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Descentralização produtiva: contexto histórico da terceirização no Brasil e suas consequências

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12/02/2019 às 08:10
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2 A Constituição Federal, os tratados internacionais e princípios constitucionais

2.1 Tratados internacionais afetados pela terceirização

Paralelamente aos parâmetros constitucionais encontram-se os de ordem internacional decorrentes de Convenções Internacionais da Organização Internacional do Trabalho - OIT e Declarações Internacionais de Direitos Humanos subscritas pelo Brasil destaca-se a Declarações e Convenções da Organização das Nações Unidas - ONU sobre direitos humanos, econômicos, sociais, culturais, inclusive os de caráter trabalhista.

A Constituição da Organização Internacional do Trabalho (OIT), aprovada em 1948, tem o seguinte preâmbulo.

(...) Considerando que existem condições de trabalho que implicam, para grande parte das pessoas, a injustiça, a miséria e as privações, o que gera um descontentamento tal que a paz e a harmonia universais são postas em risco, e considerando que é urgente melhorar essas condições(...)

(...)  à afirmação do princípio “a trabalho igual, salário igual”(...). (OIT, 1948)

É oportuno, porém, ressaltar que em 1998 a OIT sintetizou, conforme a declaração de 1988 os princípios basilares do Direito do Trabalho, por meio de oito de suas convenções internacionais, sendo que apenas a de número 87 não foi ratificada pelo Brasil. Em 1999 a OIT firmou a “Agenda do Trabalho Decente” onde foram tratados os assuntos pilares dos direitos fundamentais, do emprego, da proteção e do diálogo social.

De pronto, é evidente que a terceirização do trabalho segui este terrível caminho, onde a harmonia entre as pessoas dentro do ambiente de trabalho tenderá a diminuir progressivamente, e isso se dará em razão, também, da desigualdade entre o trabalhador da tomadora e o terceirizado no tocante ao salário, o que irá de encontro ao inciso XXIII do art. 7ª da CF, que diz, (...) a “igual remuneração por igual trabalho(...), pois é evidente que haverá uma diferença considerável entre os dois salários.

Utilizando-se do que diz a Convenção Internacional do Trabalho n. 111, que trata da discriminação entre homens e mulheres, porém trazendo para a dinâmica do trabalho terceirizado, haverá uma evidente discriminação entre trabalhadores também do mesmo sexo:

Para os fins da presente convenção: 

a) o termo "remuneração" compreende o salário ou o tratamento ordinário, de base, ou mínimo, e todas as outras vantagens, pagas direta ou indiretamente, em espécie ou " in natura " pelo empregador ao trabalhador em razão do emprego deste último; 

b) a expressão "igualdade de remuneração para a mão-de-obra masculina e a mão-de-obra feminina por um trabalho de igual valor", se refere às taxas de remuneração fixas sem discriminação fundada no sexo. (OIT, 1960)

O que a terceirização faz é diferenciar as pessoas, assim como rotular aquele que é terceirizado do que não é, ou seja, pessoas que trabalham uma ao lado da outra e possuem similaridade com relação ao trabalho serão tratados de forma diferente começando pelo tratamento, salário, passando pela parte da saúde e segurança do trabalho. Portanto, o reflexo de todo esse desrespeito ao trabalhador o desvaloriza afetando sua saúde e segurança, indo de encontro aos seus direitos humanos.

Quanto à valorização do trabalho e do emprego, a questão remuneratória está longe de ser equitativa. Vejamos o que o art. 23 do Tratado Universal de Direitos do Homem diz: “Quem trabalha tem direito a uma remuneração equitativa e satisfatória, que lhe permita e à sua família uma existência conforme com a dignidade humana, e completada, se possível, por todos os outros meios de proteção social.” 

Outrossim, utilizando-se desse tema, já sabatinado pelo STF por meio do julgamento do RE. N. 466.343, portanto fazendo parte da jurisprudência, lembramos o que disse o Eminente Ministro Gilmar Mendes:

“O Supremo Tribunal Federal acaba de proferir uma decisão história. O Brasil adere agora ao entendimento já adotado em diversos países no sentido da supralegalidade dos tratados internacionais sobre direitos humanos na ordem jurídica interna”. (PEREZ, 2014)

Reconheceu-se o status supralegal - acima de todas as normas legais e abaixo apenas da Constituição Federal -  aos Tratados Internacionais dos Direitos Humanos, por meio da decisão que recepciona no ordenamento jurídico brasileiro. Um exemplo disso foi o Pacto de São José da Costa Rica, que por ter sido recepcionado pelo ordenamento jurídico brasileiro fez com que a prisão civil do depositário infiel deixasse de ser aplicada no Brasil.

Utilizando-se das palavras proferidas pelo Ministro do STF, Sepulveda Pertence, quando do julgamento do ADI-MC n. 1.675, que também entende que as normas concernentes aos direitos humanos compreendem os direitos e garantias constitucionais e consequentemente fazem parte do rol de normas supralegais:

(...) Duas decisões do Supremo Tribunal, contudo – malgrado para concluir pela hierarquia infraconstitucional dos tratados nelas considerados – permitem antever, a contrário sensu, com relação às convenções pré-constitucionais atinentes a direitos e garantias fundamentais uma clara abertura à tendência contemplativa de atribuir status constitucional às normas internacionais de outorga e proteção dos direitos humanos(...) onde se repeliu a revogação do Pacto de São José das leis permissivas da prisão civil do depositário infiel(...)

(...) Donde ser lícito inferir – como, de resto, ficou explicito em alguns votos – que, ao contrário- as convenções sobre direitos fundamentais incorporados ao direito brasileiro antes da Constituição de 1988 foram por ela constitucionalizados(...)

(…) “parece inquestionável - e sobre isso não houve controvérsia na Adin 1480 - que os direitos sociais dos trabalhadores, enunciados no artigo 7º da Constituição, se compreendem entre os direitos e garantias constitucionais incluídos no âmbito normativo do artigo 5º, parágrafo 2º, de modo a reconhecer alçada constitucional às convenções internacionais anteriormente codificadas no Brasil” (STF, Ministro Sepulveda Pertence, 1997)

Por meio deste raciocínio do Eminente Ministro, pelo fato dos enunciados no artigo 7º da Constituição, se compreendem entre os direitos e garantias constitucionais incluídos no âmbito normativo do artigo 5º, os mesmos não poderiam tratar a terceirização com tanta discriminação e descaso, chocando com direitos construídos por décadas, com vistas a proteger o trabalhador, parte hipossuficiente e atacando seus direitos humanos, nem tampouco tirar direitos consagrados pelos tratados internacionais, aos quais o Brasil é signatário.

Com relação a Norma Internacional especificamente no Tratado Universal de Direitos do Homem em seu preambulo diz “dignidade inerente a todos os membros da família humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo”, assim como no art. 1ª que diz “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos”.

As normas para o trabalho terceirizado estão também na contramão do art. 1ª, I da Convenção n. 122, que trata da proteção e criação do emprego, aprovada e ratificada pelo Brasil:

Com vista a estimular o crescimento e desenvolvimento econômico, elevar os níveis de vida, corresponder às necessidades de mão-de-obra e resolver o problema do desemprego e do subemprego, cada Membro deverá declarar e aplicar, como objetivo essencial, uma política ativa com vista a promover o pleno emprego, produtivo e livremente escolhido.(OIT, 1964)

Por certo, no Brasil os maiores desafios são a criação do próprio emprego, bandeira defendida pelo legislador para justificar a reforma trabalhista, contudo, o resultado não foi como o esperado. Segundo dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), por meio da pesquisa Pnad Contínua o número de empregados com carteira assinada somou 32,8 milhões, redução de 483 mil pessoas em relação ao mesmo trimestre do ano passado, e de 351 mil pessoas no confronto com o trimestre de dezembro a fevereiro (Brito, 2018). Porém, mesmo que sejam criados novos postos de trabalho, não se pode perder de vista que paralelamente a eles, deve-se atender precipuamente as normas e garantam a segurança, saúde e que não haja discriminação.

2.2 Princípios constitucionais do trabalho afetados pela terceirização

Os princípios de proteção da pessoa humana e do trabalho são parte importante da Constituição Federativa do Brasil, pois, o legislador de forma muito inteligente fez constar na Carta Maior diversos dispositivos que assegurassem constitucionalmente alguns direitos do trabalhador.

Para o tópico serão utilizados os Princípios Constitucionais do Trabalho e Princípios de Direito Individual e Coletivo do Trabalho do eminente Ministro do Tribunal Superior do Trabalho, Maurício Godinho Delgado, sobretudo os que se relacionam com o instituto da terceirização no Brasil. Isso não quer dizer que os outros não sejam importantes. (Delgado, 2017)

2.3 Princípio da dignidade da pessoa humana

Este princípio é inerente a pessoal humana e traduz o seu valor diante da sociedade, independentemente dos bens materiais que possui. São qualidades da pessoa, que são intangíveis, ou seja, abrange sua personalidade, sua individualidade, sua honra, liberdade, segurança, bem-estar social, intimidade dentre outros.

É o princípio fundamental do Direito Contemporâneo e inerente a um país democrático. Este princípio abre o texto constitucional, porém é encontrado em diversos momentos para expressar outras formas de dignidade da pessoa humana.

Iniciando no art. 1º, I que perpassa pelo art. 3º, art.170, assim como pelo art. 193 onde incorpora a dignidade da pessoa humana no núcleo entendido tanto como um fundamento, um princípio, assim como um objetivo, ou seja, vai de uma visão individualista a uma social, comunitária e que afirma ainda mais a dignidade da pessoa humana como o centro (Brasil,1988.)

Portando, as normas referentes a terceirização vigentes no ordenamento jurídico brasileiro atacam essa dignidade não só na pessoa em si, mas quando inserida em um meio social, ou seja, não mais se isola o homem como um ser estritamente individual, mas social.

2.4 Princípio da centralidade da pessoa humana na vida socioeconômica e na ordem jurídica

Neste princípio a centralidade da relação de trabalho estará na pessoa e não na empresa e no capital. Vale dizer que o homem, na sua simplicidade independente de sua riqueza, é importante. O documento internacional denominado Declaração da Filadélfia afasta definitivamente a ideia de que o trabalho é uma mercadoria. Para a OIT a centralidade não é e nem pode ser o trabalho ou a mercadoria pura e simplesmente, mas sim o homem, que com a seu esforço contribui para o desenvolvimento.

A reforma trabalhista, que busca resolver um problema econômico do país, precariza o trabalho e sobretudo o trabalhador, partes mais importantes da relação de emprego e trabalho.

2.5 Princípio da valorização do trabalho e do emprego

A valorização do trabalho e do emprego é um princípio inerente ao estado democrático de direito, pois faz com que o ser humano afirme-se como pessoa humana, ou seja, sai do plano individual e parte para o social e sobretudo o familiar.

Este não está ligado ao acúmulo de riqueza, mas sobretudo está ligado umbilicalmente ao fato de garantir o mínimo social.

Conforme o art. 3º, pode-se dizer que a erradicação da pobreza perpassa necessariamente pela condição de que todos precisam trabalhar para garantir o mínimo social.

Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais, ou seja, o que os artigos 6º e 7º da CF/88 (BRASIL, 1988).

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Porém, sabe-se que não basta trabalhar, mas sim ter oportunidade de crescer na empresa e galgar novas funções, cargos e desafios, contudo, algo que tornar-se-á mais raro em razão da grande rotatividade de terceirizados.

Com menos intervencionismo do Estado-Social, o indivíduo estará à mercê das grandes empresas que visam apenas o lucro, ou seja, não se preocupam com o cidadão e sua dignidade.

2.6 Princípio da não discriminação

Este princípio diz respeito a necessidade de tratamento de todos os trabalhadores que desempenham mesma função, no mesmo local, para o mesmo empregador, ressalvadas as especificidades previstas em lei, deste que não ofenda a CF/88.

Todavia, a expressão “poderão estabelecer, se assim entenderem, que os empregados da contratada farão jus a salário equivalente ao pago aos empregados da contratante” do novel texto legal, em seu art. 4°-C deixa claro que acabou a obrigatoriedade do trabalhador terceirizado receber o mesmo salário do empregado da empresa tomadora (Brasil, 2017).

Portanto, o texto dá liberdade ao empregador para estabelecer critério remuneratório diverso, violando a isonomia salarial, a despeito de laborarem sob as mesmas condições.

2.7 Princípio da vedação do retrocesso social

O presente princípio faz com que o Estado proíba ou crie meios para que normas e institutos que estingam direitos sejam abolidas. Contudo, o Legislador ao elaborar e aprovar a Lei n. 13.467/2017 não observou este princípio constitucional.(Brasil, 2017).

Esta vedação tem no seu pano de fundo o Direito Internacional, normas, leis, tratados e etc, todos de caráter internacional, mais especificamente o Direito Internacional do Trabalho. 

Segundo REIS (2010, p. 126) as condições mínimas de trabalho firmadas pelo plano internacional inserem-se no quadro de prerrogativas da pessoa humana por força de sua dignidade própria, integrando o rol de direitos humanos, em sua dimensão econômica e social.

Pode-se concluir que o Brasil deve pautar-se no que diz as normas internacionais de direito do trabalho, porém é um princípio que precisa de um olhar mais fino, ou seja, está dentro de outros princípios como o da dignidade da pessoa humana; da valorização do trabalho e do emprega; do bem-estar individual e social; da justiça social; da subordinação da propriedade à sua função socioambiental.

O presente princípio está presente nas Convenções da OIT de números: 11, 87, 98, 135, 141 e 151) e deveriam sem atendidas pelo Brasil.

2.8 Princípio da irredutibilidade salarial

O presente princípio advém do próprio texto constitucional, art. 7º, VI, e traz a dimensão de que o salário é intangível, pois possui caráter alimentar e tem o objetivo de atender o trabalhador nas necessidades essenciais como moradia, saúde, transporte, alimentação, educação e assim por diante. Porém este princípio não pertence apenas ao Direito do Trabalho, mas a todo um universo jurídico externo à relação de trabalho.

Com a utilização cada dia mais frequente do instituto da terceirização, haverá uma queda no salário ocasionada pela inserção de trabalhadores terceirizados no ambiente das empresas, baixando ainda mais a média de salários e fazendo com que toda o valor do trabalho seja mitigado.

2.9 Princípio da indisponibilidade dos direitos trabalhistas

Utilizando-se do texto em sua literalidade, conforme abaixo, o art. 444 da CLT com vistas ao sentido etimológico da palavra renúncia seria quando uma pessoa ou parte da relação de trabalho abre mão de algo que teoricamente é sua de direito, contudo, dentro da norma juslaboral essa palavra assume um papel muito maior, pois por diversas vezes mesmo que o trabalhador ou empregado abra mão há que se falar em renúncia de direitos indisponíveis, pois nesses casos não caberá a ele fazer.

2.10 Princípio da Continuidade da Relação de Emprego

Os contratos de trabalho, em regra são em regra por tempo indeterminado, contudo, desde o fim da estabilidade decenal por meio da Lei 5.107 de setembro de 1966, que criou o regime do FGTS – Fundo de Garantia por Tempo de Serviço - esta realidade tem sido alterada, pois o direito dos trabalhadores com mais de 10 anos não poderem ser dispensados, salvo por justa causa, passou a ser mitigado (Brasil, 1966).

Porém o empregador manteve-se cauteloso com relação a dispensa sem justa causa, diante das consequências previstas na CF em seu artigo art. 7º, I, XXI da CF/88.

Assim sendo, a nova regulamentação da Lei N. 6019/72 traz a possibilidade de contratação de trabalhadores terceirizados indiscriminadamente, inclusive na atividade-fim, onde corre-se o risco de haver um grande número de dispensas em razão da possibilidade de contratação por meio de uma tomadora de serviço (Brasil,1972).

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Sobre o autor
Roberto Chagas Chebel

Pós-graduado em Gestão Pública pela UCDB. Graduado em Matemática pela Uniderp. Graduando em Direito pela UNIGRAN-Capital. Servidor Público do Tribunal Regional do Trabalho da 24ª Região.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CHEBEL, Roberto Chagas. Descentralização produtiva: contexto histórico da terceirização no Brasil e suas consequências. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5704, 12 fev. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/71994. Acesso em: 22 dez. 2024.

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