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O estado de coisas inconstitucional no contexto da crise carcerária brasileira

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20/04/2019 às 15:10
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O reconhecimento do estado de coisas inconstitucional, segundo seus defensores, enseja participação inovadora dos órgãos judiciais, embora sua efetivação ainda gere muitas críticas. Conheça a ADPF 347, por meio da qual o STF reconhece um cenário de crise.

Resumo: O presente trabalho tem o objetivo de promover à análise das teorias acerca do “estado de coisas inconstitucional” (ECI) e sua capacidade no tocante à promoção e proteção dos direitos humanos e à observação da Constituição Federal de 1988, com foco especial na questão do desrespeito a esses mesmos direitos no contexto do sistema prisional do Brasil. Este, como se refere corriqueiramente, enfrenta uma crise que mina seus objetivos e preocupa pelos seus resultados. Diante disso, e após analisar as referidas teorias, pretende-se propor perguntas, que remontam às maiores críticas referentes à técnica: seria o Estado de Coisas Inconstitucional e suas consequências conforme apresentado por seus defensores efetivamente uma afronta à separação dos poderes, consagrada fundamentalmente na Constituição, bem como à legitimidade democrática dos poderes cujos atores são eleitos para a proposição e desenvolvimento de políticas públicas?

Palavras-chave: Direito Constitucional. Crise do sistema carcerário. Estado de coisas Inconstitucional. Ativismo judicial.


INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem o objetivo de promover a análise das teorias acerca do “estado de coisas inconstitucional” (ECI) e sua capacidade no tocante à promoção e proteção dos direitos humanos e à observação da Constituição Federal de 1988, com foco especial na questão do desrespeito a esses mesmos direitos no contexto do sistema prisional do Brasil. Este, como se refere corriqueiramente, enfrenta uma crise que mina seus objetivos e preocupa pelos seus resultados.

Introdutoriamente, será realizada breve contextualização da situação de crise que se perpassa no sistema carcerário brasileiro, marcada pelo desrespeito aos direitos fundamentais dos detentos e por sua incapacidade, comprovada e muito debatida, de ressocializar infratores, sabidamente um de seus principais objetivos.

Após, buscará enfatizar os aspectos relativos às condutas omissivas e comissivas da Administração Pública, bem como do Poder Legislativo, no tocante à realização de políticas públicas que contribuam para a melhoria do quadro apresentado.

Também tratará das teorias acerca do Estado de Coisas Inconstitucional (ECI), conceito primeiramente apresentado pela Suprema Corte Colombiana, e por ela algumas vezes reiterado, apontando suas principais críticas positivas e negativas, conforme apresentado na doutrina e jurisprudência.

Num terceiro momento, o foco se destinará à decisão do Supremo Tribunal Federal no teor da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 347, julgada liminarmente no ano de 2015, que trouxe o debate acerca do ECI para a realidade brasileira, ao reconhecer sua ocorrência no sistema prisional do País.

Por fim, traz-se à baila o acerto ou erro da decisão em comento, no que tange ao avanço às últimas consequências da assunção do ECI, que não ocorreu, em virtude, preponderantemente, do respeito à separação das competências de cada um dos poderes da República.

No estudo a ser feito procurar-se-á verificar se a proposta de intervenção pugnada pelos juristas no que diz respeito ao ECI é deveras aplicável ou se fere o princípio da separação dos poderes, ressaltando um ativismo judicial desenfreado, ou se fortifica a harmonia entre os mesmos, revelando propostas para sua atuação interdependente na busca de uma solução para a eminente crise.

Para o estudo do tema, pretende-se desenvolver uma pesquisa de cunho bibliográfico, com análise doutrinária e jurisprudencial, bem como estudo de dispositivos legais, destacando-se dispositivos da Constituição Federal de 1988.

A Constituição Federal de 88 positivou princípios relativos a todas as pessoas, brasileiros e estrangeiros, livres ou presos. Dentre esses, alguns são tidos como fundamentais, seja à busca por qualidade de vida ou mesmo à vida, importando seu respeito e sendo evitado, das maneiras que se apresentarem possíveis, seu desrespeito.

As pessoas que, por descumprirem a lei penal, se encontrem em regime de privação de liberdade também são objeto de proteção desses princípios, que são também positivados no contexto internacional e cobrados do Estado brasileiro como um todo. A situação vexatória em que se encontram os presídios e outros estabelecimentos prisionais do País, para além das condições de suas instalações físicas, revela uma ação (ou omissão) por parte da Administração Pública que se mostra de toda maneira inadequada à persecução de seus fins.

Em verdade, além de visar à punição de quem comete o delito penal, as medidas sancionatórias previstas em lei também pugnam por sua reinserção na sociedade, integrando o arcabouço estatal para alcançar esse desiderato. No entanto, a violação de direitos fundamentais, conforme se observa frequentemente por meio de notícias e análises de especialistas e leigos no sistema prisional, se mostra como obstáculo forte à busca do fim pelo Estado.

Nesse contexto, surgem tentativas, propostas e estudos para superar o problema, entre eles o relativo ao Estado de Coisas Inconstitucional e os meios aliados a ele, todos no seio do julgamento liminar da ADPF nº 347 e do debate entre juristas anterior e consequente. O resultado do mesmo julgamento reforça a ideia da importância do sua discussão e de sua viabilização no Brasil.

O primeiro problema surgido seria, portanto: seria o Estado de Coisas Inconstitucional e suas consequências conforme apresentado por seus defensores efetivamente uma afronta à separação dos poderes, consagrada fundamentalmente na Constituição, bem como à legitimidade democrática dos poderes cujos atores são eleitos para a proposição e desenvolvimento de políticas públicas?

Seria o diálogo apregoado entre os Poderes da República e o monitoramento resultante da aplicação da técnica do ECI uma tentativa viável em termos de legislação brasileira e aplicável no contexto da crise carcerária, ou apenas outra forma de ativismo, com consequências que se podem mostrar atentatórias à segurança das instituições, desencadeando uma supremacia judicial?


A CRISE NO SISTEMA CARCERÁRIO

A situação do sistema prisional brasileiro demonstra, como asseverado pelo Supremo Tribunal Federal, verdadeiro estado de coisas inconstitucional. O desrespeito aos direitos fundamentais se mostrou ainda mais evidente diante de casos recentes que trouxeram novamente à tona a discussão acerca de sua crise.

O último relatório divulgado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) apresentando os dados referentes à população carcerária do Brasil revelou um déficit de 206.307 vagas no sistema prisional, além de denunciar que 41% dos presos estão detidos de forma provisória.

Os números são preocupantes, em especial quando são associados às notícias de violações de direitos humanos no ambiente das prisões. Aos casos de tortura, estupro, preconceito e problemas sanitários somam-se outros como a corrupção, o tráfico, as facções rivais e os homicídios.

O ano de 2017 já é marcado por episódios de violência nas prisões, evidenciada na luta entre facções rivais em estados como Amazonas e Roraima, e que resultaram em pelo menos 126 mortos computando-se somente o mês de janeiro. Tanto já ocorreu que o país foi denunciado por organizações de direitos humanos nacionais e internacionais perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (CIDH).

A superlotação é um dos fatores-chave no dilema do sistema carcerário, vindo a ocupar as agendas de discussão dos órgãos responsáveis pela sua solução. Para tanto, surgem novas orientações a respeito das prisões provisórias, buscando-se evita-las sempre que possível e agilizando o andamento do processo, estipulando e cobrando prazos para a realização das audiências de custódia, por exemplo, e afirmando o caráter de excepcionalidade da prisão preventiva, fatores que constam já na legislação processual penal.

A população carcerária brasileira aumentou em 85% entre 2004 a 2014. Aumento de tamanha proporção não ocorre no que tange ao número de agentes penitenciários, que deveria ser de um para cada cinco presos, como foi definido em 2009 pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, pois tal resolução é descumprida na maioria dos estados do país, conforme apresenta a organização não governamental Human Rights Watch em Relatório Mundial.2

Aponta o grupo ainda que:

“Um fator chave para o drástico aumento da população carcerária no Brasil foi a lei de drogas de 2006, que aumentou as penas para traficantes. Embora a lei tenha substituído a pena de prisão para usuários de drogas por medidas alternativas como o serviço comunitário – o que deveria ter reduzido a população carcerária –, sua linguagem vaga possibilita que usuários sejam processados como traficantes. Em 2005, 9 por cento dos presos haviam sido detidos por crimes associados às drogas. Em 2014, eram 28 por cento, e, entre as mulheres, 64 por cento, de acordo com os últimos dados disponíveis.”3

Apesar disso, a lei de Execução Penal apresenta em seu primeiro artigo o seu objetivo:

“Art 1º- Execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado.”4

As penas de prisão, pois, além de proporcionar a retribuição ao infrator por sua conduta delitiva, devem dar condições para que ele seja reintegrado à sociedade.5 Esta reabilitação, entretanto, encontra forte empecilho para se efetivar, diante das condições que os presos enfrentam na prisão. O meio do cárcere reproduz, segundo MIRABETE, o cosmo exterior, agravando suas contradições, servindo como instrumento para a manutenção da “estrutura social de dominação”.6 A reincidência é indicador da ineficiência desse sistema e, segundo dados do CNJ, atinge o índice de 70% dos presos no país.

Os direitos dos presos são assegurados pela Constituição7 e pela Lei de Execução Penal, sendo as limitações aos direitos daqueles restritas apenas à sentença e à lei, conforme assegura o artigo 3º deste dispositivo. Resta que a lei seja, de fato, posta em prática.

Desta forma, revela-se imprescindível que se discuta também a respeito de todos os meios acessíveis, a curto e longo prazo, mas efetivos, de solução para a gama de problemas que se delineiam, discussão que não pode deixar de fora o papel do Poder Judiciário e do próprio Supremo Tribunal Federal, enquanto garantidor do respeito à Constituição Federal para alcançar os resultados almejados.

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O que se percebe, diante da situação vivenciada, é uma ofensa generalizada nas prisões do Brasil aos direitos assegurados pela Carta Fundamental e pela legislação processual penal, apesar de seu caráter fundamental. Tudo isso demonstra que as ações empregadas pelo Poder Público não têm sido suficientes para a garantia do mínimo a quem cumpre pena.

Conforme se observa, ademais, diante de declarações como de Maria Lucia Karam, mesmo as ações deste Poder Público podem servir para piorar a situação, pois o número impressionante de presos aguardando julgamento em muito se deve ao expansionismo do poder punitivo vinculado à política de “guerra às drogas”. 8Daniel Sarmento aponta ainda que

“há abusos generalizados na decretação destas prisões, e injustificável timidez no emprego de medidas cautelares alternativas. A extrapolação desta estatística sugere que temos cerca de 90.000 presos provisórios cuja prisão não se justifica, pois serão ao final absolvidos ou condenados a penas alternativas.”9

Tudo isso levou o autor a concluir que esta é a questão de direitos humanos mais grave do Brasil contemporâneo. O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Celso de Mello, já destacou o “descaso, negligência e total indiferença do Estado” em relação ao vivenciado nas penitenciárias brasileiras, também afirmando que “a pessoa sentenciada acaba por sofrer penas sequer previstas pelo Código Penal, que a nossa ordem jurídica repudia”.10

Diante disso, muito se espera em relação à atuação do Estado para a superação dessa situação vexatória. Contudo, muitas vezes a preocupação dos políticos em geral, responsáveis pelo desenvolvimento de políticas públicas, não se amolda a esse desiderato. Na verdade, esses agentes não veem, em sua maioria, o problema do sistema carcerário como prioridade, muito por conta da falta de popularidade que as medidas em prol do sistema acarretariam. As mesmas não deixam de ter pouco atrativo eleitoral, formando verdadeiros “bloqueios político-deliberativos”, de forma que, ao jurista Carlos Alexandre de Azevedo Campos, “[q]uando isso ocorre, a intervenção do Supremo acaba sendo uma necessidade sistêmica.”11


O ESTADO DAS COISAS INCONSTITUCIONAL, UMA TEORIA CONSTRUÍDA NA COLÔMBIA

Uma definição geral do ECI

A teoria do estado de coisas inconstitucional nasceu e foi desenvolvida até atingir seu ápice na Corte Constitucional Colombiana.

Diante de situações peculiares de omissão estatal e violação massiva de direitos humanos ocorridas em situações diversas neste país, a corte suprema passou a adotar uma técnica, que desenvolveu ao logo do tempo e caso a caso, mas que hoje se caracteriza por pressupostos bem definidos e é, inclusive, exportada e utilizada, mutatis mutandis, por outras cortes de outros países. O ECI tem origem nos structural remedies dos Estados Unidos, em especial a sentença de Marbury vs.Madison; diante da omissão dos grupos responsáveis pela inclusão dos negros nas escolas do Sul dos EUA, a Suprema Corte norte americana adotou uma posição ativista que buscava direcionar as políticas públicas a serem implantadas e controlar mais firmemente essa aplicação.

Tal atitude foi tomada diante da flagrante omissão dos órgãos e entidades responsáveis pela aplicação da lei igual para todos, de forma massiva e caracterizada por uma falha estrutural, ou seja, por uma omissão generalizada por parte do poder público, necessitando a sentença emanada pela corte (dita sentença estrutural) ser dirigida a um grupo diverso de órgãos.

No mesmo sentido o fez a Corte Colombiana, primeiramente em processo que envolveu direitos previdenciários e de saúde de professores municipais, vindo a envolver então várias temáticas e grupos, apesar de não ser a única movimentação ativista da Corte na história. Segundo aponta YEPES

“A Corte tem sido bastante ativista, principalmente em dois campos de ação: o controle das práticas políticas e das ações dos Poderes Executivo e Legislativo, e a prática dos direitos fundamentais, sociais e econômicos.”12

Segundo a Constituição Colombiana de 1991, a corte constitucional detêm amplos poderes, em especial, para cumprir a missão de “guarda da integridade e supremacia da Constituição” (artigo 241). O acesso a esta corte, com vistas a esse fim é, inclusive, facilitado por instrumentos como as acciones de tutela, por meio das quais os cidadãos podem ingressar diretamente com pedidos almejando a defesa de direitos constitucionais. Tal prerrogativa tornam as questões em que a violação de direitos é generalizada uma presença constante na corte, o que também contribuiu para desencadear a formulação da técnica do ECI.

Contudo, o caso mais importante de violação massiva de direitos fundamentais, e que ensejou uma sentença estrutural foi o relativo à população deslocada em razão da violência no país.13 O caso definiu os pressupostos do que hoje é tido como ECI, após a sua declaração e desenvolvimento ao longo dos anos.

O ECI passou a ser, então, a técnica adotada para a superação de uma situação de violação massiva de direitos fundamentais, atingindo grande número de pessoas, em que se visualiza uma falha estrutural, corrigida somente por uma sentença estrutural, e que se tornou ou pode tornar objeto de demanda frequente entre as pessoas atingidas face o poder Judiciário.

Segundo a doutrina defensora do conceito no Brasil, o estado de coisas inconstitucional (ECI) deve ser admitido pela corte constitucional quando esta:

“[...] afirma existir quadro insuportável de violação massiva de direitos fundamentais, decorrente de atos comissivos e omissivos praticados por diferentes autoridades públicas, agravado pela inércia continuada dessas mesmas autoridades, de modo que apenas transformações estruturais da atuação do Poder Público podem modificar a situação inconstitucional.”14

Aponta também que

“Ante a gravidade excepcional do quadro, a corte se afirma legitimada a interferir na formulação e implementação de políticas públicas e em alocações de recursos orçamentários e a coordenar as medidas concretas necessárias para superação do estado de inconstitucionalidades.”15

Essa interferência na formulação e implementação de políticas públicas se afigura como o principal diferencial da teoria, juntamente com a disposição que afirma ter a corte constitucional o dever de coordenar as medidas adotadas de forma a proporcionar a superação da inconstitucionalidade. Segundo seus defensores, em especial o jurista Carlos Alexandre de Azevedo Campos, o diálogo a ser realizado entre os Poderes permitiria a saída da inércia em que se encontrava o Poder Executivo para então se proporcionar uma ação conjunta, viabilizando a interação harmônica entre os mesmos para atingir o objetivo comum: a superação da crise enfrentada.

Tal definição aponta outro elemento importante na técnica do ECI: o monitoramento a ser efetuado pela corte constitucional sobre a aplicação da sentença estrutural, atrelado ao diálogo com os órgãos e entidades (diálogo institucional), bem como com os agentes políticos, a fim de que seja dado o direcionamento adequado a cada situação no processo de superação da situação de inconstitucionalidade.

O autor César Roberto Garavito, expoente na pesquisa sobre o tema do ECI na Colômbia, apontou o despontamento de um “neoconstitucionalismo progressista”, que vai além da defesa de direitos fundamentais e do Estado Democrático de Direito pelas vias tradicionais, apostando na solução de casos ditos “estruturais”. Segundo se apresenta, as cortes são instância adequada para proporcionar o “desestancamento” do Estado e promover a proteção de direitos, não devendo prosperar argumentos que retiram a legitimidade das cortes para tanto.

Para legitimar a atuação das cortes nos casos estruturais, entretanto, o autor se vale de uma análise das democracias que ele aponta como “realmente existentes”, se referindo àquelas, especial dos países do Sul, em que a promoção de certos direitos pelo Estado precisa passar por esse “desestancamento”. A fim disso, assevera que o ativismo que deve ser o empregado nos casos de ECI é o dito estrutural dialógico, ou seja, não é qualquer atuação ativista das cortes constitucionais que se mostra eficiente e legítima nessas democracias, mas uma atuação voltada à cooperação com os órgãos e entidades ineficientes do governo e demais poderes, de forma a evitar algo como uma corte dotada de poderes que não se podem controlar. 16

Ou seja, o ativismo estrutural dialógico, conforme apontam seus defensores na Colômbia e no Brasil, retira sua legitimidade da omissão por parte do Estado, verificada em especial nos países ora ditos subdesenvolvidos, bem como da adoção de uma técnica própria e de uso extraordinário.

Da análise dos casos concretos pela corte constitucional do país deve-se, conforme defendem esses teóricos, ser apontado o ECI e desenvolvida uma postura ativista em prol da superação do mesmo.

A Sentencia T-025

Uma melhor definição do que é o ECI passa pela análise do caso que melhor representa a evolução da técnica: o do deslocamento forçado de mais de três milhões de pessoas em razão da violência na Colômbia. O deslocamento se deu em razão da ameaça à vida e integridade física das famílias por grupos como as FARC, que geram desordem pública, violência generalizada e violações massivas de direitos humanos.

Apesar disso, conforme aponta GARAVITO,

“Hasta mediados de los noventa, la gravedad y magnitud del desplazamiento forzado contrastaban con la posición política de los gobiernos –que atribuían el problema a razones exclusivamente económicas o a desastres naturales–, sin reconocer la contribución del conflicto en este fenómeno.”17

GARAVITO apresenta que, de fato, existiam grupos dedicados ao auxílio da população deslocada, mesmo do governo, entretanto, os mesmos não eram suficientemente coordenados para atender à crise humanitária. Apesar do início da problemática datar de 1946, o reconhecimento do governo de que a situação demandava uma proposta política e deveria ser integrado à agenda de políticas públicas veio apenas em 1995.18A partir daí, foram criadas entidades responsáveis pelo desenvolvimento de políticas visando à superação do problema, mas em razão de falta de comprometimento e de articulação comprometeu a empreitada. Foram também desenvolvidas leis e outros instrumentos com essa temática, mas que novamente esbarraram com a dificuldade prática.

Como o acesso à Corte Constitucional da Colômbia é facilitado, entretanto, mais de cem demandas, interpostas em 22 cidades por 1.150 famílias tiveram como reclame principal o dever de proteção pelo Estado dos direitos dessa população deslocada, e foi nessa oportunidade que, pela oitava vez em sua história, a Corte declarou o estado de coisas inconstitucional, asseverando que

“Por un lado, estableció que los desplazados estaban en condiciones de vulneralidad extrema, específicamente por sus graves condiciones de salud y falta de alimentación. Por el otro, que existía uma reiterada omisión de protección oportuna y efectiva por parte de las distintas autoridades encargadas de su atención.”19

Ademais, a Corte também destacou a importância da adoção de remédios não apenas em face daquelas pessoas que pleitearam as tutelas, mas também a favor de todas aquelas que também enfrentavam o mesmo problema.20 Por fim, na sentença, a Corte envolveu e notificou um grande número de autoridades estabelecendo políticas a serem adotadas, bem como estipulando um prazo para tanto.

Como exemplo cita-se o prazo de até 31 de março (a decisão fora tomada em janeiro) para o Conselho Nacional para a Atenção Integral à População Deslocada pela Violência, como apresenta CAMPOS,

“(i) apontar a situação precisa e atual da população deslocada inscrita em Sistema Único de Registro, descrevendo necessidades e direitos dessas pessoas segundo a etapa da política pública em andamento; (ii) fixar a dimensão do esforço orçamentário necessário para cumprir a política em andamento; (iii) delimitar os percentuais do esforço orçamentário que cabem a cada unidade da Federação; (iv) indicar o mecanismo de consecução desses recursos; (v) prever um plano de contingência para a hipótese de os recursos internos e de origem internacional não chegarem no tempo e valor ajustados”.21

Em sua totalidade a decisão é marcada por uma tentativa de colocar em movimento as autoridades responsáveis pelo desenvolvimento de políticas públicas, apontando a estas o caminho a se seguir. Os comandos utilizados para tanto são “comunicar”, “ordenar”, “determinar” e “prevenir”.

Dois pontos são importantes de destacar nesse momento, um dizendo respeito ao próprio teor da sentença, outro aos seus efeitos. Quanto ao teor da sentença, observa-se que, como apontam os defensores da técnica do ECI, as determinações dirigidas pela Corte às autoridades são de caráter bastante amplo, o que significa dizer que pretendem interferir minimamente na forma como essas autoridades colocarão em prática a determinação.

O outro ponto, correlato a este, é o de que, por serem estas sentenças de caráter aberto, coube à Corte um acompanhamento das autoridades na execução das determinações, também, como aponta CAMPOS, pela necessidade sentida por esta de corrigir as “falhas passadas de efetividade”, ocorridas nos outros casos que envolveram um ECI.22 GARAVITO também aponta este como um dos destaques dessa decisão, que o levou a classifica-la como “macrosentença”, e que foi a “ambição e duração do processo de implementação das ordens da decisão”.23

A Corte resolveu manter sua jurisdição a fim de monitorar a implementação de suas ordens, valendo-se de instrumentos como audiências públicas e “decisões de sequência” ou autos. O uso de tais instrumentos foi decisivo para modelar as medidas voltadas à superação do ECI. Em 2015, foi cogitada, inclusive, a possibilidade de se dar como efetivamente o estado de coisas inconstitucional.24

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Sobre o autor
Luís Eduardo Bomfim Lima

Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Piauí. Especialista em Direito do Trabalho e Previdenciário.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Luís Eduardo Bomfim. O estado de coisas inconstitucional no contexto da crise carcerária brasileira. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5771, 20 abr. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/67628. Acesso em: 21 nov. 2024.

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