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Imprescritibilidade no crime de estupro.

Uma análise acerca da necessidade de mudança no inciso XLII, do art. 5º, da Constituição Federal

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07/03/2018 às 15:00
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O estupro é um crime brutal e traumático praticado contra a dignidade sexual do indivíduo e que prescreve, no máximo, em 20 anos. Estuda-se a necessidade e a viabilidade de torná-lo imprescritível.

1 INTRODUÇÃO

No ordenamento jurídico brasileiro, o tempo de prescrição varia de acordo com a pena imposta, que é diferente em cada caso concreto. No caso do estupro, estudo desta pesquisa, esse​ ​tempo​ ​pode​ ​se​ ​estender​ ​até​ ​20​ ​anos.

É cediço que atualmente apenas os crimes de racismo e ação de grupos armados, civis ou militares contra a ordem constitucional e o Estado Democrático são considerados inafiançáveis e imprescritíveis, ou seja, o autor destes crimes poderá ser punido independente​ ​do​ ​tempo​ ​da​ ​denúncia.

Surge então a grande problemática acerca da prescrição no crime de estupro: É razoável a prescrição de um crime tão brutal e traumático, levando em consideração que a vítima pode demorar mais de 20 anos para ter coragem de denunciar?​ ​

E ainda, em segundo plano, surgem outros questionamentos, quais sejam: É possível aumentar o rol de crimes imprescritíveis por meio de emenda à Constituição? Quais os limites do poder reformador?

Diante disso, o objetivo deste estudo é analisar o instituto da prescrição e imprescritibilidade penal, estudando seus conceitos e fundamentos, bem como a PEC​ ​64/2016,​ ​que​ ​atualmente​ ​está​ ​em​ ​trâmite​ ​na​ ​Câmara​ ​dos​ ​Deputados.

O presente artigo se divide em sete capítulos. O primeiro capítulo apresenta o conteúdo que será discutido. O segundo capítulo traz os conceitos e teorias do crime de estupro, tanto do art. 213 como do 217- A (estupro de vulnerável) do Código Penal. Em seguida, o terceiro capítulo discute o instituto da prescrição e as hipóteses de imprescritibilidade, bem como suas particularidades.

O quarto capítulo trata das limitações impostas ao poder reformador. O quinto capítulo analisa a Proposta de Emenda à Constituição nº 64/2016 e sua fundamentação. O sexto capítulo estuda a necessidade de tornar o crime de estupro imprescritível e suas consequências. O sétimo e último capítulo traz as considerações finais acerca do tema.

O método utilizado para a realização deste artigo será o indutivo. Justifica-se a escolha deste método, uma vez que corresponde a um processo mental que parte​ ​de​ ​questões​ ​particulares​ ​até​ ​chegar​ ​a​ ​conclusões​ ​generalizadas. Outrossim, a pesquisa foi feita por levantamento bibliográfico, conhecendo o conteúdo já produzido sobre o tema através de obras de autores acadêmicos renomados.


2 DO ESTUPRO

O conceito de estupro sofreu modificações com o passar do tempo, em virtude das transformações históricas das sociedades, que refletiram na legislação, e fizeram com que a definição que antes era restritiva se tornar mais ampla, abarcando maior número de condutas.

Alguns doutrinadores demonstram tal evolução com o passar do tempo. Segundo o autor Rogério Sanches (2016), no Brasil, antes da Lei 12.015 de 2009, a legislação considerava estupro apenas o constrangimento de mulher à conjunção carnal, enquanto os outros atos libidinosos estavam tipificados​ ​no​ ​artigo​ ​seguinte, ​que​ ​protegia, ​também, ​o​ ​homem.

O autor acrescenta que, com a edição da referida Lei, os dois crimes foram unificados num só tipo penal, definindo estupro como o constrangimento da vítima, seja mulher ou homem, mediante violência ou grave ameaça, a praticar conjunção carnal ou outro ato libidinoso.  

O artigo 213 do Código Penal Brasileiro define estupro como: “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso [...]” (BRASIL, 1940)

Logo, é possível verificar que de acordo com a legislação atual, o verbo utilizado no núcleo do tipo é o de constranger, que em interpretação literal pode ser utilizado no sentido de obrigar a vítima, homem ou mulher, a praticar ato sexual.

Desta forma, Guilherme Nucci (2017) destaca que para a configuração do estupro não é necessário que tenha ocorrido o contato físico, bastando apenas constranger outrem, mediante violência ou​ ​grave​ ​ameaça. Outrossim, é preciso que o agente atue mediante o emprego de violência ou de grave ameaça, ou seja, a utilização de força física para que a vítima pratique conjunção carnal ou permita ​outro​ ​ato​ ​libidinoso. ​(GRECO,​ 2017)

Quanto às penas impostas, o art. 213, CP, dispõe que, para o crime previsto no caput, será de 6 (seis) a 10 (dez) anos, conforme alteração realizada pela lei 12.015/2009. Porém, caso a conduta prevista resulte lesão corporal de natureza grave ou se a vítima for menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos, a pena será de 8 (oito) a 12 (doze) anos de reclusão. Outrossim, se daquela conduta resulta a morte da vítima do estupro, a pena será de 12 (doze) a 30 (trinta) anos de reclusão.

Segundo Maggio (2013), os §§ 1º e 2º, do art. 213, do Código Penal, elencam as formas qualificadas do estupro, modificando o mínimo e o máximo das penas previstas em abstrato. A primeira qualificadora trata do estupro qualificado pela lesão corporal de natureza grave e encontra-se na primeira parte do parágrafo primeiro do artigo. Essa qualificadora é preterdolosa, ou seja, é necessário dolo no estupro e culpa em relação ao resultado lesão grave. Desta maneira, se ficar demonstrado que houve dolo em relação à lesão corporal, seja ele direito ou eventual, o agente responderá por estupro simples em concurso material com a lesão corporal de natureza grave ou gravíssima, de acordo com o caso. Já a segunda qualificadora diz respeito ao crime qualificado pela idade da vítima (§ 1º, última parte). Neste caso, o estupro é qualificado se a vítima é menor de 18 e maior de 14 anos.

Por último, o autor destaca que a terceira qualificadora trata do estupro qualificado pela morte (§ 2º). Essa qualificadora também é preterdolosa, sendo necessário dolo no estupro e culpa em relação ao resultado morte. Desta forma, se existir dolo (direto ou eventual) em relação à morte, o agente responderá por estupro simples em concurso material com o homicídio qualificado.

Acerca das hipóteses que ensejam o amento da pena, o art. 226, I, CP (BRASIL, 1940), dispõe que se o crime for cometido em concurso de duas ou mais pessoas, ocorre o aumento da quarta parte. Já o inciso II do referido artigo, aduz que aumenta-se na metade se o agente é ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima ou por qualquer outro título tem autoridade sobre ela ou, ainda, se o crime resultar gravidez.

Há ainda a hipótese de o agente transmitir à vítima doença sexualmente transmissível de que sabe ou deveria saber ser portador. Neste caso, o agente terá a pena aumentada de um sexto até a metade, conforme dispõe o artigo 234-A, IV, do CP. Todavia, é mister salientar que esta causa de aumento incidirá apenas no caso em que o criminoso agir com dolo direto ou eventual, ou seja, sabe que é portador da D.S.T ou ao menos deveria saber que é, não ensejando a qualificadora, portanto, se o agente não sabia nem teria como saber se é portador da anomalia.

Maggio (2013) ressalta, ainda, a possibilidade de incidir num mesmo caso concreto mais de uma causa de aumento de pena. Para exemplificar, cita que o crime de estupro pode ser cometido por duas ou mais pessoas e, ao mesmo tempo, resultar em gravidez e transmissão de moléstia venérea, podendo o juiz, neste caso, segundo o art. 68, parágrafo único, CP, limitar-se a uma só causa de aumento de pena, desde que opte pela maior.

Com isso, verifica-se que o conceito de estupro é complexo e evoluiu com o passar do tempo e a evolução da sociedade, podendo, inclusive, sofrer novas alterações, que poderão vir a influir na legislação penal. Porém, é certo que, atualmente, qualquer forma de constrangimento a qualquer ato sexual, independente do gênero do autor ou da vítima do crime, é considerada estupro. Existe ainda uma forma de estupro mais específica prevista no Código Penal Brasileiro, o estupro de vulnerável, que será estudado a seguir.

2.1 Estupro de Vulnerável

No ano de 2009, a Lei 12.015/2009 revogou o art. 224 do Código Penal e criou o 217-A, CP, que prevê o crime de estupro de vulnerável. De acordo com o artigo, é considerado estupro de vulnerável a prática de conjunção carnal ou qualquer outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos. Consoante Nucci (2017), tal modificação foi benéfica, uma vez que eliminou a presunção de violência, emergindo o estado de vulnerabilidade.

Para o autor, são consideradas pessoas vulneráveis, os menores de 14 anos, os enfermos e deficientes mentais, quando não tiverem o necessário discernimento para a prática do ato, bem como aqueles que, por qualquer causa, não possam oferecer resistência à prática sexual.

O Código Penal Brasileiro traz ainda no mesmo artigo 217-A, mas desta vez no parágrafo 1°, a figura do estupro de vulnerável por equiparação, descrevendo que vai incorrer nas mesmas penas aquele que praticar ato sexual ou libidinoso com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tenha o discernimento necessário para a prática do ato, ou que, não pode oferecer resistência por qualquer motivo.

Donato (2016) frisa que apenas se aplica o § 1º se em virtude da deficiência ou enfermidade a vítima não tiver discernimento algum. Se a incapacidade da vítima for relativa, o agente precisa quebrar essa incapacidade mediante violência, grave ameaça ou fraude, incorrendo, desta forma, no crime do artigo art. 213 do Código Penal.

Os parágrafos 3º e 4º tratam de crimes definidos como preterdolosos, ou seja, o resultado lesão corporal de natureza grave ou morte não é almejado pelo estuprador, porém ele vem a ocorrer por culpa. Havendo o dolo de lesionar ou de matar, ainda que seja eventual, deve o autor responder pelo crime de estupro de vulnerável, em razão da violência sexual, e o de lesão corporal ou de homicídio, pela lesão ou morte, em concurso material ou em concurso formal impróprio. (CASTRO, 2013)

Vale mencionar que, em razão do crime de estupro de vulnerável ser considerado hediondo (Lei 8.072/90, art. 1º, VI), a pena será inicialmente cumprida em regime fechado. A progressão, que, em crimes comuns, dá-se após 1/6 (um sexto) do cumprimento da pena, no estupro de vulnerável ocorrerá após 2/5 (dois quintos), se primário o condenado, ou 3/5 (três quintos), se reincidente. (CASTRO, 2013)

Castro (2013) ressalva que no caso em que a vítima for totalmente privada de sua capacidade de resistência, mediante fraude, o crime será o de estupro de vulnerável (CP, § 1o, art. 217-A). Já se quando empregada a fraude, a vítima mantiver a sua capacidade de resistência, o crime será o do art. 215 do CP. Entretanto, se neste último caso a vítima for menor de 14 (quatorze) anos, o crime será o de estupro de vulnerável, nos termos do caput do art. 217-A.

Deste modo, pela legislação vigente, considera-se estupro de vulnerável aquele ato sexual ou libidinoso praticado contra vítima menor de 14 anos, ou ainda em desfavor de quem não tenha o discernimento necessário para a prática do ato ou não possa oferecer resistência.

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3 DA PRESCRIÇÃO NO DIREITO PENAL BRASILEIRO

Ultrapassada a questão dos conceitos de estupro de acordo com a doutrina, bem como a corrente que é adotada pela legislação brasileira, imperioso se faz o estudo sobre a prescrição no Código Penal, o seu conceito, quais os prazos prescricionais previstos no CP, e ainda o conceito de Imprescritibilidade e quais as Hipóteses Previstas na Constituição.

Segundo Nagima (2014), é possível conceituar a prescrição como a perda do direito do Estado em punir o sujeito ativo do delito ou de executar essa punição em razão do decurso do prazo previsto na legislação para exercer tal direito. Ou seja, extingue-se a punibilidade do autor do crime por conta da inércia do Estado em processar, julgar e punir o agente.

No mesmo sentido, Ronaldo Muniz define:

A prescrição nada mais é do que a perda do direito de punir do Estado pelo lapso temporal. Trata-se de um benefício em favor do réu quando se concretiza para certa pessoa, mas também pode ser considerada uma garantia incluída no devido processo legal, tendo o Estado prazo razoável para cumprir a pretensão punitiva e executória. (MUNIZ, 2007, p. 268)

Em consonância com Nucci (2017), o Direito Penal possui diversas teorias que explicam a razão da existência do instituto da prescrição, quais sejam: teoria do esquecimento; da expiação moral; da emenda do delinquente; da dispersão das provas e a psicológica.

O autor explica que a teoria do esquecimento tem por base o fato de que, após o decurso de certo tempo, a sociedade não mais recorda do crime, inexistindo o temor causado pela sua prática, deixando, assim, de haver motivo para a punição. Já a teoria da expiação moral estabelece que, com o decurso do tempo, o criminoso sofre a expectativa de ser, a qualquer tempo, descoberto, processado e punido, o que já lhe serve de aflição, sendo desnecessária a aplicação da pena.

Quanto à teoria da emenda do delinquente, esta baseia-se no fato de que o decurso do tempo resulta na mudança de comportamento, presumindo-se a regeneração do criminoso e demonstrando a desnecessidade de aplicação da pena. A teoria da dispersão das provas, por sua vez, aduz que o decurso do tempo provoca a perda das provas, tornando quase impossível realizar um julgamento justo muito tempo depois da consumação do delito.

Já em relação a teoria psicológica, o autor define: “funda-se na ideia de que, com o decurso do tempo, o criminoso altera o seu modo de ser e de pensar, tornando-se pessoa diversa daquela que cometeu a infração penal, motivando a não aplicação da pena.” (NUCCI, 2017, p. 412)

Com relação às espécies de prescrição, Recouso (2014) afirma que este instituto divide-se em: prescrição da pretensão punitiva (PPP) e prescrição da pretensão executória (PPE). A primeira ocorre antes do trânsito em julgado da sentença criminal, enquanto a segunda ocorre após o referido trânsito.

De acordo com Siena (2011), a prescrição da pretensão punitiva ainda subdivide-se em: prescrição da pretensão punitiva propriamente dita; prescrição intercorrente; prescrição retroativa; e prescrição antecipada. A PPP propriamente dita é regulada pelo máximo da pena privativa de liberdade ao crime, enquanto a PPP intercorrente é regida pela pena aplicada, tendo como marco inicial a publicação da sentença penal condenatória.

A prescrição retroativa determina a recontagem dos prazos anteriores à sentença penal com trânsito em julgado para a acusação, ou depois de improvido seu recurso, sendo regulada pela pena aplicada. Já a prescrição antecipada não possui previsão legal, sendo uma construção doutrinária e jurisprudencial. Ela é verificada antecipadamente e é regulada pela pena em concreto estabelecida pelo magistrado. (SIENA, 2011)

Desta feita, percebe-se que a prescrição é a perda do direito do Estado em punir o indivíduo devido ao decurso do tempo estabelecido na legislação para exercer tal direito. Em seguida, será exposto como se dá a fixação dos prazos prescricionais.

3.1 Dos Prazos Prescricionais

Após a assimilação do conceito de prescrição, importante se faz o aprendizado da maneira como se fixa o prazo prescricional em cada crime. De acordo com o artigo 109 do Código Penal, para calcular o prazo da prescrição da pretensão punitiva, considera-se a pena máxima abstratamente cominada. Desta forma, prescreve-se em 20 anos, se o máximo da pena é superior a doze; em dezesseis anos, se o máximo da pena é superior a oito anos e não excede a doze; em doze anos, se o máximo da pena é superior a quatro anos e não excede a oito; em oito anos, se o máximo da pena é superior a dois anos e não excede a quatro; em quatro anos, se o máximo da pena é igual a um ano ou, sendo superior, não excede a dois e em 3 (três) anos, se o máximo da pena é inferior a 1 (um) ano. (BRASIL, 1940)

Para Coelho (2006), no parágrafo único do artigo supramencionado, qual seja, o artigo 109 do CP, está estabelecido que as penas restritivas de direitos, que são substitutivas das privativas de liberdade, prescrevem no mesmo prazo das substituídas.

Já o art. 111 do Código Penal estabelece que existem cinco momentos para começar a contar o prazo da prescrição da pretensão punitiva, quais sejam, do dia em que o crime se consumou; do dia em que cessou a atividade criminosa (no caso de tentativa);  do dia em que cessou a permanência (nos crimes permanentes); da data em que o fato se tornou conhecido (nos de bigamia e nos de falsificação ou alteração de assentamento do registro civil) e da data em que a vítima completar 18 (dezoito) anos, salvo se a esse tempo já houver sido proposta a ação penal (nos crimes contra a dignidade sexual de crianças e adolescentes). (BRASIL, 1940)

Referente à prescrição da pretensão executória, o art. 110 do CP aduz:

Art. 110 - A prescrição depois de transitar em julgado a sentença condenatória regula-se pela pena aplicada e verifica-se nos prazos fixados no artigo anterior, os quais se aumentam de um terço, se o condenado é reincidente. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

§ 1º A prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação ou depois de improvido seu recurso, regula-se pela pena aplicada, não podendo, em nenhuma hipótese, ter por termo inicial data anterior à da denúncia ou queixa. (Redação dada pela Lei nº 12.234, de 2010) [...] (BRASIL, 1940)

Quanto à contagem de prazo da prescrição da pretensão executória do art. 112, CP, esta começa a correr do dia em que transita em julgado a sentença condenatória, para a acusação, ou a que revoga a suspensão condicional da pena ou o livramento condicional, bem como do dia em que se interrompe a execução, salvo quando o tempo da interrupção deva computar-se na pena. (BRASIL, 1940)

Importante mencionar que, conforme o art. 115 do Código Penal, os prazos de prescrição caem pela metade quando o criminoso era ao tempo do crime, menor de 21 (vinte e um) anos, ou maior de 70 (setenta) anos na data da sentença. (BRASIL, 1940)

Christ; Araújo e Azevedo (2015), ressaltam que, apesar do art. 5º, caput, do CC (Brasil, 2002) estabelecer 18 anos de idade para a capacidade civil, não interfere na redução dos prazos de prescrição para agentes menores de 21 anos, uma vez que tal redução tem por fundamento idade inferior a 21 anos e não a incapacidade civil do agente na data do fato.

Outrossim, cabe salientar que, no caso de reincidência, o prazo prescricional da pretensão executória deverá ser ampliado em um terço. O mesmo não ocorre na PPP, uma vez que a reincidência não influi no prazo da prescrição da pretensão punitiva. (CHRIST; ARAÚJO; AZEVEDO, 2015)

Assim, conforme o que estabelece o Código Penal, o prazo máximo de prescrição para um delito previsto no Código Penal é de 20 anos. No caso do estupro, assim como em outros crimes graves, tal prazo pode alcançar o período mencionado ou ser ainda menor, conforme a pena que for estabelecida no processo. Porém, a legislação brasileira já avançou no tocante a diversos outros delitos, tornando-os imprescritíveis, o que também pode ocorrer com o crime de estupro.

3.2 Imprescritibilidade e as Hipóteses Previstas na CF/88

Conforme visto anteriormente, a regra no Direito Penal é que se exista um prazo em que após o seu decurso o Estado não mais poderá punir o ofensor. Porém, a figura da imprescritibilidade ocorre quando o delito é tão grave, ou necessita de tanto tempo para ser descoberto, que a legislação estabelece que a qualquer tempo o agente poderá ser punido.

Consoante Cretella Júnior (1997, p. 483), “a imprescritibilidade penal pode ser conceituada como a idoneidade ou ineficácia do decurso do tempo sobre o jus puniendi, de que é detentor o Estado e, assim, crime imprescritível é aquele cuja sanção é perene, podendo o Estado punir a qualquer tempo.”.

Já Santos (2010, p. 82) define imprescritibilidade como “a simples ausência da prescrição, sendo aquilo que não é suscetível de prescrição, não estando sujeito a ela, que não se prescreve ou não se pode prescrever”.

Outrossim, nas palavras de Mara Regina Trippo:

Assim como na prescrição, a imprescritibilidade tem fundamentos que explicam sua razão de existir, sendo que há duas vertentes que subdividem os fundamentos, quais sejam, a material e a processual, a primeira defende a perpétua manutenção da necessidade de se punir, já a segunda defende que a ação penal ou a execução da condenação não se limitam temporalmente [...].  (TRIPPO, 2004, p. 57).

No ordenamento jurídico brasileiro, existem apenas dois crimes elencados na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, considerados imprescritíveis, quais sejam, racismo (art. 5º, XLII) e ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático (art. 5º, XLIV).  (LIMA, 2015)

O artigo 5º, XLII, CF dispõe: “[...] XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei”. Conforme a teoria ampliativa adotada pelo STF, o termo racismo deve ser compreendido de forma abrangente, não se limitando a raça. (GOMES, 2013).

Já o artigo 5º, XLIV, CF aduz: “[...] XLIV - constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático”. De acordo com Gomes (2013), este inciso está voltado para a repressão de grupos subversivos que visem impedir a manutenção do Estado ou que tentem inviabilizar a continuidade da ordem constitucional, sendo este delito dotado de alta importância e gravidade.

No tocante aos crimes imprescritíveis previstos na CF/88, eis o entendimento do STF no julgamento do HC 82.424:

A Constituição Federal de 1988 impôs aos agentes de delitos dessa natureza, pela gravidade e repulsividade da ofensa, a cláusula de imprescritibilidade, para que fique, ad perpetuam rei memoriam, verberado o repúdio e a abjeção da sociedade nacional à sua prática. (...) A ausência de prescrição nos crimes de racismo justifica-se como alerta grave para as gerações de hoje e de amanhã, para que se impeça a reinstauração de velhos e ultrapassados conceitos que a consciência jurídica e histórica não mais admitem. (HC 82.424-RS, Pleno, rel. para o acórdão Maurício Corrêa, 17.09.2003, m.v., RTJ 188/858).

Consoante Gomes (2013), a imprescritibilidade das hipóteses previstas nos incisos XLII e XLIV do art 5º da CF, se justifica tanto pela gravidade da conduta perpetrada pelo agente como pelo fato de o Estado necessitar e um tempo indeterminado para punir certa conduta, devido à impossibilidade de se punir na época exata do fato.

Logo, pode-se afirmar que apesar de a regra ser a da prescritibilidade penal, existem situações excepcionais elencadas na CF/88 que permitem a imprescritibilidade, em decorrência da sua gravidade e importância.

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Sobre a autora
Larissa Emily Alves Oliveira

Advogada inscrita na OAB/SE; Bacharela em Direito pela Universidade Tiradentes - UNIT

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Larissa Emily Alves. Imprescritibilidade no crime de estupro.: Uma análise acerca da necessidade de mudança no inciso XLII, do art. 5º, da Constituição Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5362, 7 mar. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/64603. Acesso em: 24 abr. 2024.

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