Resumo: No presente artigo, discute-se a possibilidade da judicialização do inquérito policial, de modo a torná-lo um procedimento capaz de fundamentar decisões judicias. Propõem-se alternativas procedimentais com o objetivo de tornar a persecução penal mais célere e, consequentemente, eficiente, ponderando a efetividade dos órgãos do Estado responsáveis pela persecução penal com os direitos e garantias fundamentais dos acusados. Realiza-se uma análise da tendência do processo penal brasileiro em criar os juizados de instrução e garantias e defende a possibilidade de produção de provas na fase pré-processual da persecução penal.
Palavras-chave: Dignidade da pessoa humana. Contraditório e ampla defesa no Inquérito policial. Celeridade e eficiência do Processo Penal.
1.INTRODUÇÃO
O inquérito policial, previsto no Código de Processo Penal, decreto-lei nº 3.689 de 1941, entre os artigos 4º ao 23, consiste em um conjunto de diligências investigativas preliminares, de caráter predominantemente inquisitorial. Trata-se de um procedimento pré-processual, com natureza jurídica administrativa. Serve apenas como peça informativa que tem como destinatário imediato o Ministério Público, nas ações penais de iniciativa pública, e o querelante, nas ações penais de iniciativa privada. Mediatamente, é direcionado ao juízo, mas não pode fundamentar sentenças judiciais por não servir como elemento de prova na fase processual, conforme dispõe o artigo 155 do Código de Processo Penal.
No entanto, seria possível tornar o inquérito policial uma peça informativa também capaz de fundamentar decisões judiciais? Sendo possível, quais seriam as modificações legais a serem implementadas no sistema processual brasileiro e quais benefícios traria, caso a mencionada medida fosse efetivada?
Diante de tais questionamentos e tendo em vista a atual crise do sistema de persecução penal brasileiro, que conta com procedimentos excessivamente morosos, tanto na fase pré-processual quanto na processual, uma estrutura judicial e policial com deficiências, de forma que faltam recursos logístico e pessoal, bem como falta de qualificação científica na produção dos elementos de informação, tornou-se extremamente necessária a busca por respostas mais efetivas do Estado frente ao crescimento dos índices de criminalidade na sociedade brasileira.
Busca-se, desse modo, pelo presente artigo, a proposição de alternativas procedimentais que tornem a persecução penal extra juidicium mais célere, mas não menos útil juridicamente, respeitando-se, proporcionalmente, os direitos e garantias fundamentais dos cidadãos, bem como os interesses da segurança pública no esclarecimento dos delitos.
Sugere-se, assim, a adoção de um modelo jurisdicionalizado de inquérito policial, que seja capaz de fundamentar decisões judiciais. Para tanto, impõe-se a expansão da aplicação dos princípios do contraditório e da ampla defesa, corolários do devido processo legal, durante a coleta dos elementos de informação, bem como a presença, durante todo o procedimento, de um juízo de garantias, sobre o qual recairia a incumbência do controle judicial dos procedimentos investigatórios criminais, assegurando a participação da defesa técnica na apuração dos fatos, e decidindo sobre provas cautelares não repetíveis, diligências e medidas cautelares que impliquem em restrição a direitos ou à liberdade do cidadão, especialmente no que diz respeito à legalidade da prisão em flagrante, analisada atualmente nas audiências de custódia.
Portanto, pretende-se analisar no presente artigo a questão referente à judicialização do inquérito policial e a criação de um juízo de instrução e garantias, não necessariamente por uma abrupta mudança estrutural no sistema, mas inicialmente por meio da (re) adequação das atribuições e competências das autoridades policiais e judiciárias.
2.A CRISE DA INVESTIGAÇÃO PRELIMINAR BRASILEIRA
Segundo Lopes Junior (2014), existe uma crise na investigação preliminar processual, especialmente do inquérito, exigindo-se uma imediata revisão de sua estrutura e titularidade. O autor entende que o modelo adotado pelo Código de Processo Penal (CPP) está ultrapassado, em colapso, pois não serve para a defesa, que geralmente é tolhida de participar das investigações e solicitar diligências, assim como pouco serve ao juízo, diante de sua estrutura inquisitória e das limitações probatórias, além da vedação imposta pelo artigo 155, do CPP. De acordo ainda com o referido autor, o modelo atual também não agrada ao Ministério Público, visto que, ao ser conduzido por autoridade diversa a do titular da ação penal, costuma não atender as suas necessidades.
Além disso, em entrevista (CANÁRIO, 2016)[3] ao site especializado em assuntos jurídicos Consultor Jurídico, Luís Antônio Boudens, policial federal e presidente da Federação Nacional de Policiais Federais (Fenapef), afirmou que o inquérito policial é o símbolo da falência das investigações policiais. Utilizando um estudo publicado em 2010 sobre o inquérito policial no Brasil, coordenado pelo professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro Michel Misse, o policial declarou que a taxa de elucidação de crimes graves, como roubo, latrocínio, tráfico de drogas e homicídio, se mostra muito baixa, tipos de crime com alto grau de elucidação em países modernos. Boudens conta que o índice de solução de homicídios no Brasil é de 4% e, na maioria dos casos, os mencionados crimes nem chegam a ser investigados.
Todavia, com a possibilidade da criação dos juizados de instrução e garantias, tendência do direito processual penal brasileiro, previsto no projeto de lei 8.045/2010, que tramita no Congresso Nacional, bem como na PEC (Proposta de Emenda a Constituição) 89/2015[4], que se encontra apensada a PEC 430/2009, Aguardando Deliberação na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC), entende-se viável a reestruturação do procedimento de investigação policial pré-processual, com vistas a torná-lo capaz de fundamentar sentenças judicias.
Nesse contexto, vislumbra-se um modelo de inquérito hábil a evitar meras repetições em juízo. Atualmente, por exemplo, o interrogatório do acusado e as declarações da vítima, a inquirição de testemunhas ou o reconhecimento de pessoas e coisas, assim como o depoimento dos policiais responsáveis pela prisão apenas são convalidados na fase processual.
2.1. A MOROSIDADE E EXCESSO DE PROCESSOS NA JUSTIÇA BRASILEIRA
A morosidade e o excesso de processos também são inconvenientes da justiça brasileira. Tornaram-se ultimamente os principais impasses. Esses problemas dificultam o acesso à justiça, direito personalíssimo previsto no inciso XXXV da Constituição Federal de 1988.
Foi essa a conclusão a que chegou Flávio Caetano, ex-secretário do Ministério da Justiça, responsável pela reforma do judiciário, o qual declarou, em audiência pública realizada em 2014 para debater a eficiência do primeiro grau de jurisdição, organizada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que um processo chega a durar até 10 anos e que 92 milhões de processos tramitaram no judiciário brasileiro no ano de 2012. Sendo assim, torna-se claramente necessário discutir o problema, notadamente no âmbito acadêmico. (CAETANO, 2014).
2.2. MOROSIDADE NA JUSTIÇA BRASILERIA
Em relação à morosidade dos processos na justiça brasileira, Aury Lopes Junior (2014, p.133), em sua obra Direito Processual Penal, se posiciona da seguinte forma:
Como veremos, quando a duração de um processo supera o limite da duração razoável, novamente o Estado se apossa ilegalmente do tempo do particular, de forma dolorosa e irreversível. E esse apossamento ilegal ocorre ainda que não exista uma prisão cautelar, pois o processo em si mesmo é uma pena.
Citando Beccaria (2014), o autor afirma que o processo deve ser conduzido sem protelações, demonstrando preocupação com a demora judicial. Um processo excessivamente demorado comina com diversas violações, como dilação do prazo das prisões cautelares, condenações extemporâneas, nas quais se perde o princípio da retributividade, violação ao princípio do contraditório, da presunção de inocência, dente outros inconvenientes do direito material e processual.
Além disso, não se deve olvidar que a todos os litigantes, no âmbito judicial ou administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantem a celeridade de sua tramitação, conforme o que dispõe o inciso LXXVIII, da Constituição Federal de 1988.
2.3. EXCESSOS DE PROCESSOS NA JUSTIÇA BRASILEIRA
Com relação ao excesso de processos que tramitam na justiça brasileira, vários fatores contribuem para o problema. O jornal o Globo publicou em 2014 uma série de reportagens que demonstram bem as agruras que vive o Poder Judiciário brasileiro:
Pouca informatização, muito trabalho por fazer e juízes soterrados em montanhas de processos. Tudo isso somado a um número sem fim de novas ações que não param de fazer crescer os estoques do Judiciário. Esse é o retrato fragmentado das varas de Justiça de primeiro grau no Brasil, os locais onde começam a tramitar os processos comuns. Ao longo do último mês, O GLOBO visitou as varas mais congestionadas do país. O acúmulo de processos é tão grande que em uma vara de São Paulo um só juiz precisa dar conta de 310 mil processos. Lá são 1,56 milhão de causas divididas para cinco juízes. O número supera, e muito, a média nacional de 5,6 mil processos por juiz da primeira instância. É o cenário de uma Justiça que não anda[5].
Apresentados os problemas, convém que se proponham respostas, alternativas, com vistas a solucioná-lo, ou, ao menos, minimizá-lo. Desse modo, ao sugerir as mudanças na persecução penal brasileira, de forma que as atribuições e encargos da polícia judiciária passem efetivamente a ser orientadas pelos princípios da ampla defesa e do contraditório, respeitado o devido processo legal, busca-se racionalizar o contingente da polícia judiciária, somando-se esforços com o poder judiciário, de modo a potencializar o serviço público prestado.
A intenção é fazer com que os processos cheguem até o juiz de direito já em condições de serem julgados. Acredita-se, com isso, em uma resposta mais eficiente do Estado frente ao problema da criminalidade, sem, contudo, deixar de observar as garantias e direitos fundamentais, linhas mestras de um constitucionalizado de processo.
Para tanto, partindo do pressuposto de que todo o Código de Processo Penal brasileiro deve ser relido à luz da Constituição e tendo em vista que a função do juiz é atuar como garantidor da eficácia do sistema de direitos e garantias fundamentais do acusado, conforme preleciona Lopes Junior (2014), por decorrência lógica, o juiz de instrução também atuará como garantidor dos direitos fundamentais, tornando o inquérito um procedimento regido pelos princípios do contraditório e da ampla defesa, da imparcialidade, razoável duração do processo, voltado à produção de elementos capazes de formar a convicção do juiz de direito.
3.O MODELO DE INQUÉRITO JUDICIALIZADO
Diante dos inconvenientes supracitados, que tornam a persecução penal mais morosa e repetitiva, convém que se proponha um procedimento de investigação preliminar mais dinâmico. A ideia é que esse procedimento continue a servir para formar a opinio delicti do Parquet, bem como apurar a autoria e materialidade da infração penal, todavia objetiva-se aumentar sua cognição.
Iniciado a partir de uma notitia criminis ou, de ofício, pela autoridade policial, buscar-se-á definir a materialidade e autoria provável e as circunstâncias da infração penal em um procedimento orientado pelo princípio do devido processo legal, o qual impõe, inclusive em procedimento administrativo, o efetivo respeito ao contraditório e a ampla defesa.
3.1. O contraditório e a ampla defesa no inquérito policial
Quanto ao contraditório e à ampla defesa na fase pré-processual, José Eduardo Lopes Lima (2016)[6] se posiciona da seguinte forma:
No que diz respeito à possibilidade de aplicação dos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório durante o indiciamento em inquérito policial, é de fácil percepção que a doutrina pátria não tem criado discussões controvertidas, contudo, a realidade prática de se reconhecer tal direito ao indiciado em procedimento investigativo, dando acesso aos advogados às peças já documentadas, como direito de consulta dos autos e atendimento de pedidos de produção de provas, ainda é de pouca expressividade.
Para Tourinho Filho (2009, p. 22):
A defesa não pode sofrer restrições, mesmo porque o princípio supõe completa igualdade entre acusação e defesa. Uma e outra estão situadas no mesmo plano, em igualdade de condições, e, acima delas, o Órgão Jurisdicional, como órgão superpartes, para, afinal, depois de ouvir as alegações das partes, depois de apreciar as provas, dar a cada um o que é seu.
De acordo com Aury Lopes (2014, p. 254):
É lugar-comum na doutrina a afirmação genérica e infundada de que não existe direito de defesa e contraditório no inquérito policial. Está errada a afirmação, pecando por reducionismo. Basta citar a possibilidade de o indiciado exercer no interrogatório policial sua autodefesa positiva, dando sua versão aos fatos, ou negativa, usando seu direito de silêncio. Também poderá fazer-se acompanhar de advogado (defesa técnica) que poderá agora intervir no final do interrogatório. Poderá, ainda, postular diligências e juntar documentos (art. 14 do CPP). Por fim, poderá exercer a defesa exógena, através do habeas corpus e do mandado de segurança. Então, não existe direito de defesa? Claro que sim. E o contraditório? Veremos na continuação. O verdadeiro problema nasce daqui. Existe, é exigível, mas sua eficácia é insuficiente e deve ser potencializada. É uma potencialização por exigência constitucional.
Diante do exposto, percebe-se que na investigação policial imperioso se torna o respeito garantias constitucionais. Desse modo, o juiz de instrução e garantias terá o dever constitucional de assegurar aos investigados a mais ampla participação na coleta e identificação das fontes de provas, a fim de que nessa fase também se produzam provas, além das espécies já previstas no Art. 155, caput do CPP, e não apenas elementos de informação.
3.2 Produção da prova na fase pré-processual
Com relação à produção da prova, o Código de Processo Penal prevê procedimentos que devem ser observados tanto na fase processual, quanto na pré-processual. O legislador pátrio não criou dispositivos diversos. O procedimento referente à prova testemunhal, por exemplo, desde que respeitado o contraditório e a ampla defesa, entende-se perfeitamente aplicável na fase investigativa.
Em relação à prova pericial, José Boanerges Meira (2009, p. 189), em brilhante tese de doutorado sobre o Inquérito Policial, citando Antônio Scarence Fernandes, informa que importantíssima prova pericial do processo penal é a produzida pelo exame de corpo de delito, ou seja, quase sempre produzida ainda na fase pré-processual, devido à limitação temporal das marcas e vestígios.
Igualmente, o procedimento da prova documental é outro meio de prova possível ainda na fase investigativa, visto que, no campo processual, a palavra documentos, no sentido estrito, conforme José Boanerges Meira (2009, p. 190), significa todos os sinais gráficos apostos no papel provenientes da mente humana, que possa demonstrar a existência de determinado fato probando. O artigo 231 do Código de Processo Penal prevê a apresentação desses documentos em qualquer fase do processo. E por que não poderia haver sua apresentação (e valoração como prova, desde que respeitado o contraditório), também na fase pré-processual?
Outro ponto a evoluir, na fase de investigação preliminar, é adoção do sistema acusatório, no qual se tem bem delimitado as funções de acusação, julgamento e defesa. José Boanerges Meira (2009, p. 66) sugere a busca por um modelo democrático de processo, incompatível com a prática de investigação criminal sigilosa. Resquícios da inquisitoriedade devem ser abominados de nosso sistema processual. Trata-se de retrocessos, verdadeiros empecilhos à evolução da Ciência Processual. A inquisitoriedade viola as garantias constitucionais e a dignidade da pessoa humana.
Portanto, percebe-se que com um procedimento extra judicio orientado pelo devido processo legal e observando o sistema acusatório em sua inteireza, tornar-se-á possível alcançar, já na fase pré-processual, um juízo de certeza mais robusto, quiçá, suficiente para amparar um provimento judicial. Para tal, o juiz de instrução e garantias, fomentador dos direitos e liberdades constitucionais do suposto acusado da prática de um delito, deverá assegurar a participação da defesa técnica em toda a persecução penal.
3.3 As tendências do projeto do novo código de processo penal
Ao se debruçar sobre o projeto de lei 8.045/2010, que visa reformar o processo penal brasileiro, nota-se, tanto em relação à fase de investigação policial preliminar, quanto à fase processual da persecução penal, que não haverá mudanças substanciais no que tange aos procedimentos. O mencionado projeto prevê a criação de um juízo de garantias, responsável pela legalidade das investigações criminais e pela salvaguarda dos direitos individuais do investigado.
Competirá a esse juízo, dentre outras atribuições, conforme o disposto no artigo 14 do projeto: o recebimento da comunicação imediata de qualquer prisão; o recebimento, em até 24 horas, dos autos de prisão em flagrante; ser informado da abertura de qualquer investigação criminal; decidir sobre o pedido de prisão provisória ou outra medida cautelar, assim como julgar habeas corpus impetrado antes do recebimento da denúncia.
Assim sendo, percebe-se que as competências judiciais serão redistribuídas entre o juiz das garantias, a ser designado pelas normas de organização judiciária da União, Estados e Distrito Federal, conforme previsto no artigo 17 do projeto, e entre o juiz de direito, sobre o qual permanecerá a incumbência de conduzir a instrução processual e o julgamento, zelando pela legalidade do processo e mantendo a ordem no curso dos respectivos atos, de acordo com o que dispõe o artigo 52.
As atribuições dos delegados de polícia permanecerão basicamente as mesmas, exercendo os encargos da polícia judiciária, bem como presidindo o inquérito policial, segundo o que dispõe os artigos 18 e 19, respectivamente. A ação processual, em regra, permanecerá a cargo do Órgão Ministerial, a quem incumbirá zelar, em qualquer instância e em todas as fases da persecução penal, conforme o artigo 57, pela defesa da ordem jurídica e pela correta aplicação da lei.
Conclui-se, pois, que embora não estejam previstas mudanças substanciais referentes à investigação preliminar no projeto de lei 8.045/2010, a criação do juizado de instrução e garantias é uma tendência, o que reabrirá, a nosso entender, a discussão quanto à necessidade de judicialização do inquérito.
Além do mais, atualmente, não há divergências doutrinárias quanto à natureza acusatória do processo judicial. Criando-se um juízo de instrução e garantias, de modo a possibilitar uma maior fiscalização das atividades de investigação pelo órgão jurisdicional, torna-se propício um sistema acusatório também nesta fase preliminar.
Caso haja desvios de função, haverá o juízo das garantias para controlar as irregularidades, assegurando a legalidade dos inquéritos judicializados. Há que se aplicar, na persecução penal como um todo, os princípios constitucionais, com vistas a implementação do que José de Oliveira Baracho (1984, p.125-126) denominou de Direito Processual Constitucional. Quem ganha é a ciência processual e o processo.
3.4. A proposta de Emenda a Constituição 89/2015
A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) número 89/2015, que se encontra apensada à PEC 430/2009, aguardando deliberação na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados, visa alterar a Constituição Federal para dispor sobre a reforma do sistema de persecução penal.
Em suas justificativas, o Deputado Hugo Leal demonstra preocupação com a ineficiência dos procedimentos de investigação criminal e com o julgamento das ações penais, considerados excessivamente morosos e praticamente operando como etapas sobrepostas e repetitivas.
A proposta traz ainda, em suas justificativas, entrevista concedida pelo presidente do Tribunal de Justiça do estado de São Paulo, o desembargador José Renato Nalini, ao jornal O Estado de São Paulo. Segundo informa Fausto Macedo e Ricardo Chapola (2015)[7] ao ser questionado se a morosidade seria causa de impunidade, o desembargador disse, verbis:
A gente tem um modelo ultrapassado de justiça criminal. Veja a França, que tem uma carreira só. Ali, o que seria o nosso delegado, eles chamam lá de petit judge, é o sujeito que faz o inquérito. O inquérito já é processo, já tem contraditório. Terminou o inquérito, outro juiz sentencia. Aqui, nós fazemos o inquérito no papel, depois de não sei quanto tempo, se esse inquérito virar ação penal, você vai intimar testemunha, que dois anos atrás, não sei quando, ela viu o fato. Aí chega lá, conforme o juiz, ele diz assim. Eu estou lendo que a senhora falou no inquérito, então preste bem atenção no que a senhora vai falar. Porque se não coincidir quero saber se a senhora mentiu lá ou está mentindo aqui. Veja o Carandiru. 23 anos! As pessoas não são mais as mesmas. A gente precisaria transformar o delegado no petit judge francês, no juiz de instrução. Termina o inquérito, que já é contraditório, porque o advogado acompanha. Terminaria o inquérito, promotor edita a denúncia e já foi. A prova já está ali, colhida. O juiz já sentencia, já ganharia um tempo. A sensação de impunidade é pela nossa burocracia. Você mexer nas estruturas, no corporativismo, na inércia que é uma lei muito grande, é difícil mudar.
Em outra oportunidade, em entrevista concedida ao sítio eletrônico Conjur[8], segundo informa Maurício Cardoso (2015)[9], o Dr. José Renato Nalini disse o seguinte:
Uma solução é transformar a polícia judiciária no juizado de instrução, como existe na França – o inquérito já é uma peça judicial, e o delegado seria o que eles chamam de petit judge, o pequeno juiz, que é o juiz de instrução. Mas aí já tem o Ministério Público e o advogado trabalhando ao lado. Quando termina o inquérito, ele já vai para o juiz decidir, não repete. Porque hoje é uma irracionalidade, uma coisa insana. Eu fui juiz criminal e há 30 anos eu já via o desperdício, a coisa totalmente irracional que é o inquérito policial. Se a oitiva na polícia já valesse como prova, já observasse o contraditório, era só encaminhar o inquérito para o juiz e pronto. Se o promotor denunciou, já vai para o juiz e é só sentenciar, porque a prova já foi feita. A Justiça ganha, você valoriza o delegado e dá uma função para o inquérito.”
Contudo, nota-se também nessa proposta um interesse em reformular a persecução penal brasileira a partir da criação de um juizado de instrução e garantias, adequando-a as exigências constitucionais. Percebe-se também, pelo relato do desembargador Nalini, que o inquérito judicializado, no direito francês, evita repetições na esfera judicial e condenações extemporâneas, como no caso do Carandiru, citado também pela autoridade, que, após 23 anos da ocorrência do fato, ainda se discute a causa em juízo. Ele cita o desperdício do inquérito quando não produzido em contraditório e finaliza defendendo a possibilidade do envio da demanda ao juiz de direito já em condições de ser julgada, caso a prova seja produzida na fase pré-processual.