CARTA AO MERCADO SEGURADOR
SUGESTÃO DE CRITÉRIOS PARA ACORDOS
Caríssimos,
Sabemos que todos os profissionais do mercado segurador estão sobrecarregados de atividades e não têm tempo para leituras de textos longos, acadêmicos. Por isso, tanto quanto possível, fizemos um modesto e sumário arrazoado, enxugando ao máximo seu conteúdo, e reclamamos a especial atenção dos amigos e colegas, porque o tema de fundo é realmente muito importante.
Agradecemos a honrosa atenção.
Sobre a não incidência da limitação de responsabilidade:
Desde a decisão de repercussão geral do Supremo Tribunal Federal (Recurso Extraordinário no 636331-RJ) reconhecendo a primazia da Convenção de Montreal sobre o Código de Proteção e Defesa do Consumidor, temos nos posicionado da seguinte forma:
1. Referida decisão se aplica aos casos de transportes aéreos internacionais de passageiros com extravios de bagagens, não, necessariamente aos de faltas ou avarias de cargas. A Convenção de Montreal é, sim, aplicável, mas não o inteiro teor da decisão, muito menos a limitação de responsabilidade.
2. A incidência da Convenção de Montreal nos casos de transportes aéreos internacionais de passageiros e de cargas não implica, necessariamente, a limitação de responsabilidade, isso porque só há que se falar no reconhecimento desta em casos de desastres, acidentes de navegação, sem culpa grave (conduta temerária), dos transportadores.
3. A despeito da questão do chamado frete “ad valorem”, a própria Convenção dispõe que a conduta temerária do transportador impede o benefício da limitação tarifada (ou limitação de responsabilidade), impondo-se-lhe o dever de reparar integralmente os prejuízos derivados dos danos de sua ineficiência operacional.
4. A norma da limitação de responsabilidade, independentemente da decisão de repercussão geral, é considerada anacrônica e contrária ao sistema legal brasileiro como um todo, sobretudo o princípio da reparação civil integral, insculpido na regra do art. 944 do Código Civil. Princípio, aliás, que também é constitucional, porque presente no rol exemplificativo dos direitos e garantias fundamentais do art. 5º, V, da Constituição Federal.
5. No caso de uma seguradora legalmente sub-rogada na pretensão original do segurado, dono da carga avariada ou extraviada pelo transportador, ainda mais sem sentido, é a eventual aplicação da limitação de responsabilidade – a par de quaisquer outras considerações – , pois o pagamento da indenização de seguro altera a dinâmica dos fatos e o próprio enquadramento jurídico da busca da reparação civil (ressarcimento em regresso), de tal modo que não há que se falar em qualquer outra coisa senão o império das regras da sub-rogação, notadamente o art. 786, do Código Civil, e a força do Enunciado de Súmula nº 188 do Supremo Tribunal Federal.
Pois bem! Com base em tais considerações, escrevemos cartas abertas aos Magistrados brasileiros e aos membros do mercado segurador e começamos a enfrentar os temas nos litígios sob nosso patrocínio.
Visitamos desembargadores nos casos concretos, apresentamos memoriais e sustentamos oralmente a não aplicação da limitação integral e o princípio da reparação civil integral, não mais questionada a Convenção de Montreal, porque inegavelmente incidente, mas sua correta aplicação quanto à questão da limitação de responsabilidade, bem como expondo que a decisão de repercussão geral em destaque não é cabível, ao menos em sua ontologia, aos casos todos de transportes aéreos internacionais.
Felizmente, temos colhido muitos êxitos. Como exposto em mensagens outras encaminhadas ao mercado segurador, conseguimos em nossas postulações reiteradas vitórias judiciais, especialmente no Tribunal de Justiça de São Paulo, que, nos casos ainda em curso ou nos já julgados, mas submetidos ao critério do juízo de retratação, não tem reconhecido a limitação de responsabilidade em favor dos transportadores aéreos causadores de danos nas cargas confiadas para transportes.
É bem verdade que existe uma decisão do Superior Tribunal de Justiça em sentido contrário ao que temos defendido, mas ela se deu em um contexto diferente do que ora é exposto e se fundamentou no antigo confronto entre a Convenção de Montreal e o Código de Proteção e Defesa do Consumidor, fonte legal que sequer invocamos mais, como advogados, nos casos sob nossos cuidados.
Nosso foco tem sido a correta inteligência da Convenção de Montreal, bem como o princípio da reparação integral e a especial condição jurídica de uma seguradora legalmente sub-rogada, quem defende não apenas seus legítimos direitos e interesses, mas os do colégio de segurados, por conta do princípio do mutualismo.
Acreditamos, com prudente segurança, que temos chances de prevalecer nos casos futuros na corte superior com base em toda essa linha de fundamentação.
Pretendemos, em agosto, visitar os Ministros do Superior Tribunal de Justiça para expor, em termos gerais, os entendimentos em destaque, reforçando argumentos que já se lhe foram entregues por meio de trabalhos escritos.
Outra coisa que aspiramos é encontrar um meio de rediscutir o selo de repercussão geral do Supremo Tribunal Federal no conteúdo da referida decisão, de tal modo que se lhe sejam feitos ajustes para ficar bem claro que a limitação de responsabilidade não tem cabimento em casos com a figura da culpa grave dos transportadores, especialmente nos transportes de cargas sem fretes “ad valorem”, já que os valores das cargas podem ser facilmente identificáveis por muitos documentos idôneos, destacadamente as faturas comerciais.
Posto tudo isso, ainda que sumariamente, ousamos, diante do espírito de parceria que nos ata ao mercado segurador, sugerir que até que o tema seja definitivamente tratado pelo Poder Judiciário – o que demandará ainda muito tempo – que não sejam celebrados acordos com transportadores com base no critério da limitação tarifada.
Os advogados das empresas transportadoras aéreas têm procurado os advogados do mercado segurador expondo que a questão da limitação de responsabilidade são favas contadas. Isso não é verdade. As decisões judiciais que conquistamos para o mercado, somadas as obtidas por outros ótimos escritórios de advocacia, atestam a presente afirmação.
O tema encontra-se literalmente aberto e os riscos são bilaterais. Por isso, em nosso modesto entender, nenhum acordo convém ser celebrado em patamar inferior ao de 50% (cinquenta por cento) do valor indenizado, devidamente atualizado. (Repetimos: patamar mínimo para acordos).
Evidentemente que se trata de mera sugestão, talvez algo ousado da nossa parte (ao que nos desculpamos), mas o fazemos por dever de ofício, imantados de boa-fé, com vistas à saúde do conceito de ressarcimento e para o bem geral do mercado.
Por fim, esclarecemos que isso cabe somente aos transportes aéreos internacionais, não aos nacionais, pois nem a Convenção de Montreal, nem a decisão de repercussão geral, são aplicáveis aos últimos. Os transportes aéreos nacionais são submetidos ao Código Brasileiro de Aeronáutica e o seu art. 248 é taxativo ao dispor que a limitação de responsabilidade não tem lugar quando houver comprovada culpa do transportador.
Exatamente por tais considerações é que também sugerimos, com máxima delicadeza, que nos casos nacionais ou internacionais de transportes aéreos sejam envidados esforços concentrados nas regulações dos sinistros para as identificações de condutas particularmente temerárias, culposas, dos transportadores, fortalecendo em muito as futuras pretensões de ressarcimentos.
Agradecemos a especial atenção.