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Análise da relação contratual dos motoristas da empresa Uber sob o prisma dos elementos que caracterizam a relação de emprego no direito do trabalho

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07/03/2018 às 14:28
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RELAÇÃO DE EMPREGO

A figura jurídica da relação de emprego destaca-se pela cumulação de alguns elementos, que estão expressos no art. 3º da CLT: pessoa física, pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e subordinação.

Para o Prof. Mauricio Godinho Delgado, a relação de emprego caracteriza-se pela prestação de trabalho de uma pessoa física a outrem, distinguindo dos demais tipos de relações jurídicas que, em princípio, não encontram amparo na legislação justrabalhista. Para esse autor:

A caracterização da relação empregatícia é, portanto, procedimento essencial ao Direito do Trabalho, à medida em que propiciará o encontro da relação jurídica básica que deu origem e assegura desenvolvimento aos princípios, regras e institutos justrabalhistas e que é regulada por esse ramo jurídico especial. É procedimento com reflexos no próprio Direito Processual do Trabalho, uma vez que este abrange, essencialmente, as lides principais e conexas em torno da relação de emprego [...]. (DELGADO, 2014, p. 289).

Partindo dessa citação, pode-se inferir que a relação de emprego é aplicada nas relações jurídicas entre o trabalhador e o tomador de serviço, tendo como ramo balizador o Direito do Trabalho.

É importante frisar que relação de emprego não se confunde com relação de trabalho. Esse último é o gênero que entre as suas várias espécies encontra-se a relação de emprego. Ou seja, o emprego será sempre uma forma de trabalho, mas nem todo trabalho será considerado emprego.

Partindo dessa premissa, utiliza-se o vínculo empregatício da relação de emprego para diferenciar o tratamento normativo que lhe é atribuído em relação às demais relações jurídicas existentes no mundo do trabalho, como, por exemplo, o trabalho autônomo, o trabalho eventual, o estágio, o trabalho avulso, o voluntário e outras modalidades. O Direito do Trabalho adota um tratamento diferenciado com relação aos atores, empregado/empregador, que participam de uma relação de emprego.

Pelas ideias abordadas até aqui, resume-se a relação jurídica empregatícia como resultado de um negócio jurídico que em um dos lados está a figura do empregado, pessoa natural, que presta serviço de forma pessoal, subordinada e não eventual a um empregador, que compõem o outro lado da relação, que pode ser uma pessoa física ou jurídica, ou ainda um ente despersonificado, que contrata um empregado assumindo os riscos da atividade econômica. Como contraprestação da utilização da sua mão de obra, o empregado recebe uma remuneração.

Ainda, para o autor Mauricio Godinho Delgado:

O que distingue a relação de emprego, o contrato de emprego, o empregado, de outras figuras sociojurídicas próximas, repita-se, é o modo de concretização dessa obrigação de fazer. A prestação laborativa há de se realizar, pela pessoa física, pessoalmente, subordinadamente, com não eventualidade e sob o intuito oneroso. Excetuado, portanto, o elemento fático-jurídico pessoa física, todos os demais pressupostos referem-se ao processo (modus operandi) de realização da prestação laborativa. (DELGADO, 2014, p. 367).

Nesse sentido, o instituto da relação de emprego permite diferenciar o negócio jurídico existente entre aquele que presta o serviço e o tomador do serviço, de modo que, também, possibilita compreender o tipo de relação de trabalho presente. Logo, é importante compreender que as relações de emprego e, de certa forma, as laborais, em razão de estar alicerçada na realidade, estão umbilicalmente ligadas às modificações econômicas, políticas e sociais implementadas na sociedade. Além do mais, é bastante claro que as revoluções tecnológicas causam grande impacto e fortes mudanças no desenvolvimento concreto, real, das relações entre empregado e empregador.

Diante disso, demonstra-se que a relação de emprego como negócio jurídico visa dar uma maior proteção ao trabalhador, garantindo-lhe, por meio dos princípios protetores da legislação trabalhista, direitos constitucionalmente assegurados que foram conquistados ao longo da história.

Para que se configure uma relação de emprego, o negócio jurídico deve observar alguns elementos essenciais. Esses elementos estão caracterizados no art. 3º da CLT, em conjunto com o art. 2º.

Esses requisitos próprios, segundo Garcia (2010), são "a prestação de serviços por pessoa física, com pessoalidade, de forma não eventual, subordinada e com onerosidade".

 Mauricio Godinho Delgado também nos ensina que:

Os elementos fático-jurídicos componentes da relação de emprego são cinco: a) prestação de trabalho por pessoa física a um tomador qualquer; b) prestação efetuada com pessoalidade pelo trabalhador; c) também efetuada com não eventualidade; d) efetuada ainda sob subordinação ao tomador dos serviços; e) prestação de trabalho efetuada com onerosidade. (DELGADO, 2014, p. 291).

Tendo como base esses requisitos, analisa-se se a relação contratual entre os motoristas e a empresa Uber, considerando as atividades concretas realizadas pelos motoristas, enquadra-se numa relação de emprego.  

O primeiro elemento a ser averiguado é a prestação do serviço por pessoa física.

A própria palavra trabalho, segundo o Professor Mauricio Godinho Delgado, já denota, necessariamente, atividade realizada por pessoa natural, de modo que o vocábulo "serviços" abrange obrigação de fazer, que pode ser realizada tanto por pessoa física quanto jurídica. Levando isso em consideração, a pactuação e a concretização de serviços por pessoa jurídica afasta a relação jurídica que se estabelece na relação de emprego.

Por isso, apenas o empregador é que pode ser pessoa física ou jurídica, ao contrário do empregado, que sempre será uma pessoa física.

Atualmente, a Uber admite os motoristas diretamente, sem a intermediação ou a necessidade de um CNPJ. A empresa utiliza os motoristas, pessoas físicas que ficam à disposição para realizar a condução de passageiros, para a efetivação de sua atividade-fim.

Assim, a Uber explora diretamente a mão de obra dos motoristas para a consecução do seu negócio, o transporte individual de passageiros.

Ao se examinar a pessoalidade, Mauricio Godinho Delgado (2014) afirma que "o fato de ser o trabalho prestado por pessoa física não significa, necessariamente, ser ele prestado com pessoalidade".

O empregador, ao contratar um empregado, leva em consideração todas as suas qualidades e aptidões pessoais. Por essa razão, o empregador espera ver executando o serviço o empregado que ele contratou, e não outra pessoa designada pelo empregado. Luciano Martinez nos esclarece a pessoalidade de forma muito objetiva:

No conceito de “pessoalidade” existe, portanto, a ideia de intransferibilidade, ou seja, de que somente uma específica pessoa física, e nenhuma outra em seu lugar, pode prestar o serviço ajustado. Assim, toda vez que se verificar que, contratualmente, um trabalhador pode ser substituído por outro no exercício de suas atividades, não estará ali presente um contrato de emprego, mas sim ajuste contratual diverso. (MARTINEZ, 2012, p. 62).

No caso da Uber, a empresa possui um sistema de cadastro que efetiva aqueles que trabalharão como motoristas. Ao ser selecionado pela empresa, o trabalhador obtém acesso individualizado ao aplicativo Uber na versão motorista. Esse cadastro limita a prestação do serviço (transporte individual de passageiros) pelo carro e motorista previamente identificados, caracterizando, assim, a impossibilidade de substituição da mão de obra sem o consentimento da empresa. É o que dispõe o próprio sítio da empresa:

Os termos e condições da Uber não permitem o compartilhamento das contas dos motoristas parceiros. O uso da sua conta por outro motorista se constitui como um sério problema de segurança. Se soubermos que um motorista não corresponde ao perfil do motorista parceiro exibido pelo aplicativo do passageiro, a conta será suspensa imediatamente e ficará pendente para investigação. (Disponível em: <https://help.uber.com/h/1d93388d-cf19-408f-9c41-743dbdd34d44>. Acesso em 19 de julho de 2017).

Verifica-se que há seleção e controle dos motoristas que trabalham para a empresa, que não podem se fazer substituir no exercício da sua função. Assim explicou Guilherme Telles, executivo da Uber no Brasil, numa entrevista para o Blog da PSafe:

Os motoristas parceiros passam por um processo rigoroso de checagem de documentos e de antecedentes criminais. Desenvolvemos um método em duas etapas que inclui checagem de antecedentes criminais nos níveis estadual e federal. Nosso protocolo de segurança inclui também checagens contínuas das informações e condições dos veículos. (...). Além disso, passageiros e motoristas parceiros avaliam uns aos outros e podem comentar sobre sua experiência com o serviço no final de cada viagem. Revisamos regularmente esse feedback e, por meio deste processo, somos capazes de criar e manter um ambiente seguro para ambos. Somente motoristas que mantêm notas altas permanecem na plataforma. (Disponível em:<http://www.psafe.com/blog/entrevista-guilherme-telles-executivo-uber-no-brasil/>. Acesso em 19 de julho de 2017).

Esse sistema de controle e avaliação dos motoristas demonstra a pessoalidade na estrutura operacional da Uber, tornando-se um método de controle dos seus trabalhadores, controle esse que só é possível quando há a pessoalidade na prestação do serviço, como é o caso dos motoristas da Uber.

Quanto ao elemento da não eventualidade ou habitualidade, seguindo a mesma diretriz exposta pelo Professor Mauricio Godinho Delgado, que sistematiza, no seu livro Curso de Direito do Trabalho, os principais conceitos e teorias sobre o instituto da não eventualidade da seguinte forma: teoria de evento, teoria dos fins do empreendimento e teoria da fixação jurídica ao tomador de serviços.

Com relação às teorias apresentadas, pondera o referido autor:

A doutrina, por sua vez, construiu distintas teorizações com o fim de precisar com maior clareza o exato sentido do elemento fático-jurídico da não eventualidade. Essa riqueza de formulações não impede, entretanto, o relativo impasse produzido pela escolha isolada de qualquer dessas teorizações elaboradas: e que cada uma das teorias sobre a noção de eventualidade pode produzir resultados concretos distintos em face de situações empíricas examinadas pelo operador jurídico. A conduta mais sensata, nesse contexto, e valer-se o operador jurídico de uma aferição convergente e combinada das distintas teorias em cotejo com o caso concreto estudado, definindo-se a ocorrência ou não da eventualidade pela conjugação predominante de enfoques propiciados pelas distintas teorias. (DELGADO, 2014, p. 287).

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De acordo com a teoria do evento, considera-se eventual o trabalhador admitido na empresa em virtude de um determinado e específico fato, acontecimento ou evento, ensejador de certa obra ou serviço. Seu trabalho para o tomador terá a duração do evento esporádico ocorrido (DELGAGO, 2014). Mozart Victor Russomano (1990, p. 12), conforme citado por Delgado (2014, p. 289), diz que os fatos revelarão se a tarefa do trabalhador na empresa é eventual ou permanente.

A teoria dos fins do empreendimento informa que a eventualidade ocorre quando o trabalhador é chamado a realizar tarefa não inserida nos fins normais da empresa — tarefas que, por essa mesma razão, serão esporádicas e de estreita duração (DELGADO, 2014). A aferição da não eventualidade dos serviços prestados há de ser feita tendo em vista os fins normais da empresa.

E por último, a teoria da fixação jurídica ao tomador de serviços. Essa teoria afirma que será eventual o trabalhador que não se fixar a uma fonte de trabalho, enquanto empregado é o trabalhador que se fixa numa fonte de trabalho. Eventual não é fixo. Empregado é fixo.

Bom, depois de passar pelas teorias da não eventualidade, vamos analisá-las sob o enfoque deste trabalho. A habitualidade entre os motoristas e a Uber é um dos pontos bem questionáveis para a configuração da relação de emprego, pois a empresa não estabelece horários fixos de trabalho, nem muito menos define quais dias da semana deve ser prestado o serviço.

Antes de entrar na análise propriamente dita, se faz necessário desmistificar alguns pontos enfatizados pela Uber quanto ao caráter autônomo, assim taxado pela empresa, empregado aos seus motoristas.

Primeiro mito que deve ser desconstruído é o de que a habitualidade não se caracteriza pela configuração de horários fixos e/ou predeterminados de trabalho. Segundo, para a sua caracterização, não há a necessidade do labor diário para o empregador. Se a prestação é descontínua, mas permanente, deixa de haver eventualidade.

Feitas essas ponderações, analisaremos o modus operandi da Uber utilizando-se a teoria da eventualidade, combinada com a teoria dos fins do empreendimento.

Cabe aqui transcrever um trecho do artigo do jurista Márcio Toledo Gonçalves, publicado na Revista LTr em março de 2017, em que ele esclarece a não eventualidade sob o enfoque da teoria da eventualidade:

[...]. Os motoristas cadastrados no aplicativo atendem à demanda intermitente pelos serviços de transportes. Não há que se falar em labor decorrente de fato esporádico ou fortuito na medida em que o transporte é, na realidade dos fatos, o seu objetivo social. Outro ponto significativo resultante do conjunto probatório fornece elementos que apontam para a existência de exigência, ainda que muitas vezes veladas, de que os motoristas fiquem em atividade de forma sistêmica. O depoimento de S. A. de A., ex-coordenador de operações da Uber é nesse sentido: “(...) se o motorista ficar mais de um mês sem pegar qualquer viagem, o motorista seria inativo; que seria fácil voltar a ficar ativo, se fosse à empresa e manifestasse interesse; que eram enviados e-mails, como o caso dos sticks acima citados, para que o motorista “ficasse com medo” e voltasse a se ativar na plataforma; que como gestor tinha por meta incentivar os motoristas a estarem ativos.” (...). Nesta mesma toada é o depoimento de C.S.F.: “que recebeu um e-mail que não se lembra a data dizendo que se não fizesse pelo menos uma viagem no prazo de uma semana, seria excluído da plataforma, mas não houve a exclusão.” (GONÇALVES, 2017).

Infere-se dessa citação que a habitualidade é uma exigência da Uber imposta aos seus motoristas, que se utiliza de ameaças para manter o maior número possível de motoristas ativos na sua plataforma.

Sob o ponto de vista da teoria dos fins do empreendimento, fica ainda mais evidente a habitualidade dos seus motoristas. Já discutimos anteriormente qual é o fim social da empresa: se ela é apenas uma plataforma tecnológica que faz a interligação entre usuários e motoristas ou se é uma das mais modernas empresas de transportes de passageiros do mundo. Já sabemos a resposta.

Levando em consideração não ser eventual o trabalhador chamado a desenvolver suas obrigações para os fins normais da empresa, tem-se que é indiscutível a estreita correspondência entre as atividades dos motoristas com os fins do empreendimento da Uber (serviço de transporte de passageiros).

A onerosidade, segundo a autora Vólia Bomfim Cassar (2015), nada mais é do que vantagens recíprocas. O empregador recebe os serviços e, o empregado, o respectivo pagamento.

Vale destacar que o contrato de trabalho é um contrato bilateral, sinalagmático e oneroso, que envolve um conjunto diferenciado de prestações e contraprestações recíprocas entre as partes. Essa onerosidade é traduzida pelo pagamento de salário em pecúnia ou em utilidade. Não há contrato de emprego gratuito, assevera CASSAR (2015).

Os motoristas da Uber recebem de acordo com as viagens realizadas. Segundo Márcio Toledo Gonçalves, a Uber conduz, de forma exclusiva, toda a política de pagamento do serviço prestado, seja em relação ao preço por quilometragem rodada e tempo de viagem, às formas de pagamento ou às promoções e descontos para usuários. Assim, a empresa calcula o montante a ser pago pelo passageiro e transfere uma parte desse valor ao motorista.

Desse modo, fica claro que o motorista é remunerado pela Uber, e não pelo passageiro. Todos os pagamentos dos usuários (passageiros) são transferidos para a Uber, que remunera os seus motoristas semanalmente com base nos dados de deslocamentos de viagens realizadas.

Assim, não resta dúvida de que a prestação de serviço realizada pelo motorista constitui-se numa relação onerosa.

E por fim, a subordinação, que é considerada por muitos autores do Direito do Trabalho como o requisito de maior relevância dentre os elementos caracterizadores da relação de emprego.

Para o Prof. Mauricio Godinho Delgado, a subordinação é o elemento principal de diferenciação entre a relação de emprego e as diversas modalidades de trabalho autônomo que surgem no mundo contemporâneo.

Esse autor conceitua a subordinação como uma "situação jurídica derivada do contrato de trabalho, pela qual o empregado compromete-se a acolher o poder de direção empresarial no modo de realização de sua prestação de serviços". (DELGADO, 2014, p. 303).

Vólia Bomfim Cassar afirma que "a subordinação nada mais é que o dever de obediência ou estado de dependência na conduta profissional, a sujeição às regras, orientações e normas estabelecidas pelo empregador inerentes ao contrato, à função, desde que legais e não abusivas". (CASSAR, 2015, p. 266).

A subordinação vem se adequando e se ajustando ao longo dos anos em decorrência das alterações que ocorreram, e que ainda ocorrem, no mundo do trabalho. Com relação a esses fenômenos, o professor Mauricio Godinho Delgado destaca três dimensões da subordinação: a clássica, a objetiva e a estrutural. Ele pondera que a conjugação dessas três dimensões da subordinação, que não se excluem, evidentemente, mas se complementam com harmonia, permite suplantar as recorrentes dificuldades de enquadramento dos fatos novos do mundo do trabalho ao tipo jurídico da relação de emprego, retomando-se o clássico e civilizatório expansionismo do Direito do Trabalho (DELGADO, 2014, p. 314).

A subordinação clássica deriva do contrato de trabalho, no qual o trabalhador compromete-se a acolher o poder de direção empresarial no tocante ao modo de realização da atividade laborativa. (DELGADO, 2014, p. 305). Uma característica marcante dessa dimensão é a intensidade de ordens do tomador de serviços sobre o respectivo trabalhador. É a mais comum e recorrente modalidade de subordinação.

A objetiva é a que se manifesta pela integração do trabalhador nos fins e objetivos do empreendimento do tomador de serviços, ainda que afrouxadas as amarras do vínculo empregatício. (DELGADO, 2014, p. 306).

Para a subordinação estrutural, não tem relevância se o trabalhador harmonizou-se ou não aos objetivos do empreendimento (subordinação objetiva), tampouco importa se o trabalhador recebe ordens diretas da sua chefia (clássica). A subordinação estrutural se expressa:

pela inserção do trabalhador na dinâmica do tomador de seus serviços, independentemente de receber (ou não) suas ordens diretas, mas acolhendo, estruturalmente, sua dinâmica de organização e funcionamento. (DELGADO, 2014, p. 306).

Para a autora Tatiana Guimarães Ferraz Andrade, a proposta da subordinação estrutural é alargar, tornar mais abrangente o conceito de subordinação, aplicando critérios que vão além da visão tradicional (ANDRADE, 2014).

Com base nesse suporte teórico, faz-se a análise da subordinação praticada pela empresa Uber.

Analisando-se a relação existente entre a empresa e os seus motoristas, evidencia-se a presença da subordinação clássica.

Os motoristas estão sujeitos às ordens sobre o modo de desenvolvimento da prestação dos serviços, e também a controles contínuos. De acordo com os critérios da empresa, os motoristas devem trajar roupas sociais, abrir a porta do carro para o passageiro, manter o ar condicionado ligado durante as viagens, oferecer água, guloseimas, ter guarda-chuva no porta malas do carro, está com o carro limpo e sem odores; além disso, é vedado ao motorista ter alguma propaganda no carro, buscar passageiro com outra pessoa no interior do veículo; também é proibido ao motorista entregar cartões pessoais aos passageiros ou combinar viagens diretamente com os viajantes.

Ademais, de acordo com o código de conduta da Uber, que pode ser consultado no seu sítio eletrônico, é proibido recusar o embarque de animais condutores de deficientes visuais, fazer uso de álcool ou drogas enquanto dirige ou fazer perguntas pessoais aos passageiros, além de outras proibições (UBER, 2017).

Partindo-se dessas regras impostas pela empresa, fica bastante claro que a Uber exerce o seu poder regulamentar sobre os seus trabalhadores, que caso sejam desrespeitados, pode ocasionar punições aos motoristas, que vão desde o bloqueio temporário do aplicativo até a perda do acesso à plataforma, conforme explica um ex-motorista da Uber, em seu depoimento no Inquérito Civil nº 001417.2016.01.000/6, instaurado no Ministério Público do Trabalho da 1ª Região:

(...) que não podem entregar cartão para cliente dentro do carro, que isso implica em falta grave com punição de bloqueio; que no caso do passageiro reportar alguma conduta grave por parte do motorista, o motorista teria a plataforma bloqueada; que confirmada a falta, o motorista seria bloqueado;

Corroborando a tese da punição aplicada pela Uber, destaca-se aqui o depoimento de um ex-coordenador de operações da Uber no mesmo inquérito:

(...) se o motorista ficasse com média entre 4,4 e 4,7, tomaria os “ganchos” (de dois dias a cada vez) e teria nova chance, até três vezes, antes de ser desativado; que se ficasse com média abaixo de 4,4 era desativado diretamente (...).

Além das restrições impostas aos motoristas por causa de suas condutas, a empresa também se utiliza dessa mesma faceta para impedir que os trabalhadores recusem viagens, conforme se extrai da declaração do mesmo ex-coordenador ao Ministério Público:

(...) que também havia a hipótese de um bloqueio temporário (“gancho”) que ocorria quando o motorista não aceitava mais do que 80% das viagens e esses ganchos eram progressivos, ou seja, 10 minutos, 2 horas e até 12 horas off-line, ou seja, bloqueado; que esse gancho era automático do sistema e não passava por qualquer avaliação humana (...).

A empresa, por meio dos seus algoritmos de controle, detém a fiscalização e o poder de decisão, que prescindem da intervenção humana, para uso disciplinar. Aqui cabe transcrever uma passagem bastante interessante a respeito do controle realizado por algoritmos:

[...] somente o avanço tecnológico da sociedade em rede foi capaz de criar essa inédita técnica de vigilância da força de trabalho. Afinal, já não é mais necessário o controle dentro da fábrica, nem tampouco a subordinação a agentes específicos ou a uma jornada rígida. Muito mais eficaz e repressor é o controle difuso, realizado por todos e por ninguém. Nesse novo paradigma os controladores, agora, estão espalhados pela multidão de usuários e, ao mesmo tempo, se escondem em algoritmos que definem se o motorista deve ou não ser punido, deve ou não ser “descartado”. (GONÇALVES, 2017).

Assim, estamos diante de uma nova forma de controle, no qual não se faz necessária a presença direta do empregador (o ser humano) para que seja empregado o seu poder diretivo. Esse controle direto foi substituído por combinações algoritmas, mas esse monitoramento eletrônico não afastou a figura da subordinação no seu sentido clássico, conforme exposto neste trabalho.

Ademais, o controle algorítmico encontra expressa previsão legal na CLT, no Parágrafo único do art. 6º, que prevê que os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio.

Continuando a análise da subordinação existente entre a empresa Uber e os seus motoristas, presente também está a subordinação objetiva, tendo em vista que o motorista realiza os objetivos sociais da empresa, conforme já foi explicitado no item referente à não eventualidade.

E por fim, também resta presente na relação entre a Uber e os seus motoristas a subordinação estrutural, uma vez que o trabalhador se encontra inserido na organização, dinâmica e cultura do empreendimento. Vale ressaltar que se o motorista não estivesse estruturalmente inserido na dinâmica e no funcionamento da empresa, como supõe a Uber, ao alegar que os motoristas parceiros detêm autonomia, são independentes, ele poderia negociar os termos de cada viagem que realizasse, o que de fato não ocorre.

Cabe novamente destacar um trecho do artigo escrito pelo jurista Márcio Toledo Gonçalves, no qual ele expõe o fenômeno da uberização e a subordinação estrutural:

Fato é que a subordinação estrutural viabiliza o alargamento do campo de incidência do Direito do Trabalho, instrumento de realização de justiça social, conferindo resposta normativa e eficaz às profundas transformações do modelo de expropriação do trabalho humano, tais como o fenômeno da uberização. Não importa mais a exteriorização dos comandos diretos para fins de caracterização da subordinação, pois, no fundo e essência, o que vale mesmo é a inserção objetiva do trabalhador no núcleo, no foco, na essência da atividade empresarial. (GONÇALVES, 2017).

Pelas três faces da subordinação abalizadas pela doutrina, o motorista da Uber encontra-se subordinado à empresa. Seja devido às inúmeras regras e ordens que deve seguir, e pelo controle que é efetivamente exercido sobre a sua prestação laboral, nos termos da subordinação clássica; seja porque está inerentemente vinculado às atividades essenciais da empresa, de acordo com a visão objetiva, ou ainda, nos termos da teoria estrutural de subordinação, por estar inserido na dinâmica estrutural da Uber.

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Sobre o autor
Kleber Soares de Araújo

Pós-graduado em Direito Constitucional do Trabalho pela Universidade de Brasília - UnB; Pós-graduado em Docência no Ensino Superior pela Universidade Cruzeiro do Sul; Bacharel em Direito pelo Centro Universitário IESB. Servidor Público Federal do Poder Judiciário da União.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARAÚJO, Kleber Soares. Análise da relação contratual dos motoristas da empresa Uber sob o prisma dos elementos que caracterizam a relação de emprego no direito do trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5362, 7 mar. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/64583. Acesso em: 24 nov. 2024.

Mais informações

Trabalho de conclusão de curso de pós-graduação, em forma de artigo científico, apresentado à Universidade de Brasília – UNB e ao Tribunal Superior do Trabalho – TST como requisito à obtenção do grau de especialista em Direito Constitucional do Trabalho, sob a orientação do Professor Doutor Wilson Theodoro Filho.

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