Responsabilidade Civil do Estado na Efetivação do Direito à Saúde, Sob a Ótica dos Medicamentos e Tratamentos não Fornecidos pelo Sistema Único de Saúde

Exibindo página 1 de 5
Leia nesta página:

Abordagem de como o acesso à saúde foi se aperfeiçoando no país e a postura que tem tomado a população diante da omissão do Estado.

1. INTRODUÇÃO

A busca por uma saúde pública justa e igualitária para todos tem sido um dos objetivos mais buscados nos últimos anos no país.

Contudo, em muitos casos, a efetivação das premissas contidas na própria Constituição Federal, no tocante ao direito à saúde, não são obedecidas, cabendo ao Poder Judiciário compelir o Poder Executivo a implementar políticas públicas que atendam, a contento, o que demanda o texto constitucional.

Este acontecimento recebeu o nome de judicialização judiciária.

A população, muitas vezes, se vale do Poder Judiciário para obter um medicamento ou um tratamento médico que não é fornecido pelo Sistema Único de Saúde ou lhe é negado, sem um motivo plausível.

Todavia, o que deveria ser uma exceção, tem se tornado um meio para o digno acesso à saúde.

No entanto, a presente situação tem provocado prejuízos sob a análise do orçamento público, pois tem causado um desequilíbrio para a promoção de outras políticas públicas, conforme será demonstrado neste trabalho.

Não obstante, não se pode ignorar o fato que o indivíduo que procurou o Poder Judiciário para que seu direito social fosse tutelado, não conseguiu obtê-lo administrativamente, o que é um absurdo pelo que dispõe a Constituição Federal.

Em razão destes fatos apontados, fez-se necessário a utilização do método indutivo, vez que foram analisados casos gerais e casos individuais para se chegar a uma conclusão pertinente.

O método histórico, pois houve uma ampla abordagem sobre os diversos textos constitucionais do Brasil.

E ainda, o método dialético, posto que o presente trabalho monográfico se preocupa em elencar os problemas que atingem a saúde pública brasileira.

Contudo, vale esclarecer que o que se pretende é demonstrar que apesar dos recursos públicos serem finitos, estes devem ser distribuídos de acordo com as necessidades públicas, inclusive para a implementação dos direitos ditos por fundamentais sociais, para que a dignidade da pessoa humana seja preservada, conforme precedente intitulado no artigo 1º da Constituição Federal.


2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO À SAÚDE NAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS

O modelo constitucional brasileiro demonstrou um atraso na adoção do direito à saúde diante do paradigma internacional.

A Constituição Federal do Império, do ano de 1824, não abordou expressamente o direito social à saúde. Nesta época, o Brasil havia se tornado recém independente e iniciava um novo modelo de Estado. Tratar de saúde pública, neste período, era inoportuno, uma vez que o poder público não intervinha nestas questões.

A Constituição Republicana de 1891 também não englobou o direito à saúde em seu texto. A propósito, em vista da Constituição anterior, esta basicamente regrediu na forma de delimitar direitos, principalmente no aspecto social.

Todavia, a Constituição de 1934 iniciou o chamado "Estado Social Brasileiro". Neste modelo há uma preocupação com a vigilância sanitária, inclusive dividindo as competências entre os entes políticos, adotada futuramente pela Constituição de 1988.

No entanto, as Constituições de 1937 e de 1946 ficaram inertes a respeito deste tema.

Em contrapartida, na década de 60, a saúde tomou um rumo diferente. Contudo, uma crise assolou o Sistema Nacional de Saúde, diante do autoritarismo e o arbítrio político.

No final da década de 80, com o fim da ditadura, a saúde passou a ser vista como um direito do cidadão.

A Constituição Federal de 1988 foi a pioneira dentre as demais constituições brasileiras, pois trouxe o direito à saúde como um direito fundamental social.

José Afonso da Silva discursa que "é espantoso como um bem extraordinariamente relevante à vida humana só agora é elevado à condição de direito fundamental do homem”. (1995, p. 238)

Percebe-se que o direito social em debate sempre esteve em segundo plano na história do país.

Entretanto, o texto constitucional de 1988, trouxe aplicabilidade direta e imediata ao direito à saúde, ou seja, indicou ideais que devem ser efetivados de maneira instantânea.

Não obstante, o modelo constitucional trouxe ainda regras e princípios que devem ser observados quando da aplicação do direito social à saúde.

Portanto, cabe ao poder público compatibilizar a assistência deste direito social com os investimentos públicos, para que assim este seja implementado.

2.1 PANORAMA DO DIREITO À SAÚDE NO BRASIL  

O direito à saúde vem expressamente consagrado no artigo 6º da Constituição Federal, no rol dos denominados "direitos sociais fundamentais".

Ainda há uma normatização específica prevista nos artigos 196 ao 200 do diploma constitucional.

Com efeito, tal situação foi concretizada na Constituição Federal de 1988 após uma série de mecanismos que visavam resguardar o Estado Democrático de Direito e a dignidade da pessoa humana, expressa no artigo 1º, inciso III, da Carta Magna.

A busca pelo direito à saúde vem desde os tempos antes de Cristo, onde as pessoas procuravam meios de acabar com as pestes que podiam extinguir a espécie humana.

A Organização Mundial da Saúde (OMS), órgão da Organização das Nações Unidas, definiu saúde como o "completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doenças", como intitulado pelas teses que visavam à saúde pelo lado organicista.

Contudo, tal conceito sofreu inúmeras críticas, vez que depende de várias análises para estabelecer suas diretrizes, apesar de ter sido dado após a II Guerra Mundial.

Pois bem, é notória a preocupação com o direito à saúde no mundo, todavia, o Brasil apenas positivou o referido direito em 1988, mas estampou em seu texto constitucional a saúde como um direito de todos e um dever do Estado, que deve garantí-lo mediante políticas sociais e econômicas que tenham como foco reduzir os riscos de doença e outras conseqüências atribuídas a ela, consoante preceitua o artigo 196 do texto constitucional.

A saúde, por ser um direito primordial do ser humano, é regida pelos princípios da universalidade e igualdade aos serviços que a suscita, tutela e recupera.

O Estado, por sua vez, deve satisfazer as necessidades em matéria de saúde pública, ou seja, possibilitar o acesso a todos de modo satisfatório.

Este requisito "satisfatório" transmite a idéia de um serviço ágil e eficaz, de modo a atender a demanda integral, sem distinguir indivíduos.

Desse modo, verifica-se que o direito à saúde nada mais é que um direito subjetivo inerente à pessoa humana, e que quando violado, traduz grave lesão à saúde pública.

Assim, o direito à saúde precisou ser regulamentado, isto é, necessitou de um conjunto de normas que estabelecessem na prática o fornecimento de medicamentos e tratamentos médicos, haja vista que a Constituição Federal apenas instituiu diretrizes.

Nesta ideia, foi editada a Lei 8.080/1990 que regulamenta o Sistema Único de Saúde.

Com a criação do SUS ficou estabelecida a competência e a responsabilidade de cada ente político, no tocante à saúde, em todo o território brasileiro.

Atribui-se a União a responsabilidade pelo fornecimento de medicamento classificados como extraordinários e aos Estados os medicamentos relacionados como excepcionais.

No que diz respeito a esfera de responsabilidade dos Municípios, estes devem arcar com os medicamentos ditos como básicos.

Esta divisão para a população não traz muita importância, vez que o que ela realmente almeja é a proteção de seu direito social estudado no presente trabalho. Portanto, o Poder Público deve atuar de maneira compromissada para atender este objetivo social.

Como demonstrado, a Lei 8.080/1990 foi criada com a idéia de normatizar e avaliar a implementação da política pública no setor da saúde em todo território brasileiro.

Seu artigo 4º dispõe o que constitui o SUS:

Art. 4º - O conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público, constitui o Sistema Único de Saúde (SUS).

Ao analisar a ventilada Lei observa-se que compete também aos entes políticos identificar e divulgar os fatores condicionantes e determinantes da saúde, para que a partir deste caminho possam ser especificadas ações para promoção, proteção e recuperação da saúde pública, que deve ser trabalhada em conjunto com as ações assistenciais e atividades preventivas.

O Sistema Único de Saúde atua na execução de ações de vigilância sanitária e epidemiológica, a saúde do trabalhador e da assistência terapêutica integral, com base nos princípios da universalidade; da integralidade; da igualdade.

Apesar de trazer uma ideia de um sistema funcional atuante, a precariedade do sistema público de saúde é evidente, aliado a uma insuficiência de medicamentos gratuitos e tratamentos médicos aceitáveis.

Diante deste quadro, a população brasileira tem se socorrido do Poder Judiciário para que seu direito à saúde seja efetivado, por meio de provimentos judiciais liminares, fato este que vem sendo denominado de “judicialização da saúde”.

2.2 DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS)

Desde o início no Brasil, inúmeros problemas passaram a ser enfrentados no tocante a saúde pública. A começar pelo ano de 1970, onde o infortúnio existente era a crise financeira vigente no tocante a falta de alocação de recursos públicos.

Assim, o Sistema Único de Saúde, ora conhecido pela sigla “SUS”, nada mais é que fruto de uma reforma sanitária preservada por movimentos sociais.

Foi criado após dois anos da promulgação da Constituição Federal de 1988, e está regulamentado infraconstitucionalmente pela Lei 8080/1990.

O SUS regula em todo território nacional ações e serviços de saúde, executadas isoladamente ou em conjunto, de maneira permanente ou individual, exercidas por pessoais físicas ou jurídicas pertencentes ao direito público ou privado, consoante artigo 1º da Lei 8080/1990.

Paulo Eduardo Elias menciona que as diretrizes expressas no artigo 7º da Lei 8080/1990 se resumem em três: descentralização, participação da comunidade através dos Conselhos de Saúde e atendimento Integral, cabendo aos SUS promover as ações curativas e as preventivas necessárias (2004, p. 15).

Todavia, a descentralização dos serviços é um problema grave existente em todo regime jurídico nacional, assolando principalmente a questão da saúde pública, vez que esta não ocorre efetivamente em razão da má distribuição dos recursos públicos.

Vale aduzir que a saúde pública é prestada em maior carga pelos Estados e Municípios, que recebem, por sua vez, um orçamento muito baixo para viabilizar a saúde pública no país, tendo em vista que a maior concentração dos recursos públicos se encontra nas mãos da União que não repassa corretamente as verbas públicas.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Contudo, há ainda problemas específicos que afligem o SUS, como por exemplo, a falta de médicos e especialistas; a burocracia existente nos processos licitatórios que acabam por retardar a prestação de serviços, bem como, a execução de obras; o mau gerenciamento, muitas vezes alicerçado pelo não conhecimento, no funcionalismo da estrutura do Sistema Único de Saúde.

Percebe-se, portanto que o SUS ainda é um sistema truncado, ou seja, não atente ainda o princípio da eficiência, pois se encontra até esse momento em processo de formação, mesmo depois de passado mais de 20 anos.

O Sistema Único de Saúde exige reajustes normativos e gerenciais para seu bom funcionamento, para que a crise que se arrasta na saúde pública, por mais de 30 anos, se dizime.

Paulo Eduardo Elias relata que não se pode chamar de crise algo que predomina por um longo período, como no caso em comento, vez que tal situação não expressa a realidade do país, e sim, omite problemas políticos e estruturais que não foram combatidos, mas devem ser destruídos (2004, p. 12 - 13).

Nos dizeres de José Lima Santana a tarefa para a consolidação da eficiência do SUS é fastidiosa, como fruto de uma interlocução e de uma relação franca, aberta e democrática entre todos os interessados (José Lima Santana, 2006, primeira contracapa).

Portanto, os princípios e diretrizes, bem como, as obrigações do SUS devem ser incessantemente aperfeiçoados, para que novos desafios possam ser alcançados.

Outrossim, o princípio da eficiência deve ser uma busca perene das autoridades públicas e da sociedade para a consolidação de um sistema de saúde afável para todos.

2.3 DAS DIFERENÇAS REGIONAIS

No Brasil persiste a desigualdade no setor da saúde entre suas regiões.

A título de exemplo há estes dados extraídos do livro Saúde no Brasil, desenvolvido pelo Ministério da Saúde, mas precisamente na página 29:

“Enquanto o País possuía em média 3,0 leitos disponíveis para o SUS, 2,1 privados e 1,4 médico por mil habitantes, a região Norte apresenta os seguintes indicadores: 2,1 leitos SUS, 1,2 leito privado e 0,6 médico por mil habitantes, correspondendo a cerca da metade dos valores exibidos pela região Sudeste. No caso dos odontólogos, a região Sudeste e Centro-Oeste exibem valores quatro vezes superiores ao Norte e duas vezes ao Nordeste. Já a distribuição dos enfermeiros se faz com menos disparidades, de modo que a região Nordeste dispõe de valores semelhantes ao Sul, enquanto que a região Norte e Centro-Oeste possuem indicadores superiores à média nacional”.

“Embora a disponibilidade de 3 leitos vinculados ao SUS por 1.000 habitantes esteja próximo ao valor médio observado nas Américas (2,9 leitos por 1.000 habitantes) e abaixo da média descrita para a América do Norte (4 leitos por 1.000 habitantes), verifica-se uma grande variação entre os estados brasileiros, ou seja, de 1,8 a 4,5 leitos por 1.000 habitantes. Já em relação ao número de unidades ambulatoriais por 10 mil habitantes, constata-se uma distribuição menos assimétrica”.

Ademais, outros dados são retirados dessa pesquisa, no tocante aos leitos de UTI disponíveis para o SUS, ora, a média nacional era de 6,8 leitos por 100.000 habitantes, enquanto que a maioria dos estados da região Norte e Nordeste apresentam valores abaixo desta média.

Tais dados evidenciam a existência de desigualdade do país entre suas regiões para que o sistema da saúde pública aconteça efetivamente de maneira razoável.

Além disso, vale ressaltar que cerca de 180 mil médicos que atendem o SUS não possuem o título de especialista ou não concluíram o programa de residência médica.

Outrossim, insta salientar que os médicos formados no exterior que tiveram seus diplomas revalidados de acordo com as normas estabelecidas pelo MEC, com posterior registro no CRM, tendem a se concentrar nos grandes centros, que, via de regra, se concentram nas regiões Sul e Sudeste.

Pois bem, é natural que o número de médicos se concentre nas áreas mais atrativas financeiramente, contudo, o poder público possui o desafio de atrair mais médicos para as regiões mais deficitárias de especialistas, como a região Norte e Nordeste, pois não há como aceitar esta disparidade entre os estados.

Um método para equacionar a desigualdade no país, no que diz respeito à saúde pública, seria a elaboração de medidas gerais, ou seja, que estejam abertas a população, e medidas focalizadas, voltadas diretamente para o setor da saúde (Serra, p. 44).

Tais medidas envolveriam em tese vários fatores, tais como a ênfase na atenção básica e nos programas de saúde, medicamentos, prevenção de doenças, cirurgias eletivas e assistência médica.

Seria mais ou menos, em resumo, um investimento maior das ações básicas de saúde, impulsionando sua descentralização. Uma restruturação da assistência farmacêutica, ora uma maior regulamentação e promoção de medicamentos. Financiamento em campanhas publicitárias para que moléstias sejam prevenidas, como por exemplo, campanhas antitabagismo; de exame do colo do útero, de diabetes, hipertensão, entre outras. Criação de multirões para a realização de cirurgias, tais como: catarata, hérnia, varizes, próstata, vesícula, entre outras.

O que se pretende é eliminar o déficit nas regiões do Brasil, além de que tais projetos desenvolvem uma consciência melhor da população a respeito de doenças que estão em voga e que podem ser prevenidas, estimulando sua prevenção e melhor tratamento.

Não se pode deixar de lado é claro a questão do saneamento básico, que reduz e muito doenças que se concentram em determinadas regiões do país.

Com efeito, as medidas focalizadas se centralizariam em melhorias no saneamento básico, designação de profissionais de saúde para os municípios que reúnem mais pessoas carentes e o tratamento e prevenção da saúde indígena.

Um foco nestas análises apontadas no presente estudo mostram que há possiblidade do país enfrentar os desafios da prevenção, promoção e assistência a saúde publica em todo território nacional.

Assuntos relacionados
Sobre a autora
Karla Verônica Fernandes Mendes

Graduação em Direito no Centro Universitário Antônio Eufrásio de Toledo de Presidente Prudente/SP (Toledo) Pós Graduação em Direito Público no Complexo Educacional Damásio de Jesus

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos