No dia 23 de novembro do ano de 2016, o Supremo Tribunal Federal iniciou o julgamento da 12ª. Questão de Ordem na Ação Penal nº. 470, o Mensalão, em que se discutia se a multa resultante de sentença condenatória tinha natureza penal e devia ser executada pelo Ministério Público junto à Vara de Execuções Penais, ou devia ser considerada apenas dívida de valor a ser cobrada pela Fazenda Pública.
O Ministério Público sustentava ter legitimidade prioritária para exigir o valor das multas perante a Vara de Execução Penal, conforme estabelece o art. 164 da Lei nº. 7.210/84 – Lei de Execução Penal.
Em sentido oposto, a União defendia que esse artigo foi revogado pela Lei nº. 9.268/96, quando alterou a redação do art. 51 do Código Penal e revogou expressamente o art. 182 da Lei de Execução Penal, e passou a considerar a multa como dívida de valor, devendo ser cobrada pela Fazenda Pública, por meio da Procuradoria Geral de Fazenda Nacional, ou pela Procuradorias estaduais, conforme o caso, sendo inadmissível, doravante, a conversão da multa não paga em prisão.
Para o relator da Ação Penal, Ministro Luís Roberto Barroso, “a alteração no Código Penal em considerar a multa como dívida de valor não retirou dela a natureza penal. Nesse sentido, lembrou julgamentos de agravos na própria AP 470 em que o Plenário reconheceu a necessidade de pagamento para a obtenção da progressão de regime prisional, bem como a possibilidade de regressão de regime em caso de não pagamento da multa.”
Segundo ele, “a própria Constituição Federal incumbiu o Ministério Público da titularidade da ação penal e a ele impõe o dever de fiscalizar a execução da pena”, acrescentando “que o art. 164 da Lei de Execução Penal é expresso em atribuir essa legitimidade ao Ministério Público.”
Em seu voto, destaca-se o seguinte:
a) O Ministério Público é o órgão legitimado a promover a execução da pena de multa perante a Vara de Execuções Penais;
b) Caso o titular da ação penal, devidamente intimado, não proponha a execução da multa no prazo de 90 dias, o Juiz da Vara de Execuções Penais dará ciência ao órgão competente da Fazenda Pública, que procederá à cobrança na própria Vara de Execução Fiscal, com base na Lei da Dívida Ativa;
c) Deu-se uma interpretação conforme a Constituição ao art. 51 do Código de Penal para explicitar que a expressão “aplicando-se-lhes as normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública”, não exclui a legitimação prioritária do Ministério Público para a cobrança da multa na Vara de Execução Penal.
Neste sentido, o relator foi acompanhado pelo Ministro Dias Toffoli, acrescentando o fato de que “a mudança em relação à natureza penal da multa poderia implicar até mesmo questões de inelegibilidade previstas na Lei Complementar nº. 64/1990”, citando, como exemplo, “a abertura do prazo de oito anos de inelegibilidade a ser contado a partir do cumprimento da pena, incluído o pagamento integral da multa.”
Naquela oportunidade, o Ministro Marco Aurélio antecipou seu voto para divergir do relator, por entender que “no caso não pode ocorrer a legitimação concorrente para a execução da multa”, pois “são juízos diferentes para o acompanhamento da execução da multa – um penal e o outro fiscal.”
Segundo ele, “a partir do momento em que haja o trânsito em julgado do título condenatório, não se tem mais uma pena em termos de processo crime a ser executada, quanto à multa imposta, mas sim uma dívida de valor, uma dívida ativa da Fazenda”, salientando ainda “que a mudança no Código Penal não permite mais a transformação da multa em prisão e que a manutenção da natureza penal da multa pecuniária decorrente de condenação penal com trânsito em julgado é, na prática, a manutenção da prisão por dívida, contrariando jurisprudência já firmada pelo Supremo Tribunal Federal e violando o Pacto de São José da Costa Rica sobre Direitos Humanos.”
A sessão foi suspensa com um pedido de vista do Ministro Edson Fachin, retomando o seu julgamento no último dia 12 de dezembro, quando também foi julgada a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 3150, de relatoria do Ministro Marco Aurélio, que pedia a declaração de inconstitucionalidade do art. 51 do Código Penal. Nesta ação, o relator votou pela improcedência da ação, pois, segundo ele, “o legislador fez uma opção política de alterar a disciplina para a pena de multa, transformando a sanção em dívida de valor.”
Para ele, “a alteração ocorrida é harmônica com o pronunciamento do Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário nº. 349703, em que se proclamou a impropriedade da prisão por dívida. Ele destacou que a inclusão da multa na dívida ativa, com a cobrança efetuada exclusivamente pela Fazenda Pública, evita que eventual inadimplemento por parte de pessoas sem condições financeiras resulte em restrição à liberdade.”
Salientou, ademais, “que a titularidade do Ministério Público na ação penal não foi alterada, apenas o sistema de cobrança da multa que, deixando de ter conotação penal, com sua transformação em dívida ativa, passa a ser de responsabilidade da Fazenda Pública”, ressaltando “que caso o Ministério Público seja responsável pela cobrança de dívida ativa haverá conflito com normas constitucionais, pois este passará a substituir a Fazenda Pública.”
Em seu voto-vista na Questão de Ordem, o Ministro Edson Fachin, acompanhando parcialmente a divergência aberta pelo Ministro Marco Aurélio, afirmou que, “depois de convertida em dívida ativa, o inadimplemento da pena de multa não pode motivar a regressão de regime de cumprimento de pena nem representar obstáculo à progressão penal”, pois “essas hipóteses configurariam a prisão por dívida, que o Supremo Tribunal Federal já julgou inconstitucional.” Nada obstante, considerou “que a pena imposta na condenação só pode ser extinta após o cumprimento da pena privativa de liberdade e o pagamento da dívida.”
Já em relação à Ação Direta de Inconstitucionalidade, o Ministro Edson Fachin acompanhou o relator pela sua improcedência, afirmando que “a alteração no Código Penal é constitucional, pois apenas aponta como marco para inclusão na dívida ativa a pena de multa que não tiver sido paga espontaneamente pelo sentenciado 10 dias após o trânsito em julgado da condenação.”
Para o Ministro Fachin, “com a modificação, a legitimidade da cobrança de multa imposta em sentença condenatória passou a ser exclusiva da procuradoria da Fazenda Pública, detentora de legitimidade para atuar na execução fiscal”, não havendo “risco de que a multa deixe de ser cobrada, ainda que o valor seja pequeno, pois essa modalidade de dívida não segue o patamar mínimo da Fazenda Pública para a inclusão de débitos em dívida ativa.”
A sessão foi suspensa e foram retomados os julgamentos no dia seguinte, 13 de dezembro. Nesta sessão, finalmente, por maioria de votos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal definiu (mal) que o Ministério Público é o principal legitimado para executar a cobrança das multas pecuniárias fixadas em sentenças penais condenatórias que, por ter natureza de sanção penal, a competência da Fazenda Pública para executar essas multas se limita aos casos de inércia do Ministério Público.
A sessão iniciou-se com a leitura do voto do Ministro Roberto Barroso, que reafirmou o seu entendimento apresentado na Questão de Ordem, no sentido da procedência parcial da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 3150. Segundo ele, “o fato da nova redação do art. 51 do Código Penal transformar a multa em dívida de valor não retira a competência do Ministério Público para efetuar sua cobrança”, lembrando “que a multa pecuniária é uma sanção penal prevista na Constituição Federal (art. 5º., XLVI, “c“), o que torna impossível alterar sua natureza jurídica por meio de lei e que a Lei de Execuções Penais, em dispositivo expresso, reconhece a atribuição do Ministério Público para executar a dívida.”
Ademais, “o fato do Ministério Público cobrar a dívida, ou seja, executar a condenação, não significa que ele estaria substituindo a Fazenda Pública”, pois “a condenação criminal é um título executivo judicial, sendo incongruente sua inscrição em dívida ativa, que é um título executivo extrajudicial.”
Assim, ratificando o voto proferido na 12ª. Questão de Ordem, afirmou que, “caso o Ministério Público não proponha a execução da multa no prazo de 90 dias após o trânsito em julgado da sentença, o juízo da vara criminal comunicará ao órgão competente da Fazenda Pública para efetuar a cobrança na vara de execução fiscal”, sendo que “a prioridade é do Ministério Público, pois, antes de ser uma dívida, é uma sanção criminal.”
Seguiram esse entendimento os Ministros Alexandre de Moraes, Rosa Weber, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli. Ficaram vencidos os Ministros Marco Aurélio e Edson Fachin, que votaram pela improcedência da Ação Direta de Inconstitucionalidade por entenderem ser competência da Fazenda Pública a cobrança da multa pecuniária.
Assim, a Ação Direta foi julgada parcialmente procedente para dar interpretação conforme a Constituição ao art. 51 do Código Penal, explicitando que, “ao estabelecer que a cobrança da multa pecuniária ocorra segundo as normas de execução da dívida pública, não exclui a legitimidade prioritária do Ministério Público para a cobrança da multa na vara de execução penal.”
Já a Questão de Ordem foi resolvida no sentido “de assentar a legitimidade do Ministério Público para propor a cobrança de multa com a possibilidade de cobrança subsidiária pela Fazenda Pública.”
Pois bem.
Como se sabe, com a promulgação da Lei n.º 9.268/96 foram modificados alguns dispositivos do Código Penal, especificamente os arts. 51, 78, 92 e 114, além de ter sido revogado expressamente o art. 182 da Lei de Execuções Penais, impedindo-se a conversão da pena de multa (não adimplida) em pena privativa de liberdade.
Com a inovação legislativa, o art. 51 passou a prescrever que, “transitada em julgado a sentença condenatória, a multa será considerada dívida de valor, aplicando-se-lhe as normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição.”
O escopo principal da referida lei foi, sem sombra de dúvidas, excluir do nosso ordenamento jurídico (ainda que tardiamente) a injustificável conversão da pena pecuniária em privativa de liberdade, inclusive nas contravenções penais (art. 9o. da Lei das Contravenções Penais).
Com a mudança, e ante a impossibilidade absoluta da odiosa conversão, restou a polêmica, agora (mal) encerrada no Supremo Tribunal Federal, a respeito de qual seria o órgão com atribuições para a execução da pena de multa criminal: a Fazenda Pública ou o Ministério Público.
Sempre entendi que tal atribuição era da Fazenda Pública, pois, ao dizer que a multa será considerada dívida de valor e que na sua cobrança serão aplicadas as normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública, a lei determinou que a sentença condenatória passasse a ser, após a devida inscrição na dívida ativa, executada pela Fazenda Pública.
É evidente que não se quer dizer que a partir de então a multa passou a ser um crédito de natureza tributária. Evidentemente que não. Ocorre que a dívida ativa da Fazenda Pública não se resume aos créditos tributários, mas compreende, também, os de natureza diversa: é a dívida ativa não-tributária (ambos são previstos pela Lei n.º 6.830/80, art. 2º., caput, e seu § 2º.). É exatamente nesta última classe de créditos que se enquadra a multa aplicada em sentença condenatória penal, configurando-se receita diversa da tributária.
Muito clara, a propósito, é a redação do § 2º., do art. 39, da Lei n.º 4.320/64, que traça as normas gerais de Direito Financeiro: “Dívida Ativa Tributária é o crédito da Fazenda Pública dessa natureza, proveniente de obrigação legal relativa a tributos e respectivos adicionais e multas, e Dívida Ativa não Tributária são os demais créditos da Fazenda Pública, tais como os provenientes de empréstimos compulsórios, contribuições estabelecidas em lei, multa de qualquer origem ou natureza, exceto as tributárias, foros, laudêmios, alugueis ou taxas de ocupação, custas processuais, preços de serviços prestados por estabelecimentos públicos, indenizações, reposições, restituições, alcances dos responsáveis definitivamente julgados, bem assim os créditos decorrentes de obrigações em moeda estrangeira, de sub-rogação de hipoteca, fiança, aval ou outra garantia, de contratos em geral ou de outras obrigações legais.”
Portanto, em face do disposto no art. 2º. da Lei n.º 6.830/80, que dispõe sobre a cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública, a dívida ativa resulta, também, de quaisquer outros débitos para com o Erário, incluindo-se, então, a multa aplicada em sentença penal condenatória; neste caso, a dívida ativa diz-se não tributária.
De qualquer forma, seja dívida ativa tributária ou não, para que ela possa ser cobrada judicialmente é imprescindível que o respectivo título esteja devidamente inscrito, e que o crédito a ser recebido seja líquido, certo e exigível, tal como o é, por exemplo, a multa penal.
Comentando a respeito do assunto, José da Silva Pacheco pergunta: “Só abrange a dívida ativa a fixada por lei federal, ou pode abranger toda e qualquer dívida ativa, desde que, por força de lei administrativa, federal, estadual ou municipal, seja inscrita em livro próprio?”[1]
Depois de responder afirmativamente, o autor adverte que deve a Fazenda Pública considerar também necessária a inscrição regular daquela dívida de natureza não-tributária. Este mesmo autor, comentando agora a Lei de Execução Fiscal, afirma que a dívida ativa não tributária “abrange os demais créditos da Fazenda Pública, tais como os decorrentes de empréstimos compulsórios, contribuições fixadas em lei, multas de qualquer origem ou natureza, desde que não sejam tributárias, foros, laudêmios, aluguéis ou taxas de ocupação, custas processuais.”[2]
A propósito, Seabra Fagundes escreveu que “as dívidas ativas do Erário podem ser de duas espécies: dívidas fiscais propriamente ditas e dívidas fiscais por equiparação legal às fiscais por força de lei.”[3]
Observa-se, ainda, que o Decreto n.º 10.902, de 1914, já enumerava três espécies de dívidas ativas da Fazenda Pública, e, entre elas, estava a “dívida equiparada à fiscal por força de lei.”
Ora, a Lei n.º 9.268/96, ao modificar o art. 51 do Código Penal, passou a considerar a multa aplicada na sentença criminal condenatória como dívida de valor, dívida ativa da Fazenda Pública. Aliás, a redação do citado dispositivo da Lei Penal, como vimos acima, é clara ao se referir “à dívida de valor, dívida ativa, Fazenda Pública e legislação específica.”
Já na Exposição de Motivos desta lei, vislumbra-se, claramente, que a preocupação do legislador foi adotar um procedimento mais célere e mais eficiente, exatamente o previsto na Lei n.º 6.830/80 (Diário do Congresso Nacional, 24/08/95, p. 19.427).
Note-se que por força do art. 5º. da Lei n.º 6.830/90, a competência para julgar a execução da dívida ativa da Fazenda Pública exclui a de qualquer outro juízo, inclusive o da Vara de Execuções Penais.
Costa e Silva, por sua vez, já escreveu: “Destarte, constituem dívida ativa, além da tributária, as provenientes de (...) multas de tributos e de outras origens. Portanto, qualquer valor cuja a cobrança seja atribuída por lei à União, aos Estados, ao Distrito Federal, aos Municípios e respectivas autarquias, será considerado Dívida Ativa da Fazenda Pública, não importa a origem, tributária ou não tributária, contanto que submetida à prévia inscrição, consoante veremos seguidamente.”[4]
Ressalte-se que na cobrança da multa, a Fazenda Pública estará atuando como um ente do Estado/Administração, fazendo valer um título executivo proveniente do Estado/Juiz; ambos pertencem ao Estado, detentor do poder de punir.
Neste sentido, veja-se a lição de Fábio Fanucchi: “Desde o instante em que o Estado obrigue o indivíduo a um pagamento em moeda tendo como motivo e razão exclusiva a prática de um ato ilícito (prática de crime ou contravenção, inobservância de preços tabelados, falta de fornecimento de dados exigidos em lei, atraso ou não pagamento de tributos etc.), não estará exercendo seu poder tributante mas, isto sim, outro tipo de autoridade (jus puniendi).”[5]
Também assim escreveram Paulo José da Costa Jr. (“Inscrita a dívida correspondente à pena pecuniária, será ela cobrada tal qual um crédito tributário, mediante execução fiscal”[6]) e Romeu de Almeida Salles Jr. (“A execução da multa não se faz mais conforme os arts. 164 e s. da Lei de Execução Penal, devendo ser promovida pela Fazenda Pública e não pelo Ministério Público.”[7]).
Aliás, adotando este entendimento, o Superior Tribunal de Justiça chegou a aprovar o Enunciado 521, agora superado: “A legitimidade para a execução fiscal de multa pendente de pagamento imposta em sentença condenatória é exclusiva da Procuradoria da Fazenda Pública.”
Não se diga que, sendo dívida de valor, a execução da multa atingiria os herdeiros do condenado, ferindo o disposto no art. 5º., XLV, segundo o qual “nenhuma pena passará da pessoa do condenado.” Tal dispositivo não pode ser considerado óbice ao entendimento ora posto, pois “o fato de ser uma dívida de valor decorrente de uma multa penal, a ser cobrada dos herdeiros do de cujus, respeitados os limites das forças da herança, não a faz incidir sobre o patrimônio do herdeiro antes da aquisição da herança, o que, aí sim, configurada uma inconstitucionalidade, pois faria incidir sobre o patrimônio de pessoa diversa o efeito da condenação criminal de natureza pecuniária. E nem se objete com o argumento de que a aquisição do acervo hereditário se dá na data do óbito, pois tal fato não influencia o raciocínio, haja vista que o monte partível herdado no momento da abertura da sucessão, que corresponde à data do óbito, pelos herdeiros, consiste no acervo resultante dos créditos, diminuídos dos débitos existentes à época do óbito, o que será apurado ao depois, na forma da legislação em vigor.”[8]
Também não contraria este entendimento o fato de que a Lei Complementar n.º 79/94, que criou o Fundo Penitenciário Nacional – FUNPEN, determina, no seu art. 2º., V, que constitui recurso do FUNPEN as “multas decorrentes de sentenças penais condenatórias com trânsito em julgado.”. Assim, a receita proveniente da execução fiscal da multa iria para um Fundo Nacional, mesmo tendo sido cobrada pela Fazenda Estadual. Observa-se, no entanto, que a citada lei complementar foi regulamentada pelo Decreto n.º 1.093/94 que determina que os recursos constitutivos do FUNPEN (entre os quais estão as multas criminais) serão depositados pelos respectivos gestores públicos, responsáveis ou titulares legais. Nada impede, portanto, que a Fazenda Estadual execute a dívida e remeta ao FUNPEN o produto da arrecadação, mesmo porque tais recursos poderão reverter, novamente, aos cofres estaduais, tal como expressamente previsto no art. 6º., do mesmo decreto, tudo a depender de “acordos, convênios, ajustes ou qualquer outra modalidade estabelecida em lei.” (arts. 5º. e 6º.).
Outro argumento desfavorável a este entendimento seria a impossibilidade do executado, em uma vara sem competência criminal (como são as varas da Fazenda Pública), poder arguir em sua defesa matéria pertinente à nulidade do processo penal originário. Acontece que o § 2º., do art. 16, da Lei n.º 6.830/80, prevê a possibilidade de que o executado, no prazo dos embargos, alegue toda a matéria útil à defesa, inclusive podendo “requerer provas e juntar aos autos os documentos e rol de testemunhas.”
Por tudo quanto exposto, entendemos equivocada a posição adotada pelo Supremo Tribunal Federal, especialmente porque contém uma contradição em si mesma, a saber: se a multa penal inadimplida não é dívida ativa da Fazenda Pública, não poderia, ainda que supletivamente, ser ajuizada pela Procuradoria da Fazenda, perante a Vara da Fazenda Pública (em caso de negligência do Ministério Público). Seria, mal comparando, uma “ação fiscal subsidiária”.
Ao contrário, sendo dívida de valor, conforme afirma o art. 51 do Código Penal, não poderia nunca ser executada pelo Ministério Público, muito menos na Vara de Execuções Penais, mesmo porque, conforme art. 129, IX da Constituição Federal, veda-se ao Ministério Público a “representação judicial de entidades públicas.”
Notas
[1] Tratado das Execuções – Execução Fiscal, São Paulo: Saraiva, p. 108.
[2] Comentários à Lei de Execução Fiscal, São Paulo: Saraiva, 1988, p. 10.
[3] O Controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciário, Rio de Janeiro: Forense, 3ª. ed., p. 355.
[4] Teoria e Prática do Processo Executivo Fiscal, AIDE Editora, 2ª. ed., p. 44.
[5] Curso de Direito Tributário Brasileiro, Vol. I, IBET, 4ª. ed., p. 53.
[6] Comentários aos Crimes do Novo Código de Trânsito, São Paulo: Saraiva, 1998, p. 40.
[7] Código Penal Interpretado, São Paulo: Saraiva, 1996, p. 108.
[8] SILVA, Antonio Cláudio Macedo, Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, n.º 17, p. 129.