O Conselho Nacional de Justiça editou o Provimento nº 63 de 14/11/2017, que regulamenta em seus Arts. 10 a 15 o reconhecimento voluntário da paternidade ou da maternidade socioafetiva de pessoa de qualquer idade perante os oficiais de registro civil das pessoas naturais.
Agora, a partir do Provimento nº 63/2017 do CNJ qualquer pessoa alegando laços de afinidade e afetividade com determinada criança e adolescente poderá comparecer ao Cartório mais próximo e, de uma hora para outra, assumir a qualidade de pai ou mãe de determinado menor.
Num primeiro momento, o objetivo do Provimento nº 63/2017 do CNJ é nobre, promove a celeridade desses procedimentos de adoção socioafetiva, desafogando os Juizados da Infância e da Juventude do País.
Acontece que quem milita no dia-a-dia desses Juizados e nas Varas de Família sabe muito bem que o desejo da assunção dos encargos e deveres de pai, através dos procedimentos judiciais, nem sempre atende aos interesses da criança. Aliás, uma considerável quantidade de feitos é desacolhida pelo Poder Judiciário, pela inaptidão do interessado.
Nem tudo são flores nessa seara da paternidade socioafetiva. Muitas pretensões de adoção não resistem a um primeiro relatório psicossocial levado a efeito pela Justiça.
Muitos autores dessas ações judiciais abandonam o processo sem deixar o paradeiro, há muitos casos de mero interesse patrimonial em benefício previdenciário percebido pelo menor, interesse sexual pelo adotando, entre outras mazelas que poderiam ser discorridas na forma de uma enciclopédia.
Mas há outros muitos espinhos. Muitos relatórios psicossociais da Justiça revelam por parte do interessado na adoção o uso de grandes quantidades de substâncias entorpecentes e uso imoderado de álcool, envolvimento em atividades criminosas, prática reiterada de violência doméstica dentro do lar, desequilíbrio mental desacompanhado de tratamento etc.
Tudo isso, até a edição do Provimento nº 63/2017 do CNJ, passava pelo controle firme e rigoroso do Poder Judiciário, com a intervenção obrigatória do Ministério Público em todas as fases do processo. Era um procedimento em que ao final restaria garantido e atendido o melhor interesse da criança ou do adolescente.
A partir do Provimento nº 63/2017 do CNJ, como dito, qualquer pessoa alegando laços de afinidade e afetividade com determinada criança ou adolescente poderá comparecer ao Cartório mais próximo e de uma hora para a outra assumir a qualidade de pai ou mãe de determinado menor.
A atividade jurisdicional, o ofício fiscalizador ministerial e a avaliação psicossocial do caso passaram para as mãos de cada indivíduo isoladamente. Basta alegar “eu amo demais esse menino” no Cartório.
Interessante também dizer que nos casos de ruptura do casamento ou dissolução da união estável o primeiro argumento utilizado pelo devedor de pensão alimentícia é que teria feito a adoção do filho menor pressionado sentimentalmente pela ex-mulher. Argumentam esses devedores, muitas vezes, que em cinco, dez ou quinze anos não construíram uma relação sólida de socioafetividade com a criança, mesmo morando dentro do mesmo lar (!).
Ora, a inconstitucionalidade formal do Provimento nº 63/2017 do CNJ é latente, evidente mesmo. Somente a União Federal, leia-se, o Congresso Nacional, através de suas duas casas legislativas, com suas Comissões especializadas e a participação popular, podem legislar sobre Direito Civil, Direito de Família e Registros Públicos.
Somente lei ordinária federal, resguardando os interesses da criança e do adolescente podem regulamentar a questão do reconhecimento voluntário da paternidade ou da maternidade socioafetiva da pessoa humana, que, sabe-se muito bem, em última análise, é uma verdadeira adoção irretratável e irrevogável.
Lei federal que poderá, sim, estabelecer o procedimento extrajudicial de adoção, nos casos de socioafetividade, resguardando os interesses da criança, exigindo a elaboração de estudo psicossocial e participação do Ministério Público.
Enfim, o Provimento nº 63/2017 do CNJ poderá acarretar uma grande quantidade de adoções extrajudiciais que não resistirão ao tempo, feitas açodadamente por interessados, sem nenhuma reflexão nas consequências do ato com relação à criança.