MANCUSO, 2011, apud ORSINI; REIS; MOREIRA, 2014, p.30)

 

Destarte, o aumento da procura pelos serviços dos juizados é resultante, em grande parte, pelo ajuizamento de demandas reprimidas, especialmente aquelas decorrentes da relação de consumo. Outrossim, a facilidade de acesso do cidadão aos serviços dos juizados fez crescer significativamente o número de demandas ajuizadas nos mesmos (JESUS, 2015). No entanto, este ramo do judiciário não estava preparado estruturalmente para receber e julgar satisfatoriamente o crescente número de demandas, o que contribuiu para a má prestação de seus serviços.

Ademais, urge ressaltar que, essas deficiências podem tornar o Judiciário suscetível para ser utilizado de modo oportunista pelos litigantes que, mesmo já antevendo sua derrota, optam pelo prolongamento da discussão da lide, o que gera um sentimento de descrédito no Judiciário por parte daqueles que, agindo de boa fé, desejam ter seus direitos reestabelecidos.

 

É interessante notar que, não raras vezes, torna-se favorável aos litigantes habituaisdeixar que os conflitos se judicializem, postergando-os no tempo, pois, por meio da análise de custo-benefício, a violação da norma jurídica costuma ser mais vantajosa, sobretudo ao considerar que o lucro a ser auferido na esfera privada com essa violação é compensador e que a delonga processual fortalece a parte que melhor a suporta (LOURENÇO, 2006, apud ORSINI; REIS; MOREIRA, 2014, p. 31)

 

Observa-se, portanto, que, embora, tenha sido criada visando vencer os problemas da justiça comum, a justiça especial vem enfrentando problemas semelhantes, como a grande demanda de processos, associada à limitada estrutura material e humana existente.

 

3.3 Prestação jurisdicional no Juizado Especial Cível da Comarca de Montes Claros (MG)

 

            Como já dito anteriormente, a Conciliação proporciona uma série de vantagens: redução de custas do processo; maior participação popular na solução dos litígios; promoção do acesso à justiça de forma mais eficaz; celeridade e rápido retorno; desburocratização (ALVARÉZ, 2003, p. 73). Destaca-se dentre essas vantagens a celeridade e, por isso, esse meio alternativo fora instituído no JESP (GRINOVER, 2008).

Embora, seja um meio apto a produzir inúmeros benefícios, especificamente, no Juizado Especial Cível de Montes Claros/MG, o índice de acordos realizados, na prévia Audiência de Conciliação, foi de 33,5%[4], em 2016.

 

Acordos realizados na prévia Audiência de Conciliação

 

Nota-se que, seguindo uma tendência nacional, conforme dados do Conselho Nacional de Justiça (2015b), o índice de acordos obtidos nas Audiências de Conciliação, no Juizado Especial da Comarca de Montes Claros (MG), ainda é a quem do esperado. A fim de analisar os possíveis fatores que geram esses índices, foi feito um estudo em bibliografias que tratam sobre o assunto, além de uma Observação Direta Intensiva, através de suas duas técnicas: observação e entrevista. Sobre este ultimo método de pesquisa, foi feito uma observação sistemática nas Audiências de Conciliação, conjugado com entrevistas, na modalidade despadronizada, a coordenadora do setor de conciliação, Caroline Alves Brant, e aos conciliadores, que são graduandos em Direito.

A partir da análise dos dados colhidos e do estudo bibliográfico, percebe-se que para a efetivação da cultura da Conciliação é necessária a convergência de alguns fatores de ordem cultural e técnica, que proporcionarão a compreensão das vantagens e benefícios gerados por esse meio alternativo que é capaz de efetivar direitos e satisfazer demandas. Destacam-se cinco fatores conjugados que explicam os resultados obtidos nos Juizados Especiais Cíveis, inclusive no da comarca de Montes Claros (MG): o despreparo dos conciliadores; a formação educacional e profissional dos operadores do Direito; a desinformação sobre a conciliação entre a população e a cultura litigiosa da população (GUIMARÃES, 2015).

Conforme o provimento nº 806/2003 do Conselho Superior da Magistratura, os conciliadores são recrutados entre os bacharéis ou estudantes de direito e prestam serviço voluntário, na qualidade de estagiários ou colaboradores do Poder Judiciário. Na maioria das vezes, esses conciliadores leigos acabam comprometendo o sucesso da audiência de conciliação, por não realizarem-nas de forma recomendada, sem o devido auxilio aos litigantes para que construam um acordo e esclarecimentos sobre a conciliação no cotidiano dos Juizados e os seus benefícios. A atuação desses conciliadores que são bacharéis e estudantes de direito, na maioria das vezes, é fundamentada na finalidade específica de obter o título que vale como pontuação na prova para a magistratura, não tendo, em geral, o propósito efetivo de buscar o entendimento mútuo das partes e incentivar o diálogo e o consenso.

O segundo fator refere-se à formação educacional e profissional dos operadores do Direito. Conforme Nunes (2016), não basta filtrar a judicialização para evitar a avalanche de processo, é preciso também mudar a cultura das Universidades que formam profissionais litigantes, ou seja, especialistas em defesa e ataques nas lides e disputas, mas que recebem pouca ou nenhuma orientação sobre a importância dos meios alternativos. Por conseguinte, criam-se advogados e outros profissionais do direito, que são resistentes ao acordo e desacreditados na eficácia da Conciliação para a contribuição na prestação da tutela jurisdicional do Estado e para a devida concretização de direitos individuais.

            Igualmente, outro fator é a desinformação sobre o instituto da Conciliação por parte da população. Muitas vezes, as partes não buscam solucionar os seus conflitos através das vias conciliatórias, por não entenderem a importância e as vantagens desses meios alternativos de resolução de conflitos.

 

Alguns chegam à audiência da conciliação, sem ao menos saber o que é a conciliação, quais são seus benefícios, suas vantagens, ou por mero desinteresse não procuram o conhecimento. É preocupante, também, o fato de alguns litigantes não terem conhecimento de seus próprios direitos, o que acaba prejudicando a satisfação de suas demandas durante a audiência de conciliação. (GUIMARÃES, 2015, p.158)

 

O último fator refere-se à cultura litigiosa enraizada na sociedade brasileira, que gera a convicção de que apenas o magistrado pode solucionar os conflitos da população. Em função disso, os meios autocompositivos são deixados de lado pelas partes do conflito, que almejam uma decisão proferida pelo juiz, por acreditarem que esta concederá maiores vantagens econômicas em detrimento da outra parte e lhes tornará vencedores do litígio.       “Essa cultura de sempre querer vencer cria o individualismo e a constante competição, que invariavelmente geram resultados de ganha-perde" (NUNES, 2016).

Diante desses fatores que, muitas vezes, geram conciliações infrutíferas, urge relembrar que a Lei 9.099/1995 prevê que, se não obtido o acordo, haverá a Audiência de Instrução e Julgamento. No JESP da Comarca de Montes Claros (MG), no ano de 2016, 47,05% das audiências com as partes presentes tiveram por resultado o agendamento da AIJ.

 

Audiências de Instrução e Julgamento designadas em audiências com as partes presentes

 

Esses números demonstram que as partes, ainda impregnadas pela cultura do litígio, ou afetadas pelos demais fatores explanados anteriormente, não constroem um acordo na Audiência de Conciliação, preferindo, na maioria das vezes, que o seu conflito seja dirimido pelo juiz. Dessa forma, embora as partes desejem respostas rápidas e eficazes para os seus problemas e conflitos, ficam à espera de meses ou anos por uma sentença judicial para casos muitas vezes simples que poderiam ter sido resolvidos através de um diálogo, de maneira cooperativa e de forma que todos ficassem satisfeitos (NUNES, 2016).

Nesse diapasão, no Juizado Especial Cível da Comarca de Montes Claros/MG, a prévia Audiência de Conciliação é realizada em um prazo máximo de 45 (quarenta e cinco dias), segundo informações da secretária. Em contrapartida, apesar de ser previsto, no art. 27, da Lei 9.099/1995, que a AIJ proceda-se imediatamente ou seja designada para um dos quinze dias subsequentes, a realidade daquele juizado é distinta, bem como nos demais Juizados Especiais Cíveis brasileiros (CNJ, 2015b). Na verdade, as Audiências de Instrução e Julgamento estão sendo designadas para dias extremamente longínquos. Isso se dá, em parte, em função do grande número de processos encaminhados para esta nova fase, associada à limitada estrutura material e humana existente. Tem-se como exemplo desta restrita estrutura a quantidade de juízes, havendo, no Juizado Especial em estudo, 02 (dois) juízes togados e 02 (dois) leigos para dirimir um sem-número de processos, em contrapartida, há 36 (trinta e seis) conciliadores.

Sustenta-se aqui que essa saturação de processos, a qual gera uma morosidade, se deve aos Juizados Especiais não terem sido criados para essa grande demanda de processos, principalmente na fase de AIJ. Esta alegação encontra-se relevo ao se analisar que a criação dos Juizados Especiais visava um maior número de resolução amigável dos litígios, por isto se instituiu, preliminarmente, a Conciliação, bem como, se estabeleceu que, aberta a sessão, deverá o conciliador esclarecer sobre as vantagens desse meio autocompositivo, mostrando os riscos e as consequências do litígio (art. 21 da Lei 9.099/1995). Essa expectativa por um número maior de acordos se deve ao objetivo do JESP em atender causas de menor complexidade, passíveis de composição amigável. Dessa forma, ao ser promulgada a referida lei, se esperava que muitos dos litígios ajuizados fossem dirimidos na conciliação, sendo designada a AIJ apenas naqueles processos mais complexos, cuja essência necessite da apreciação do juiz.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS               

 

Instituído como uma garantia fundamental, o princípio da duração razoável do processo visa uma prestação jurisdicional tempestiva, que atenda a demanda do jurisdicionado em prazo razoável, conforme as particularidades do caso concreto. Todavia, o que se vê na realidade é uma ilegítima vagarosidade no andamento dos processos. Diante a essa realidade que assombra há tempos, o legislativo, em 1995, promulgou a Lei 9.099, que tinha como objetivo fundamental tornar efetivo o direito de acesso à justiça, sobretudo uma célere, que abarcasse aquelas demandas de menor complexidade e de baixo valor, que, muitas das vezes, não eram apreciadas pelo poder judiciário.

Expôs-se no presente artigo que a conciliação proporciona uma série de vantagens, como: a redução das custas do processo; maior participação popular na solução dos litígios; promoção do acesso à justiça de forma mais eficaz; celeridade e rápido retorno; e a desburocratização. Dessa forma, instituiu-se a prévia Audiência de Conciliação, por esta comungar dos mesmos princípios norteadores dos Juizados Especiais, assim, por meio da sua oralidade, simplicidade e informalidade, proporcionaria uma maior celeridade do processo.

Embora a Conciliação seja apta a produzir tantos benefícios, pôde-se observar que há muitos obstáculos que impedem a sua plena efetivação no âmbito do JESP. Destacaram-se cinco desses obstáculos: o despreparo dos conciliadores; a formação educacional e profissional dos operadores do Direito; a desinformação sobre a conciliação entre a população e a cultura litigiosa da população.

A conjunção desses fatores pode explicar o índice de 33,5% de acordos realizados, em 2016, na prévia Audiência de Conciliação do Juizado Especial Cível da comarca de Montes Claros/MG. Por conseguinte, a maior parte dos processos é encaminhada para a Audiência de Instrução e Julgamento, na qual caberá ao juiz a solução do litigio.

Muitos dos processos ajuizados são oriundos de relações eventuais e de baixa complexidade, suscetíveis de serem dirimidos através de um diálogo, de maneira cooperativa e de forma que todos ficassem satisfeitos. Contudo, as partes ainda impregnadas pela cultura do litígio, ou afetadas pelos demais fatores explanados anteriormente, preferem, na maioria das vezes, que o seu conflito seja dirimido pelo juiz. Infelizmente, não há estrutura suficiente para dirimir tempestivamente todos os processos que seguem para AIJ, gerando uma sobrecarga que reflete na designação de datas longínquas para a realização de tais audiências.

Diante dessa realidade, defende-se o desafogamento dos Juizados Especiais a partir da reestruturação da prévia Audiência de Conciliação, como um ambiente de tratamento de conflitos, possibilitador de respostas qualificadas substancialmente e em tempo abreviado, além de uma melhor capacitação dos conciliadores (HOFFMAM; MORAIS, 2015). Nesse sentido, investir na prévia Audiência de Conciliação e ajustar os fatores que a frustram, pode ser um caminho para tornar mais efetivo esse meio autocompositivo, que tem capacidade para prestar uma tutela jurisdicional mais rápida, efetiva e qualitativamente superior ao processo clássico nos Juizados Especiais. Consequentemente, haveria mais litígios resolvidos por meio de acordos e a AIJ seria destinada aos casos de impossibilidade de solução por aquele método, vale dizer, aos casos que realmente necessitam da apreciação do juiz.

 

 

 

 

 

 

 

 

THE CONCILIATION IN THE CONFLICTS RESOLUTION AT THE SPECIAL CIVIL COURT OF MONTES CLAROS IN THE LIGHT OF THE PRINCIPLE OF THE REASONABLE DURATION OF THE PROCESS

 

 

ABSTRACT: The aim of this work is to analyze the conciliation at the Special Civil Court of Montes Claros/MG in the light of the principle of the reasonable duration of the process. In a specific way it seeks to the approach of self-composition, the principle of the reasonable duration of the process, the law 9.099/1995, its principles and rules of procedure, and finally, the conciliation, in the special civil court context. In order to achieve this objective, with regard to the research methods, it was adopted the deductive method approach as well as the bibliographical, documentary and the intensive direct observation methods. It was noted that the agreement index in the preliminary Conciliation Hearing was below expectations due to cultural and structural factors, being designated many Instruction and Judgments Hearing (AIJ) in a long-term perspective by the lack of structure. The high level of AIJ designations generates an overload which, associated with the lack of structure, often prevents the timely process analysis by the Judges.

 

KEYWORDS: Conciliation. Principle of the reasonable duration of the process. Special Civil Court.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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[4]Médias obtidas através da análise direta dos dados colhidos por meio do acesso aos relatórios e tabelas disponíveis no setor de conciliação do Juizado Especial Cível da Comarca de Montes Claros (MG).

Assuntos relacionados
Sobre as autoras
Sara Resende

Graduanda no Curso de Direito da Universidade Estadual de Montes Claros - UNIMONTES; estagiária na Procuradoria Seccional da União em Montes Claros (MG)

Maria Luíza Eulálio

Graduanda no Curso de Direito da Universidade Estadual de Montes Claros

Denise Camilo Soares Carmo

Graduanda no Curso de Direito na Universidade Estadual de Montes Claros

Ionete de Magalhães Souza

Professora da Unimontes. Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e Doutora pela Universidad Del Museo Social Argentino (UMSA), em Buenos Aires (Argentina). Advogada. Orientadora deste artigo científico.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Artigo científico apresentado no Projeto de Pesquisa “Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania de Montes Claros: eficácia na pacificação social”, do Curso de Direito da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), sob a coordenação geral da Profª. Dra. Cynara Silde Mesquita Veloso.

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