Recentemente, no canal alternativo de mídia Duplo Expresso, o constitucionalista Luiz Moreira concedeu uma das mais lúcidas entrevistas já concedidas por um jurista brasileiro, desde o início da trama que resultou na destituição da presidenta Dilma Rousseff do cargo para o qual fora democraticamente eleita. Questionado sobre se a sociedade deveria abarrotar o STF de habeas corpus em favor da liberdade do presidente Lula, para constranger, pelo menos psicologicamente, os membros da Corte (sugestão de outro jurista nacional), o professor cearense radicado em Minas Gerais saiu-se com a seguinte resposta: impetrem-se um, cem ou milhares de habeas corpus, insistam-se em saídas jurídicas tratando o STF como uma instituição ingênua e nada se conseguirá. O caminho para a libertação do presidente e sua eventual candidatura a novo mandato não é jurídico, é político. Direito já há demais na presente conjuntura. Não foi outro mecanismo, senão o Direito, que conduziu o presidente Lula ao injusto encarceramento. O STF sempre esteve consciente das implicações do julgamento de seu habeas corpus. A ministra Rosa Weber, ao mudar entendimento em voto alegando colegialidade existente para não conceder o remédio requisitado, sabia que o resultado da decisão resultaria em prisão e eventual embaraço de uma candidatura presidencial legítima. A Suprema Corte endossou um impeachment juridicamente injustificável sabendo que a operação em curso tratava-se de uma chantagem pessoal, imoral, oriunda de abutres da política brasileira. Preferiu destituir a presidenta Dilma, golpeando a democracia da República, do que honrar seu papel de guardião da constitucionalidade e da legalidade.
Os juristas brasileiros do campo progressista “precisam deixar de ter preguiça” e definitivamente colocar suas titulações a serviço do povo. Não é possível que apresentem como solução para a crise sistêmica (que está para além da prisão do presidente Lula) recurso ao STF, sabendo que foi o STF que, associado a todo tipo de lesa-pátria nacional, instaurou a crise. A saída do imbróglio depende necessariamente de uma ressignificação do valor do soberano do poder estatal, ou seja, do valor do povo no Estado brasileiro. Se o povo é o detentor do poder a ele cabe estar à frente de qualquer transformação social e política no país. O que se tem visto no Brasil, nos últimos anos, é uma autoentronização do Judiciário, arrazoada na mitificação de si como redentor da ética nacional, para, ancorada na superposição sobre os demais poderes, granjear a realização dos propósitos de governança de sua casta aristocrática.
Para o professor Luiz Moreira, é justamente no sentido contrário que se precisa caminhar. Para a ressignificação do valor do povo é fundamental que se reequilibrem os poderes, a partir de um processo de empoderamento popular conjugado proporcionalmente à desconstrução da hipertrofia judiciária. A ideia tem como base um princípio comum adotado em várias nações, inclusive nos EUA, de que para bem governar é preciso dividir. Por exemplo: não por que a polícia federal ser apenas uma se pode ser desdobrada em várias outras polícias especiais e temáticas; não há por que o procurador geral da república ser escolhido dentro do ministério público federal, se ele pode representar todo o coletivo do ministério público federal e estaduais do país. Por que razão suscitavam-se tantas suspeitas de vazamento de informações para grande mídia durante a gestão do procurador Rodrigo Janot, agora nada mais havendo? Será que a PGR não agiu outrora por interesses pessoais?; Urge que tribunais de contas sejam reduzidos em suas competências normativas retornando ao papel de auxiliares dos poderes legislativos de União e unidades federativas; Da mesma maneira, o Tribunal Superior Eleitoral não deve legislar sobre eleições, precisa limitar-se à função judiciária. Ao seu lado, que seja um criado um Conselho Nacional Eleitoral, de natureza político-social, para normalizar, com justificada legitimidade, processos eleitorais; O Conselho Nacional de Justiça e o Conselho Nacional do Ministério Público devem ser reconfigurados amplamente para perderem os perfis corporativos. A ambos deve incumbir não apenas o controle administrativo de Judiciário e Ministério Público, mas o controle financeiro sobre suas gestões, materializando-se um “controle social sobre os governos” do Judiciário e do Ministério Público, sugestão, há décadas, apresentada pelo saudoso jurista cearense, José de Albuquerque Rocha.
Em síntese, as alternativas recomendadas pelo jurista Luiz Moreira visando radicalizar a democracia com instituição de menos Direito e mais povo exsurgem no momento cinzento do país como uma luz no fim do túnel. A consciência de que é tarefa dos juristas progressistas o Direito a serviço do povo brasileiro, e, não, ao contrário, motiva e dá esperança de ser ainda possível tratar o Direito como instrumento presumidamente importante à realização da Justiça. Brilhante!