A sonegação fiscal como fator de desequilíbrio da livre concorrência

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10/09/2018 às 10:52
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4. SONEGAÇÃO DE TRIBUTOS

            Previamente, é interessante que seja abordado a origem do significado do verbo sonegar, tal classificação é feita com maestria por Deonísio da Silva (2014, p. 436):

SONEGAR do latim subnegare, negar, mas negar escondido, atando o feixe por baixo, variante de subnectare, acrescentar escondido. Passou a designar a ação de esconder os ganhos com o fim de pagar menos impostos. É do mesmo étimo de abnegar, negar, renegar, negativo e negativar, entre outros. Várias empresas que nada fazem especializaram-se em vender notas fiscais a produtores culturais que a elas recorrem para obter verbas para seus projetos. Sua única atividade é vender notas fiscais para obter, não a elisão de impostos, que é legal, mas a evasão, que é crime. (SILVA, Deonísio, 2014)

            Na prática, a ação sonegatória demanda do contribuinte, que por conta própria, realiza condutas que visam a suprimir ou reduzir tributos. Buscando o não pagamento ou o pagamento menor de tributos, por meio de condutas ilícitas.

            A quebra da igualdade nas condições de competir é gerada pela sonegação fiscal e demanda prejuízos exorbitantes concorrenciais aos empresários do mercado.

             O empresário que pratica sonegação fiscal pode se utilizar de duas formas para desequilibrar e aumentar eventualmente seus lucros: a) mantendo os seus preços iguais aos dos demais concorrentes, e ao invés de repassar esses valores ao tesouro público, se apropria visando lucro; ou b) colocando seus preços inferiores aos de seus concorrentes, como forma de alcançar um pedaço maior do mercado, sem precisar diminuir sua margem de lucro, tendo em vista que os tributos não serão repassados ao erário.

            Atualmente, a Sonegação Fiscal além de ser um problema que dificulta a arrecadação eficiente, prejudicando o sistema tributário como sendo justo e equilibrado, para a Fazenda Pública, também levanta obstáculos para o mercado, afetando diretamente a concorrência desleal.

            Ao longo de um extenso período, permaneceu a ideia de que o Estado e o cidadão mantinham relação de rivalidade, um contra o outro.

No entanto, em meados de 1.990 no Brasil, a sonegação de imposto não estava mais sendo visto como um problema que afetava apenas os entes públicos, mas algo que afetava diretamente na sociedade, empresas que sonegam impostos acabam por monopolizar as relações comerciais de mercado, para os consumidores, em primeira instância os valores seriam ofertados inferiores ao que o mercado apresenta, porém com o passar do tempo, esses valores aumentarão, eliminando predatoriamente a concorrência entre outras empresas, que sofrem com as dificuldades em concorrer com outras empresas que praticam evasão fiscal.

Desde a época Brasil Colônia, quando a Coroa Portuguesa viu que sua nova posse territorial poderia estar ameaçada, devido à baixa dos comércios com o oriente, e foi dado início à colonização brasileira, o principal objetivo era que fossem encontradas novas receitas que viessem a permitir que o Estado Português diminuísse suas dívidas. Assim então, tendo estabelecido cobrança em cima dos lucros obtidos por via de exploração pela Coroa Portuguesa.

            O primeiro contribuinte brasileiro, conhecido com Fernão de Noronha, na tentativa de se livrar dos encargos estrondosos da Coroa portuguesa, foi também o primeiro a sonegar impostos.

            Desde então, devida a alta carga tributária brasileira: onde há tributação, há a sonegação de impostos. O que por vênia, não somente prejudica o Estado, mas também o mercado comercial, que sofre para sobreviver licitamente diante da concorrência desleal provinda da sonegação fiscal.

            Existem origens culturais de sonegação fiscal que foram ganhando raízes fortes com o decorrer dos anos, atualmente no Brasil, existem dados assustadores que numeram os índices de sonegação fiscal praticadas.

            Segundo o Sindifisco Nacional, Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil, o percentual de evasão fiscal (prática conhecida como sonegação fiscal, que é utilizada ilicitamente para evitar o pagamento de tributos, por meio de omissão de informações, as falsas declarações e a produção de documentos que contenham falsas e distorcidas informações, como a contratação de notas fiscais, faturas, duplicatas, entre outras), das empresas no País, giram em torno de 25,05% de seu faturamento, sendo os tributos mais sonegados: INSS, ICMS e IR e os setores que mais deixam de pagar impostos são: indústria, comércio e serviços.

            As práticas mais comuns para evasão fiscal são vendas sem notas, vendas com “meia” nota, calçamento de nota, duplicidade de numeração de nota, distribuição disfarçada de lucros, entre outras. Tal ação, vem aumentando a preocupação no que tange ao combate à prática de sonegação fiscal, pois com o mercado fazendo denúncias e se posicionando contra a atitude ilícita que acarreta ao princípio da livre concorrência que preza a Constituição Federal Brasileira, consegue-se visualizar com maior facilidade o foco dos problemas e fazer com que o Estado elabore medidas estratégicas de inibição de tal prática.

            Cada vez mais, entende-se constitucionalmente, que o imposto é de todos e para todos, e vem se desvinculando de sua finalidade inicial, dentro de um conceito moral e ético, a sociedade adquiriu culturalmente o hábito de não visualizar na prática de sonegação fiscal, um ato criminoso, que dolosamente as fere.

            Tal atitudes danosas ao tesouro público, trazem consequências principalmente em conseguir promover o bem social, assim, aumentando sua carga tributária de forma árdua, injusta, e voraz, passando por cima de princípios constitucionais e sobrecarregando aqueles cujo são fiéis ao cumprimento da lei e tentam de alguma forma obter vantagens lícitas para atuar no mercado.

            Conduta que aumenta os índices de delinquência fiscal, tendo em vista que o cidadão que sonega, obtém infelizmente vantagens sobre aqueles que não sonegam e sobre o Estado.

            Legalmente, a definição de sonegação fiscal como crime, está prevista na Lei de nº 8.137 de 1990, que dispõe:

Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas: (Vide Lei nº 9.964, de 10.4.2000)

I - Omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias;

II - Fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal;

III - Falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo à operação tributável;

IV - Elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato;

V - Negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa à venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação.

IV - Fornecer ou emitir documentos graciosos ou alterar despesas, majorando-as, com o objetivo de obter dedução de tributos devidos à Fazenda Pública, sem prejuízo das sanções administrativas cabíveis.

V - Exigir, pagar ou receber, para si ou para o contribuinte beneficiário da paga, qualquer percentagem sobre a parcela dedutível ou deduzida do imposto sobre a renda como incentivo fiscal. (Incluído pela Lei nº 5.569, de 1969)

            Caracteriza-se como crime material ou de resultado, portanto, é imprescindível a ocorrência de lançamento definitivo do tributo para que haja a concretização da condição objetiva de punibilidade ao contribuinte.

            Para que se dê início à uma Ação Penal Tributária, alusivo ao crime de sonegação fiscal, é conveniente que haja a consumação material do delito, sendo obrigatória, a remessa da noticia crimis (notícia crime) ao Ministério Público.

            Foi proferido o procedente no julgamento do Habeas Corpus nº 83.901-2, pelo Egrégio Supremo Tribunal Federal (STF), o seguinte:

O crime de sonegação fiscal, definido no artigo 1º da Lei 8.137/90, somente se consuma com o lançamento definitivo do crédito tributário. Antes do constituído definitivamente o crédito tributário não há justa causa para a Ação Penal. Ordem concedida para trancar em que os pacientes figuram como réus. (HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. DIREITO PENAL TRIBUTÁRIO. CRIME DE RESULTADO. ORDEM CONCEDIDA.) STF, 2ª Turma, HC 83.901-2, Relator Ministro EROS GRAU)

            Constata-se, no julgamento exposto acima, que, o STF, prolatou a decisão com resultado em “trancar” a Ação Penal Tributária carecedora de justa causa, portanto, entende-se que na seara de Inquéritos Policiais, não poderá ser omitido a deflagração de prisões ou mesmo remessas de informações ao MP, quando verificado, de plano, a falta de substrato material em procedimentos administrativos do Fisco.

            Isto posto, é fundamental que a conduta da fiscalização tributária, deverá ser pautada pelo respeito aos princípios de razoabilidade e proporcionalidade, sob pena de nulidade das autuações oriundas da fiscalização, valendo-se do respeito pela Constituição e Legislação Tributária vigente, tendo como foco primordial inibir os abusos de poder e/ou desvio de finalidade cometidos pela Administração contra o contribuinte, além de se atentar aos desvios ilícitos, ora também, praticados pelo contribuinte, que tenta de forma criminosa tirar vantagens em cima do mercado e do Estado.

            Para Moraes e Smanio (2010, p.353), a definição de sonegação fiscal cabe da seguinte forma: “Sonegação fiscal é a ocultação dolosa, mediante fraude, astúcia ou habilidade, do reconhecimento de tributo devido ao Poder Público.” (Antônio Ricardo Andreucci. Legislação Penal Especial. Pg. 353).

            O sujeito ativo no crime de sonegação fiscal, pode ser caracterizado no artigo 11º da Lei de nº 8.137/90 como o contribuinte que tem sua conduta amoldada a qualquer das hipóteses legais. Cabendo concurso de pessoas, também previsto no mesmo artigo 11º, admitindo coautoria e participação para esse crime. Dispõe o artigo 11º da seguinte forma:

Art. 11. Quem de qualquer modo, inclusive por meio de pessoa jurídica, concorre para os crimes definidos nesta Lei, incide nas penas a estes cominadas, na medida da sua culpabilidade.

            Como sujeito passivo, pode ser declarado o Ente Público que possui competência para instituir ou cobrar o tributo, podendo ser um dos entes federais: Municípios, Estados e a União.

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            Crime que possui condutas omissivas e comissivas, e possui como elemento subjetivo a vontade livre e consistente de praticar as condutas típicas, ou seja, havendo a necessidade do sujeito ativo ter dolo na prática do ato, objetivando a supressão e redução no pagamento dos tributos, por se tratar de crime material, onde há necessidade de resultado, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo já se posicionou em relação a tentativa do crime de sonegação fiscal: “O crime de sonegação fiscal apenas se consuma quando presente o dolo específico em fraudar o fisco”. (TJSP. Apelação nº 245.615-3. Julg. 29 de março de 2000). Caberá tentativa apenas se houver o fracionamento do “iter criminis”.

            Tal crime, tem competência para julgamento a justiça comum, com fulcro na Lei de nº 8.137/90, porém caso seja de interesse da União, a competência será da Justiça Federal.

            No que tange o bem jurídico a ser tutelado, para ALFREDO ETCHEVERRY, esse mesmo, em relação a tais crimes, não representa mais que aspectos particularizados de outros bens jurídicos, estará fixada a completa inutilidade de perquiri-lo e a grande dificuldade de protegê-lo.

            Caso haja procedimento de fiscalização, poderá ser tomado pontuadas providencias para caracterizar a responsabilidade ao sócio pelo ente fiscalizador. Nos parâmetros legais e seus limites, gestores, diretores ou aqueles que representam a pessoa jurídica de direito privado em questão, poderão pessoalmente serem responsabilizados pelo crédito tributário inadimplido decorrente da prática do ato ilícito.

            Conforme já exposto, a Lei de nº 8.147 de 1990 caracteriza a sonegação como crime contra a ordem tributária, ainda podendo ser solicitado pedido de instauração do Processo Criminal.

            No que tange a indisponibilidade dos bens, a autoridade fiscal remeterá o processo fiscal para o MP, para que o Poder Judiciário possa assim indispor dos bens dos sócios ou de outros que possam ter vindo a contribuir para o acontecimento do ato criminoso.

            De modo genérico, os ilícitos tributários, quando há o descumprimento de uma lei fiscal, podem se originar de 3 tipos de infrações: a) infração exclusivamente tributária, a que está prevista na lei fiscal, exemplo, quando há aplicação de uma alíquota de algum imposto menor que a que deveria ser aplicada, desse modo, terá sanção administrativo-fiscal calculada, sobre o que não foi recolhido ao erário; b) infração simultaneamente tributária e penal, comumente chamado de “Auto de Infração”, quando será exigido o pagamento do tributo e da penalidade, além de ser aplicada sanção prevista na lei penal, também será apurado e decidido por meio de processo judicial, tendo em vista que houve falsificação, tipificada como crime; c) infração puramente penal, onde o ato ilícito está descrito como crime apenas, sem previsão na lei tributária.

            A pena poderá variar na reclusão entre 2 a 5 anos, dos atos ilícitos tributários, além de multa, que conforme o artigo 1º da Lei de nº 8.137 de 1990 e o artigo 44 da Lei de nº 9.430 de 1996, pode atingir 225%.

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