Praticamente qualquer tipo de delito pode ser praticado por meio da internet. É possível, por exemplo, invadir o computador de um controlador de voo e ocasionar um acidente aéreo que poderia resultar em múltiplos homicídios.
Recentemente, ocorreu a condenação de um indivíduo, no Brasil, pela suposta prática do crime de estupro por meio da internet. Segundo a denúncia do Ministério Público, ele teria ameaçado a suposta vítima, ordenando que ela se despisse e se tocasse de forma íntima, diante da webcam.
Diante dessas mudanças sociais, com o surgimento de novos delitos e, também, de novas formas de praticar os delitos já tipificados nos diplomas penais, é necessário que o Estado tenha condições de investigar, processar, prevenir e reprimir tais infrações.
Em casos excepcionais, como em situações envolvendo organizações criminosas, considerando que, muitas vezes, são compostas por pessoas de prestígio e influência social, inclusive ocupantes de altos cargos públicos, a investigação se torna muito difícil quando empregados exclusivamente os meios investigatórios convencionais.
Para esses casos excepcionais, podem ser utilizados os meios ocultos de investigação, como as interceptações telefônicas, infiltração de agentes, colaborações premiadas, recompensas, gravações ambientais, informantes, rastreamento de telefones celulares por meio das ERBs ou GPS, dentre outros, nos termos da legislação vigente.
Ocorre que esses meios ocultos de investigação, que deveriam ser empregados apenas em situações excepcionais, estão sendo utilizados de forma desregrada, sem o devido respeito aos princípios e garantias vigentes na legislação brasileira e nos tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário.
Em casos recentes, interceptações telefônicas e termos de colaboração premiada teriam sido utilizados como único meio de prova a embasar sentenças criminais condenatórias, o que é inadmissível em um Estado democrático de direito.
Esses meios ocultos de investigação deveriam ser empregados apenas em caráter excepcional, como formas de obter outras provas e, desse modo, em conformidade com o contexto probatório, poderiam auxiliar a embasar uma condenação. Entretanto, a utilização de meios ocultos de investigação como única “prova” apenas poderia ser utilizada como única forma de embasar sentenças absolutórias, jamais condenatórias.
O Brasil, objetivando a prevenção e a repressão aos delitos de maior complexidade na apuração, como a corrupção, o tráfico e os praticados por organizações criminosas em geral, tem “importado” de outros países, inclusive de alguns que adotam a common law, meios de investigação que, da forma como estão sendo utilizados, sem as devidas adaptações ao ordenamento jurídico pátrio, são claramente inconstitucionais e violadores de tratados internacionais de direitos humanos.
A utilização desses meios é fundamental para a investigação e o processamento de determinados casos de grande complexidade, mas é necessário que seja devidamente regulamentada pelo ordenamento pátrio, de forma a evitar que sejam “vulgarizados”, devendo ser empregados somente em situações excepcionais (onde outros meios de investigação não puderem atingir as mesmas necessárias provas) e sempre em conformidade com os princípios e garantias, especialmente observando a ampla defesa, o contraditório, o devido processo legal/penal e a presunção de inocência.
REFERÊNCIAS:
VALENTE, Manuel M. G. Editorial dossiê “Investigação preliminar, meios ocultos e novas tecnologias”. Revista Brasileira de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 3, n. 2, p. 473-482, mai./ago. 2017. https://doi.org/10.22197/rbdpp.v3i2.82.
VALENTE, Manuel M. G. Processo penal – Tomo I. 3.ª Edição. Coimbra: Almedina, 2010.