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Anotações sobre a transação civil

07/10/2019 às 15:56

Resumo:


  • No direito romano, a transação era um contrato inominado que visava extinguir uma obrigação mediante renúncia a um direito em litígio com compensação; já no direito brasileiro moderno, é um negócio jurídico bilateral que busca extinguir ou prevenir litígios por meio de concessões mútuas.

  • A transação no direito brasileiro é regulada pelo Código Civil de 2002 e exige capacidade para a vida civil, existência de litígio ou dúvida, intenção de resolver a incerteza e reciprocidade de concessões.

  • A jurisprudência do STJ reconhece que a quitação em uma transação só abrange as parcelas efetivamente quitadas e que a transação entre credor e devedor, sem anuência dos fiadores, pode extinguir a garantia fidejussória anteriormente concedida.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Saiba um pouco mais sobre a transação civil, adotada como uma das formas de extinção das obrigações.

I – PECULIARIDADES DO INSTITUTO NO DIREITO ROMANO E NO DIREITO BRASILEIRO

No direito romano, a transação era um contrato inominado, uma convenção pela qual uma pessoa, mediante um equivalente, renuncia a um direito contestado, quer um processo já iniciado, quer por iniciar.

A transação destinava-se a extinguir uma obrigação, por ser uma convenção em que alguém renunciava a um direito em litígio, recebendo, porém, uma retribuição. 

Afirmam os autores que a transação, no direito clássico, não era válida se feita post rem iudicatam, depois da sentença do juiz, mas o direito pós-clássico admitia a transação super iudicato, se feita entre a apelação e a sentença de última instância.

No direito clássico, a transação era um pacto nu que gerava ação apenas se acompanhada de uma stipulatio; era normalmente sancionada por uma exceção (exceptio negotti transacti) e uma réplica.

No direito pós-clássico era sancionada por uma actio praescriptis verbis e sob Justiniano se tornou um contrato inominado.

A partir do direito justinianeu surge a estrutura, tal qual se nos apresenta hoje, dos contratos inominados, classificados em quatro espécies, a saber:

a)"dou para que dês", ou ut des – tanto a prestação quanto a contraprestação estão vinculadas à entrega de uma coisa pela outra, ou seja, uma "troca";

b)"dou para que faças", ou ut facias - a prestação se vincula à entrega de uma coisa, e a contraprestação a um comportamento, uma "doação com encargo";

c)"faço para que dês", ou facio ut des – situação inversa da ut facias, isto é, a prestação está vinculada a um comportamento, e a contraprestação à entrega da coisa;

d)"faço para que faças", ou facio ut facias – nesta modalidade de contrato inominado, ambas obrigações se vinculam a um comportamento.

Os contratos inominados têm como requisitos o acordo de vontades quanto à prestação e a contraprestação equivalente, e a execução unilateral do acordo, que faz gerar a pretensão quanto à execução da contraprestação.

Modernamente, a transação civil é vista como um negócio jurídico que se realiza por meio de um acordo de vontades e tem por objeto extinguir a obrigação. É visto como um acordo liberatório com a finalidade de extinguir ou prevenir litígios, por via de concessões recíprocas das partes. Seria então definida:

  1. Como um negócio jurídico bilateral;
  2. Que visa à extinção ou prevenção de um litígio, sem o que o negócio não constituiria uma novação, mas um ato constitutivo de direitos, ou um pagamento. Era a palavra de Ulpiano para o direito romano: “Qui transigit, quase de re dúbia et lite incerta neque finita transigit: qui vero pacistur, donationis causa rem certam indubitatem liberalitate remitit”(Digesto, Livro II, titulo XV, tr.1).
  3. Que tem reciprocidade das concessões, cuja falta importa em configurar-se uma doação, ou uma dação em pagamento, ou uma remissão de dívida, conforme o caso. Esse é o seu aspecto essencial;
  4. Pela existência de pretensões das partes, qualquer que seja o conhecimento da situação real dos interessados.

A transação além de ato convencional ou consensual é vista como indivisível e restrita. A ineficácia de qualquer das cláusulas da transação induz a nulidade do todo. O atual Código Civil de 2002, no artigo 848, parágrafo único, diz que a transação tem caráter de indivisível. 

Como tal é negócio jurídico declaratório. 

Vigora o princípio de que deve ser entendida de forma estrita.

Deve ser vista em sua dupla natureza, modernamente: ato extintivo da obrigação e ainda de negócio jurídico.

A transação pode ser judicial(se for realizada no curso do processo, recaindo sobre direitos contestados em juízo - artigo 842, segunda parte) ou extrajudicial. Se realizada em juízo, sentença de mérito,  fará a transação coisa julgada material e formal. Seu efeito é declaratório, pois apenas declara e reconhece direitos existentes(artigo 843 do Código Civil). 

Seus vícios podem trazer a nulidade absoluta ou relativa do negócio jurídico. 

Se versar, atualmente, no direito brasileiro, a transação envolvendo bens imóveis essencialmente virá na forma de escritura pública.

O objeto da transação é restrito aos direitos patrimoniais não se podendo transigir quanto a direitos não-patrimoniais, tais como os de família puros(legitimidade do filho, validade do casamento, regime de bens no matrimônio, direito a alimentos). Ainda não comportam a transação: condições de validade do testamento, proteção à economia popular.

A validade da transação não depende da equivalência das prestações, da correspondência dos sacrifícios ou da igualdade das concessões; isto é, não implica proporcionalidade do dano, retirado ou prometido(RTJ 59: 923). 

Não cabe transigir sobre o status familiae.

A lei proíbe a transação por importar renúncia de direitos: a) ao tutor e ao curador, referentemente a negócios do tutelado e do curatelado(artigo 1.748, III e 1.774), a não ser que a transação seja no interesse deles e desde que haja a autorização judicial expressa, decidindo a conveniência da transação; b) aos pais, quanto aos bens e direitos de seus filhos menores, salvo a prévia autorização do juiz(RT 146: 266; 236: 1.774), ao mandatário sem poderes especiais e expressos(CC art. 661, parágrafo primeiro do CPC de 1973, art. 38, com a redação da Lei 8.952/94, e parágrafo único, acrescentado pela Lei n. 11.419/2006); d) aos procuradores fiscais e judiciais das pessoas jurídicas de direito público interno; e) ao representante do Ministério Público; f) à pessoa casada, exceto no regime de separação absoluta(CC, artigo 1.647), sem o consentimento do outro cônjuge, desde que a transação seja relativa a imóveis(RT 112: 639); g) ao sócio que não tenha administração da sociedade(CC, artigos 1.010 e 1.021); h) ao inventariante, no caso do art. 992, II, do Código de Processo Civil de 1973); i) ao administrador judicial sobre obrigações e direitos da massa falida, salvo autorização judicial e audiência do comité e do devedor no prazo comum de dois dias(Lei n. 11.101/2015, artigo 22, parágrafo terceiro). 

Por sua vez, a evicção da coisa recebida ou renunciada por um dos transatores gera-lhe o direito de reclamar perdas e danos, sem reviver a obrigação extinta. Teixeira de Freitas se pronunciava de  forma contrária(Esboço, art. 1211), encontrando apoio no direito romano: “Si tamen res ipsas apud  te constitutas, ob quarum questionem litis intercessit decisio, fiscus vel alius a te vindicavit; nihil potere potest”, reproduzido no código  civil da Argentina, artigo 854.

Com a transação previne-se ou extingue-se o litígio, havendo intenção de pôr termo à res dubio ou litigiosa. 

Será lícito adjetivar-lhe a cláusula penal pagável por aquele que a infringir (Código Civil, artgigo 847). 

No Código Civil de 2002 a transação é disciplinada como contrato típico, no Capítulo XIX, do Título VI do Livro I. Não é portanto, tratada como efeito das obrigações, como o era no Código Civil de 1916. 

Assim determina o artigo 840 do Código Civil de 2002: 

Art. 840. É lícito aos interessados prevenirem ou terminarem o litígio mediante concessões mútuas.

Por ser um negócio jurídico bilateral a transação, como acordo de vontades,  exige capacidade genérica para a vida civil e capacidade de disposição e ainda: existência de litigio ou dúvida, intenção de pôr termo à res dubia ou litigiosa, reciprocidade de concessões e prevenção ou extinção do litigio. 


II – CONCEITO E NEGÓCIO JURÍDICO

A  transação é o negócio jurídico bilateral em que duas ou mais pessoas acordam em concessões recíprocas, com o propósito de pôr termo a controvérsia sobre determinada e determinadas relações jurídicas, seu conteúdo, validade, extensão e eficácia.

Não exclui a transação o ser incerta, apenas, a existência futura.

Na transação civil, qualquer que seja a razão da controvérsia em juízo ou fora dele, o que importa é ter havido prestação e contraprestação, partindo-se da posição assumida, na própria controvérsia, por um e outro dos contraentes.

Assim a extinção da dívida, da obrigação, da ação ou da exceção pode dar-se pela transação.

Na doutrina alemã, como ensinou Pontes de Miranda (Tratado de direito privado, tomo XXV, Bookseller, pág. 154), houve quem somente visse na transação a sentença, isto é, o que, em verdade, só às vezes a recobre, pela homologação, como dizia C. Risch. No direito processual civil, é admissível que se veja mais a decisão que o negócio jurídico, a que ela se refere, como disse O. Bülow (Absolute Rechtskraft des Urteils).

O Código Civil inseriu-a no direito das obrigações, não como efeito da extinção, como fazia o Código Civil de 1916, nos artigos 1.025 a 1.036. Mas a transação é negócio jurídico jurídico bilateral que afasta disputa ou dúvida (incerteza) entre os dois contraentes, a respeito de relações jurídicas existentes entre os dois contraentes, a respeito de relações jurídicas existentes entre eles. Não se confunde com a liquidação. Liquidar não é transigir.

Ainda para Pontes de Miranda (obra citada, pág. 159), “é fácil apontar-se a transação como negócio jurídico declarativo. Em verdade, trata-se de negócio jurídico bilateral de modificação”. Por ele, algo se aumenta ao mundo jurídico para se eliminar litígio ou incerteza.

Observe-se o que determina o artigo 850 do Código Civil:

Art. 850. É nula a transação a respeito do litígio decidido por sentença passada em julgado, se dela não tinha ciência algum dos transatores, ou quando, por título ulteriormente descoberto, se verificar que nenhum deles tinha direito sobre o objeto da transação.

É ineficaz, relativamente, a transação a respeito de litígio decidido por sentença passada em jugado, se dela não tinha ciência algum dos transatores; e ineficaz absolutamente, quando, por título ulteriormente descoberto, se verificar que nenhum deles tinha direito sobre o objeto da transação.

Se algum dos transatores ignorava a coisa julgada, a ineficácia relativa da transação cria-lhe, não direito formativo extintivo, nem direito de impugnação, mas direito de exceção contra a pretensão oriunda da transação, ou contra a execução da transação. Mas é preciso que a coisa julgada tenha sido sobre o ponto que se considerava res dúbia.

Não se disse que a coisa julgada impede a transação. O que atinge a transação é ignorarem a existência da coisa julgada todos ou alguns ou um dos transatores, ou a evidência de que nenhum dos litigantes tinha direito ao objeto da transação.

O erro faz anulável a transação, como acontece aos demais negócios jurídicos bilaterais. Porém, o artigo 850 do Código Civil vai além: se o contraente (transator) desconhece a res iudicata sobre o objeto da controvérsia, ou se vem a descobrir que nenhum dos transatores tinha direito sobre o objeto do litígio, há ineficácia, e não nulidade, nem anulabilidade.

O negócio é de concessões mútuas e não se trata de algo meramente declarativo.

Quem mutuamente concede não declara, ou declara e constitui. Pode-se constituir, negativa ou positivamente; não se pode atribuir a um o que está em nome de outrem e dependeria de acordo de transmissão. O negócio jurídico transacional não pode pôr nenhum plus, que importe a transação de direitos para o qual se precisaria de tradição ou registro ou qualquer ato de execução.

A transação não pode ser confundida com a desistência, nem com a renúncia, trazida ou produzida no processo. Se há renúncia a pretensão de direito material, por parte do autor, e renúncia à pretensão de direito material, res deducta da reconvenção, por parte do demandado, então se pode falar de transação. Ainda haverá transação se o demandado reconhece a pretensão do autor e o demandante a do demandado e ambos desistirem da ação e da reconvenção; ou se o demandado reconhece a pretensão do demandante e esse acorda em receber em quotas, ou sem juros, ou por alguma tabela de amortização, o que lhe é devido.

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De toda sorte, a bilateralidade é essencial à transação judicial como à extrajudicial. Tem de referir-se à res in iudicium deducta.

Assinale-se que acordo abstrato de terminação do processo não é transação.

Se há litisconsórcio necessário, ainda aí a transação de um dos litisconsortes com a parte contrária, não tem eficácia para alteração da decisão, se não se tem a eficácia segundo o direito material.

O direito processual civil brasileiro tem-se a desistência que é negócio jurídico processual, abstrato, unilateral e admitido ainda depois do decurso do prazo para a resposta. O certo é que a transação não se confunde com a desistência, nem a transação é contrato abstrato de terminação do processo.

Aliás, uma das consequências de ser a eficácia extintiva da transação dependente da homologação está em que , com a desconstituição da homologação, continua o processo, que se trata como se não tivesse havido o efeito extintivo.

Em termos de direito material, o negócio jurídico da transação pode ser formalmente uno(escritura pública ou particular) em que tomaram parte todos os interessados, ou termo nos autos em que todos figuram) ou por oferta e aceitação concebidas, por escritura pública ou particular em momentos diferentes.

Se a transação é sujeita a termo ou condição, a homologação somente se há de dar após o advento do termo ou do implemento da condição.

Lembre-se que as nulidades e anulabilidades da transação são as de direito material.

Discute-se o problema da ineficácia do negócio jurídico da transação.

Se ocorre algum dos casos de ineficácia do negócio jurídico da transação, não se precisa, para as consequências do direito material, de declaração judicial, nem de mandado judicial. Entretanto, uma vez que houve a homologação judicial, será necessário que, o processo, se ainda pende, ou em ação declaratória de ineficácia, se obtenha da justiça a declaração. Se o processo foi dado por transação, a declaração pode ser medida, mediante uma nova citação, no processo mesmo, porque se atribuiu à transação eficácia que ainda não tinha.

Se houver sentença homologatória, no Código de Processo Civil de 1973, atendia-se ao disposto no artigo 486 do CPC.

Esse artigo referia-se à rescisão, mas há anulação do ato jurídico de direito material coberto pelo ato processual de homologação.


III - JURISPRUDÊNCIA DO STJ 

Destaco abaixo os seguintes julgados. 

SEGUNDA SEÇÃO

DIREITO CIVIL. PREVIDÊNCIA PRIVADA. RESTITUIÇÃO DE CONTRIBUIÇÕES. QUITAÇÃO GERAL EM TRANSAÇÃO. ABRANGÊNCIA DAS VERBAS. RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC E RES. N. 8/2008-STJ)

A quitação relativa à restituição, por instrumento de transação, somente alcança as parcelas efetivamente quitadas, não tendo eficácia em relação às verbas por ele não abrangidas, de modo que, se os expurgos não foram pagos aos participantes que faziam jus à devolução das parcelas de contribuição, não se pode considerá-los saldados por recibos de quitação passados de forma geral. Assim, a existência de transaçãoextrajudicial, realizada de forma geral, relativamente aos valores resgatados pelos participantes de plano de benefícios de previdência privada, não acarreta, em regra, a renúncia ao direito de diferenças da correção monetária não pagas, tampouco extinção dessa obrigação. Precedentes citados: AgRg no AREsp 177.942-MG, DJe 29/6/2012, e AgRg no Ag 1.136.546-DF, DJe 17/3/2010. REsp 1.183.474-DF, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 14/11/2012.

Informativo nº 0504. Período: 10 a 19 de setembro de 2012.

QUARTA TURMA

NOVO PACTO ENTRE CREDOR E DEVEDOR SEM ANUÊNCIA DOS FIADORES. ILEGITIMIDADE PASSIVA DOS FIADORES NA EXECUÇÃO.

transação entre credor e devedor sem a anuência do fiador com a dilação do prazo para o pagamento da dívida extingue a garantia fidejussória anteriormente concedida. Com base nesse entendimento, a Turma deu provimento ao recurso especial para acolher a exceção de pré-executividade oferecida em primeiro grau e, por conseguinte, determinar a exclusão dos fiadores do polo passivo da ação de execução. No caso, não obstante a existência de cláusula prevendo a permanência da garantia pessoal no novo pacto, a responsabilidade dos fiadores está limitada aos exatos termos do convencionado na obrigação original - ao qual expressamente consentiram - visto que a interpretação do contrato de fiança deve ser restritiva (art. 1.483 do CC/1916). Além disso, asseverou o Min. Relator que a extinção da garantia teria ocorrido com base em duplo fundamento, qual seja, a ocorrência da transação e moratória simultaneamente. Conquanto a transação e a moratória sejam institutos jurídicos diversos, ambas têm o efeito comum de exoneração do fiador que não anuiu com o acordo firmado entre credor e devedor (art. 838, I, do CC). Considerou-se, ainda, como parâmetro, o enunciado da Súm. 214 do STJ, a qual, apesar de se referir a contratos de locação, pode ser aplicada por extensão à situação dos fatos, pois a natureza da fiança é a mesma. REsp 1.013.436-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 11/9/2012.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. Anotações sobre a transação civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5941, 7 out. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/70544. Acesso em: 21 dez. 2024.

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