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Entidade filantrópica e reforma trabalhista: contribuições críticas

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5. Distinções

A esta altura já convém distinguir uma entidade filantrópica de uma beneficente de assistência social, cuja proximidade causa a incompreensão, a ponto de serem vistas como sinônimas. A diferença é apreendida do próprio texto Constitucional:

Art. 199 omissis.

§ 1º As instituições privadas poderão participar de forma complementar do sistema único de saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos.

Art. 213. Os recursos públicos serão destinados às escolas públicas, podendo ser dirigidos a escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas, definidas em lei, que [...]

Art. 195 omissis.

§7º São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei.

A CTL, por seu turno, usou “entidades beneficentes” e “entidades sem fins lucrativos”, no § 1º, do art. 2º, e filantrópica em outras passagens. Aliás, o art. 889, §9, reduziu em metade o depósito recursal para as entidades sem fins lucrativos, de modo a demonstrar o equívoco em tratar tudo como sinonímia.

A doutrina tributarista e a previdenciária debatem, de longa data, o significado destas expressões, a fim de definir quais pessoas teriam direito à imunidade de contribuições para a seguridade social. Pacificou-se, pois, que são termos heterogêneos. Esta é a preleção de Fábio Zambitte Ibrahim (2015, p. 458):

As entidades beneficentes de assistência social são mantidas com o objetivo de auxiliar os necessitados, isto é, qualquer pessoa que não tenha condições de prover o seu próprio sustento e o de sua família. Este conceito é mais restrito do que o de entidade filantrópica, embora sejam ambos erroneamente utilizados indistintamente com muita frequência.

Na mesma linha, assinala Leandro Paulsen (2017, p. 121) que:

Entidades beneficentes são aquelas voltadas ao atendimento gratuito dos necessitados. Não é necessário que tenham caráter filantrópico, assim entendidas as que se mantêm exclusivamente por doações. Admite-se que financiem a atividade beneficente mediante outras atividades remuneradas, desde que não tenham fins lucrativos e que suas receitas sejam efetivamente aplicadas na beneficência, o que restou definido pelo STF também na ADI 2.028.

O Supremo Tribunal Federal, chamado a pronunciar-se sobre a questão, assentou, nos termos do voto do Ministro Moreira Alves, na liminar proferida na ADI 2.028-5, em que se analisou a semântica de “entidade beneficente”, presente no art. 195, §7º, da CF, que:

Assim, entidade que atua em benefício de outrem com dispêndio do seu próprio patrimônio sem contrapartida é entidade filantrópica, mas não deixa de ser beneficente a que, sem ser filantrópica, atua sem fins lucrativos e no interesse de outrem. Por isso, sendo entidade beneficente o gênero, pode-se concluir que toda entidade filantrópica é beneficente, mas nem toda entidade beneficente é filantrópica. Assim, § 7º do artigo 195 ao utilizar o vocábulo entidade beneficente se refere a essas duas espécies, sendo que, quanto às que atuam no setor de saúde, o conceito de beneficência, como visto, é explicitado no § 1º do art. 199, que distingue a entidade filantrópica da entidade sem fins lucrativos e considera ambas merecedoras do mesmo tratamento. Portanto, quando a Lei 9.732 o impõe o requisito da entidade da gratuidade exclusiva está restringido o conceito constitucional de entidade beneficente que não se confunde com entidade filantrópica. [...] É evidente que, tais entidades, para serem beneficentes, teriam que ser filantrópicas [...], mas não exclusivamente filantrópicas [...], esse benefício concedido pelo § 7º do art. 195 não o foi para estimular a criação de entidades exclusivamente filantrópicas, mas, sim, das que, também sendo filantrópicas sem o serem integralmente [...].

Este entendimento liminar foi ratificado, em maio de 2017, pelo plenário daquela Corte, com os acréscimos do voto do Ministro Teori Albino Zasvascki, este que, com base na doutrina de Regina Helena Costa, acentuou que a entidade beneficente é aquela que dedica parte destas atividades ao atendimento gratuito de carentes e desvalidos. Já a filantrópica é a que direciona, de forma gratuita, integralmente seus serviços a atender o interesse coletivo.

Assim, uma primeira inferência pode ser feita: entidade beneficente é aquela que atua em favor de outrem, que não seus próprios instituidores ou dirigentes, e pode ser remunerada por seus serviços. Filantrópica é a entidade com idêntico escopo, mas cuja atuação é inteiramente gratuita, ou seja, nada cobra pelos serviços que presta.

Quando há uma parcial cobrança, a entidade é filantrópica, em um sentido amplo. Quando é totalmente gratuita, é uma filantrópica, em sentido restrito, sendo esta a merecedora da dispensa da garantia do juízo.

Isto porque, em face do recebimento de dinheiro por alguns clientes, mesmo que inexista intenção lucrativa, consegue-se manter algum patrimônio, de certo modo, suficiente para garantir o juízo a favor do trabalhador e isto não impede de comprovar o estado de crise e receber o benefício da justiça gratuita. Já quando a gratuidade é total, e por depender de doações, é razoável presumir a falta de disponibilidade de recursos.

Ao atentar-se para o texto Constitucional, evidencia-se, ainda, que entidade beneficente de assistência social (art. 195, § 7º, da Carta), por consequente uma filantrópica, não é conceito equivalente à entidade de assistência social sem fins lucrativos (art. 150, VI, c, da CF).

As entidades sem fins lucrativos, não beneficentes, outrossim, são restritas à determinadas classes ou grupos e visa o auxílio-mútuo. Buscam um padrão mínimo de vida dos associados, sem atender pessoas estranhas ao grupo. Interessante colacionar o magistério de Leandro Paulsen (2017, p. 117):

As instituições de assistência social, também beneficiárias da imunidade, são aquelas que desenvolvem uma das atividades descritas no art. 203 da CF. Não se exige filantropia, ou seja, não se exige que atuem exclusivamente com pessoas carentes, de modo gratuito e universal e que dependam exclusivamente de donativos. Podem exercer atividade econômica rentável, desde que sem finalidade de lucro, ou seja, desde que revertam seus resultados para a atividade assistencial. Há impedimento à distribuição de lucros, esta sim descaracterizadora da finalidade assistencial e do caráter não lucrativo. Não se deve confundir, ainda, a ausência de caráter lucrativo com a obtenção de superavit, este desejável inclusive para as entidades sem fins lucrativos, de modo que viabilize a ampliação das suas atividades assistenciais.

Um ponto em comum entre as beneficentes, não integralmente filantrópicas, e as entidades de assistência social, é, justamente, a possibilidade de cobrança por seus serviços. Pela primeira, uma cobrança parcial, caso das universidades em que, apesar da concessão de bolsas gratuitas de estudos à pessoas carentes, exigem mensalidades da camada mais abastada. Já na entidade de assistência social, há cobrança de sua restrita clientela, vedado apenas o lucro, cuja significância é dada por Eduardo Sabbag (2017, p. 467):

A primeira e equivocada impressão é a de que o preceptivo veda o lucro, todavia não deve ser esta a melhor exegese. Veda -se, sim, a apropriação particular do lucro, a lucratividade em si, ou, em outras palavras, o animus distribuendi. Permitem -se, pois, o resultado positivo, a sobra financeira, o superávit ou, em linguagem técnica, o ingresso financeiro líquido positivo.

Aliás, proibir -se o lucro (animus lucrandi) é algo que se traduz em completo desatino. O que se quer, em verdade, é que todo o resultado reverta em investimento para que a entidade cumpra seu desiderato institucional.

A propósito, não se pode confundir a apropriação particular do lucro – o que se proíbe – com a permitida e natural remuneração dos diretores e administradores da entidade imune, como contraprestação pela execução de seus trabalhos.

Destarte, na filantropia, em sentido estrito, inexistem as figuras do animus lucrandi ou animus distribuendi, impensável a venda de serviços ou resultado positivo, já que não colocam preços em suas atividades.  Por isto, a entidade beneficente não se adequa na definição de filantropia posta na CLT e esmiuçada neste artigo, porque, como se pôde perceber, a cobrança que ela faz de uma parcela da população torna-a, em regra, capaz de garantir o juízo.

Outra diferença digna de nota é o campo de atuação. As entidades beneficentes de assistência social são aquelas que atuam na assistência social em sentido estrito (Art. 203 da CF) e, também, na saúde e educação –assistência social em sentido amplo -, de acordo com o entendimento pacificado pelo STF (IBRAHIN, 2015, p. 459).

As filantrópicas possuem uma amplitude de serviços à comunidade muito maior, uma gama e diversidade de objetivos que se dirigem não somente à assistência social em sentido amplo. E isto deve ficar memorizado pelo leitor, a fim de ser utilizado mais à frente. É o que registra a doutrina do professor Celso Barroso Leite (1998, p. 533), no artigo “Filantropia e Assistência Social”, publicado na Revista de Previdência Social:

Embora não menos amplo que o da filantropia, o conceito de assistência social oferece a vantagem da característica comum dos seus destinatários: a necessidade que têm dela. Enquanto as entidades filantrópicas prestam serviços úteis e com frequência valiosos, mas nem sempre essenciais, a assistência social tem por objetivo atender a necessidades vitais das pessoas que carecem dela. Convém insistir neste ponto: a necessidade da assistência, individual ou social, é inerente à sua natureza. Uma entidade que ofereça, por exemplo, programas culturais gratuitos de alto nível dá a pessoas que não dispõem de recursos para pagar por eles uma oportunidade valiosa, benéfica e de alguma maneira filantrópica. Entretanto, isso não corresponde a uma necessidade básica, vital, dessas pessoas, que decerto apreciam programas culturais de bom nível mas poderiam viver sem eles. Ainda por outras palavras: trata-se de algo mais e não de um mínimo; e em última análise é essa a diferença entre filantropia e assistência (nº 199).

Assim, uma entidade é filantrópica mesmo que sua finalidade seja, de forma exemplificativa, cultural, esportiva, religiosa e demais atividades enumeradas no outrora reproduzido art. 3º, da Lei n. 9.790/99. Ela pode ser, portanto, de assistência social, mas não necessariamente.

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Resulta clara a inadequação, com o devido respeito às opiniões divergentes, da afirmação no sentido de que uma entidade é filantrópica se observa a Lei n. 12.101/2009. Não parece ser bem assim.

5.1 Lei n. 12.109/2009

A maior parte da doutrina trabalhista, até o momento, seguida pela jurisprudência, ao menos tendo em vista a análise dos recursos no âmbito do TRT-12, alvitra a aplicação da Lei n. 12.101/1009 como o parâmetro para aferir se está diante de uma entidade filantrópica ou não. Cita-se, como representante desta vertente, Anna Luiza Marimon (2018, p. 223-224):

A exigência da garantia ou penhora não se aplica às entidades filantrópicas e/ou àqueles que compõe ou compuseram a diretoria dessas instituições, de acordo com o novo §6º do art. 884. Não é suficiente a mera alegação de que a atuação não visa lucro, pois a lei 12.101/2009, em seu art. 3º, determina que a certificação dessas entidades somente ocorrerá mediante a demonstração, de forma cumulativa, do cumprimento do disposto nas Seções I, II, III e IV, do Capítulo II, da supracitada lei, observando-se as respectivas áreas de atuação das entidades beneficentes de assistência social [2].

Esta lei regulamentou o art. 195, § 7°, da Constituição Federal, que imuniza as entidades beneficentes de contribuições para a seguridade social e estabelece os critérios para o seu modo de ser.

A Lei n. 12.101/2009 reconhece como beneficente as entidades de direito privado, sem fins lucrativos, que prestem serviços nas áreas de assistência social, saúde ou educação, sendo que deverão obedecer ao princípio da universalidade do atendimento, vedado dirigir suas atividades exclusivamente a seus associados ou à categoria profissional (PAULSEN, 2017, p. 122).

Neste ínterim, verifica-se um primeiro problema. Há uma restrição do campo de atuação, visto que as filantrópicas, em sentido restrito, não trabalham apenas no que se chama de assistência social em sentido amplo, indo muito além disto.

Esta limitação tem uma razão de ser, porquanto, as entidades beneficentes, para gozarem da imunidade previdenciária, devem comprovar a eficácia na satisfação das necessidades sociais, estas que cabem ao Estado, primariamente, implementar, mas, por falhas nas políticas públicas ou ausência de recursos, não desincumbiu a contento o seu mister. Ou seja, a Lei n. 12.101 impõe ao Governo somente fomentar aquelas atividades que o apoiam nas áreas que lhe cabem prestar serviços públicos. Logo, a lógica é a da efetividade do serviço público, e não do acesso à Justiça, esta sim é a intenção da alteração da legislação processual do trabalho.

Ao traduzir em termos práticos, tem-se que uma entidade cultural, mesmo que viva de doações e preste serviços gratuitos, isto é, seja uma legítima filantrópica, a prevalecer o entendimento de que para gozar de isenção de garantia do juízo deve, também, ter o certificado de entidade beneficente social (CEBAS) , chegar-se-á à perplexidade de ter ela que fazer o depósito legal ou contar com a sorte de ter o benefício da justiça gratuita deferido, não obstante ser, justamente, aquela pessoa visada pela Reforma Trabalhista.

Isto porque entidade prioritariamente cultural não se confunde com entidade educacional, o que vale, também, para entidades de esporte, como entende o Ministério da Previdência e Assistência Social e o Superior Tribunal de Justiça. Assim, cai-se na incoerência de excluir entidades filantrópicas que não se encaixem nas atividades arroladas na Lei n. 12.101, de modo a abduzir o direito universal de acessar o Judiciário.

Outra questão, e certamente a mais delicada, é que as entidades beneficentes, não filantrópicas, cobram, em parte, pelos seus serviços, o que faz girar recursos financeiros, embora não tenham fim lucrativo. Por exemplo, pelo art. 12 da Lei n. 12.101/09, as entidades de educação, em qualquer nível, podem enquadrar-se como beneficentes e usufruir da imunidade constitucional, desde que venham a aplicar, anualmente, em gratuidade, o percentual mínimo de 20% (vinte por cento) da receita anual efetivamente recebida a título de anuidade escolar, valor este calculado nos termos da Lei n. 9.870/99. No caso das entidades de nível superior, observar-se-á, também, os requisitos do PROUNI, na Lei n. 11 .096/05.

A Univali, em Santa Catarina, por conceder bolsas de estudo, porém cobrar uma razoável mensalidade dos alunos, teria o direito à isenção da garantia do juízo, mesmo que tenha, notoriamente, condições financeiras boas e não se encaixe no conceito esgrimido de filantrópicas em sentido restrito, em escancarado e inaceitável prejuízo ao empregado.

Note-se, ademais, que o MTE equiparou, embora sem primar pela melhor técnica terminológica, entidades sem fins lucrativos a entidades beneficentes, ao regular o art. 580, § 6º, da CLT, que traz a isenção da contribuição sindical. É o que se extrai da Portaria n. 1.012/2003:

Art. 3º Considera-se entidade ou instituição que não exerça atividade econômica com fins lucrativos, aquela que não apresente superavit em suas contas ou, caso o apresente em determinado exercício, destine referido resultado integralmente ao incremento de seu ativo imobilizado.

§ 2º A comprovação da condição de entidade ou instituição sem fins lucrativos será feita por meio dos seguintes documentos:

I - entidades ou instituições de assistência social, reguladas pela Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993:

a) atestado de Registro e Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social, expedido pelo Conselho Nacional de Assistência Social, nos termos da lei; e (grifei)

b) comprovante de entrega da Declaração de Informações Econômico-fiscais da Pessoa Jurídica - DIPJ, como entidade imune ou isenta, fornecido pelo setor competente do Ministério da Fazenda.

Avista-se destes dispositivos que entidade sem fins lucrativos e beneficentes exercem atividades econômicas, sendo esta a empatia entre elas. O que lhes veda somente é auferir lucros e isto demonstra o acerto do que foi explicado antes.

Na CLT, portanto, leia-se entidade sem fins lucrativos em sentido amplo, de tal modo que a dispensa pela metade do depósito recursal (CLT, art. 899, § 9) estende-se, também, às beneficentes que não são filantrópicas.

Constitui, assim, verdadeira inversão de significados a equiparação de filantropia e beneficência, máxime, por fim, com o que se denota da referida portaria. 

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Sobre o autor
Leonardo Emrich Sá Rodrigues da Costa

Analista Judiciário do TRT-SC (Lotado no gabinete do Desembargador Wanderley Godoy Jr.). Especialista em Direito e Processo do Trabalho. Professor na Universidade de Rio Verde-GO, ministrando a disciplina Processo Civil. Ex-Advogado inscrito na OAB-GO 33.165. E-mail: [email protected]. Instagram: @emrich_sa

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COSTA, Leonardo Emrich Sá Rodrigues. Entidade filantrópica e reforma trabalhista: contribuições críticas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5614, 14 nov. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/70096. Acesso em: 2 nov. 2024.

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