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A inconstitucionalidade da instituição de banco de horas por acordo individual

10/02/2019 às 10:15
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Com a reforma trabalhista, a inovação trazida no tocante ao banco de horas contraria a Constituição e o entendimento jurisprudencial consagrado.

Resumo: Este artigo tem a pretensão de abordar, de maneira crítica, a inovação trazida pela Lei nº 13.467/2017, no tocante ao regime de banco de horas, visto que a inovação implementada contraria a Constituição Federal - CF e o entendimento jurisprudencial consagrado pelo Tribunal Superior do Trabalho - TST na Súmula 85, V. Portanto, o novo instituto é inconstitucional e, consequentemente, incompatível com o nosso ordenamento jurídico.

Palavras-chave: Jornada de trabalho. Regime de banco de horas. Inconstitucionalidade.


Introdução

A Lei da Reforma Trabalhista, antes mesmo da sua promulgação, vinha causando inquietação aos trabalhadores, juristas e demais profissionais da área trabalhista. Isso se justifica em razão das inovações prejudiciais ao trabalhador trazidas pela Lei. Ousamos afirmar que a Lei possui, em função disso, um caráter bastante “patronalista”.

Pretendemos aqui abordar a modificação sofrida por um dos regimes de flexibilização da jornada de trabalho - o regime de banco de horas, visto que tal alteração é incompatível com a determinação imposta pelo art. 7º, inciso XIII, da CF e com o entendimento jurisprudencial consagrado na Súmula 85, V, do TST.

Inobstante isso, a alteração é prejudicial ao trabalhador, visto que acarreta uma condição de trabalho lesiva e abre espaço para a prática de fraudes contratuais – cumprimento de horas extras, ocultado por um contrato de compensação de jornada de trabalho.

Não se pode esquecer, ainda, que o legislador retirou a obrigação desse tipo de contrato ser acordado por instrumento coletivo, o que assegurava ao trabalhador a garantia de não ser submetido a uma condição de trabalho maléfica.

Portanto, sendo uma alteração inconstitucional e prejudicial ao trabalhador, não merece ser mantida em nosso ordenamento jurídico.


Jornada de trabalho e banco de horas

A Constituição Federal, mediante o art. 7º, inciso XIII[1], estabelece que a duração normal da jornada de trabalho deve ser de oito horas diárias e quarenta e quatro horas semanais.

Esse parâmetro é reflexo de estudos e pesquisas sobre saúde e segurança no trabalho[2]. Noutras palavras, a exposição do indivíduo a determinada atividade por oito horas diárias é suficiente para que ele cumpra sua função econômica dentro da sociedade, sem colocar sua saúde em risco, e, além disso, disponha de tempo para cumprir seu papel como cidadão e como membro de sua família.

O legislador prevê, no mesmo artigo, a possibilidade de compensação da jornada de trabalho ou de sua redução, desde que tal acerto seja realizado mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho. Essa exigência foi ponderada em razão da natureza assimétrica da relação trabalhista, em que o trabalhador é a parte frágil e, de tal forma, queda-se vulnerável a firmação de acordos prejudiciais para si.

No Direito pátrio, o regime de compensação de jornada se apresenta em duas modalidades: o regime de compensação clássico e o banco de horas (DELGADO, 2017).

Preambularmente, importante trazer uma breve exposição sobre o regime de compensação clássico, visto que a Lei da Reforma Trabalhista operou uma importante mudança nesse regime.

A compensação de jornada clássica é efetuada no interstício de um mês. Nesse regime, é facultado ao empregado agregar até o máximo de duas horas[3] suplementares na sua jornada de trabalho normal de oito horas diárias, com a posterior redução da jornada em outro dia, a fim de compensar as horas suplantadas.

Saliente-se que esse regime de compensação de jornada foi muito bem aceito pelo sistema jurídico pátrio e consolidado na Súmula 85 do Tribunal Superior do Trabalho, tendo determinado que  a compensação pode ser firmado mediante acordo individual escrito ou através de acordo ou convenção coletivo trabalhista[4].

No entanto, o advento da Lei da Reforma Trabalhista, em contraposição ao entendimento pacificado pelos juristas da seara trabalhista, autorizou, no novo art. 59, § 6º, da Consolidação das Leis Trabalhistas – CLT, que tal regime possa, a partir de então, ser firmado mediante acordo tácito.

A modificação implementada irrompe deveras insegurança jurídica, dado que o acordo tácito é um instrumento jurídico frágil, devido à dificuldade em prová-lo cabalmente e, consequentemente, é suscetível de ser usado com a finalidade de facilitar fraudes no tocante à realização de horas extras pelo empregado. Explicando de outro modo, o empregado é a parte fraca da relação, portanto, a firmação de um acordo “de boca” deixa ele propenso a realizar horas extras encampadas, de forma fraudulenta, em um acordo de compensação de jornada.

Noutro giro, tem-se o regime de banco de horas que era definido pelo § 2º do art. 59 da CLT que dispunha:

Poderá ser dispensado o acréscimo de salário se, por força de acordo ou convenção coletiva de trabalho, o excesso de horas em um dia for compensado pela correspondente diminuição em outro dia, de maneira que não exceda, no período máximo de cento e vinte dias, à soma das jornadas semanais de trabalho previstas, nem seja ultrapassado o limite máximo de dez horas diárias.

A súmula 85, por sua vez, traz em seu item V[5], em conformidade com a determinação constitucional, que o regime de banco de horas tão somente pode ser acordado mediante instrumento coletivo. Isso reflete a importância dessa determinação, visto que beneficia o trabalhador.

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Sobre isso, ressalte-se que a exigência feita pela Constituição e mantida pela jurisprudência harmoniza-se com os valores principiológicos trabalhistas que objetivam proteger o trabalhador e garantir-lhe condições de trabalho benéficas. Os instrumentos de contrato coletivo são realizados sobre uma relação simétrica, em que as partes têm igualdade de forças, assim, não há espaço para o estabelecimento de condições de trabalho desfavoráveis ao empregado. 


A reforma trabalhista e a instituição de banco de horas por acordo individual

A Lei nº 13.467/2017 autorizou, através da inserção do § 5º ao art. 59 da CLT[6], que o regime de banco de horas, desde que estruturado sobre um interstício de seis meses, seja pactuado mediante acordo individual.

A previsão se choca brutalmente com a Constituição. Esta, desde a sua promulgação em 1988, ao possibilitar a compensação de jornada ou sua redução, determinou, conforme já mencionado, que tal acerto, tão somente, poderá ser realizado mediante acordo ou convenção coletiva trabalhista (art. 7º, XIII).  Portanto, não há que se olvidar da inconstitucionalidade da inovação implementada pela Lei da Reforma Trabalhista.

Inobstante isso, a autorização do mencionado § 5º tromba com o entendimento jurisprudencial consagrado na Súmula 85, item V, do TST.

A possibilidade de acordar esse regime mediante acordo individual pode trazer grande prejuízo para o trabalhador, visto que o empregador poderá se aproveitar desse instituto para exigir que seu empregado preste horas extras, com o argumento de que tais horas serão compensadas em algum dia dentro de um interstício de seis meses e, dessa forma, não terá a responsabilidade de pagar pelas horas a mais trabalhadas.

A modificação colocou o empregado em uma posição de vulnerabilidade. Ele, em razão de sua necessidade financeira pelo trabalho, poderá aceitar se submeter a uma jornada exaustiva.

Portanto, a renovação trazida pelo legislador, para além da inconstitucionalidade, não pode ser mantido, dado que pode trazer muitos malefícios ao trabalhador. Sua manutenção, repita-se, representa um retrocesso no tocante a direitos trabalhistas tão duramente conquistados ao longo de incontáveis anos. 


Considerações finais

A Constituição Federal, ao consagrar os direitos trabalhistas nos artigos 7º a 11, abriu espaço, no caput do art. 7º[7], para que o legislador criasse outros direitos, desde que visassem à melhoria das condições sociais dos trabalhadores urbanos e rurais.

Todavia, o que se observa na inovação pretendida pela Lei da Reforma é um desrespeito com o trabalhador e com o ser humano, que no decorrer de sua história lutou por melhores condições de trabalho. É inconstitucional e deveras prejudicial ao trabalhador.

Evidencie-se, por fim, que diante do movimento de abuso ao constitucionalismo, também chamado de autoritarismo velado, que vem acontecendo em muitos países que adotam a democracia, a Lei da Reforma, em função de muitas de suas inovações, ousamos afirmar, revela-se um instrumento de abuso à CF.

Assim, por todas as razões aqui explanadas, não deve ser mantida em nosso ordenamento.  


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 9. ed. São Paulo: LTr, 2010.

DELGADO, Mauricio Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. A reforma trabalhista no Brasil: com comentários à Lei n. 13.467/2017. São Paulo: LTr, 2017.


Notas

[1] Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (...)

XIII - duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho; (vide Decreto-Lei nº 5.452, de 1943)

[2] DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 9. ed. São Paulo: LTr, 2010, p. 783.

[3] Art. 59.  A duração diária do trabalho poderá ser acrescida de horas extras, em número não excedente de duas, por acordo individual, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho.

[4] Súmula nº 85 do TST: COMPENSAÇÃO DE JORNADA (inserido o item VI) - Res. 209/2016, DEJT divulgado em 01, 02 e 03.06.2016I. A compensação de jornada de trabalho deve ser ajustada por acordo individual escrito, acordo coletivo ou convenção coletiva. (ex-Súmula nº 85 - primeira parte - alterada pela Res. 121/2003, DJ 21.11.2003)

[5] V. As disposições contidas nesta súmula não se aplicam ao regime compensatório na modalidade “banco de horas”, que somente pode ser instituído por negociação coletiva.

[6]Art. 59.  A duração diária do trabalho poderá ser acrescida de horas extras, em número não excedente de duas, por acordo individual, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho.

 § 5º  O banco de horas de que trata o § 2o deste artigo poderá ser pactuado por acordo individual escrito, desde que a compensação ocorra no período máximo de seis meses.

[7] Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social.

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Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TOLÊDO, Lly Chaves Morais. A inconstitucionalidade da instituição de banco de horas por acordo individual. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5702, 10 fev. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/69049. Acesso em: 22 dez. 2024.

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