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Descentralização produtiva: contexto histórico da terceirização no Brasil e suas consequências

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12/02/2019 às 08:10
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3 DESCENTRALIZAÇÃO PRODUTIVA

A descentralização da produção por meio do instituto da trouxe para a relação de trabalho, sobretudo para o trabalhador situações graves com vistas a sua dignidade, ou seja, afetando diretamente a vida do trabalhador (Brasil, 2017).

Em evento na ANAMATRA, o ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST) Maurício Godinho Delgado teceu os seguintes comentários acerca do Projeto de Lei nº 4.330/2004, que regulamenta terceirização no Brasil e de suas ameaças ao Direito e a Justiça do Trabalho.

"Eu nunca vi um projeto de precarização do trabalho como esse, de tamanha perversidade, que pisa nas pessoas e desrespeita quem vive do trabalho(...)

(...) É como se o brasileiro fosse o problema do Brasil. Trata-se de uma visão retrógrada, com saudade do século XIX e inveja da realidade asiática. É como se o trabalhador fosse uma matéria-prima que tem de ser mais barata, opinou. (...) o projeto de lei também vai de encontro com os princípios da Constituição Federal, que colocou o Direito do Trabalho como o ápice do Estado Democrático de Direito. A Constituição Federal será mentirosa se a CLT for vazia. (...) a proposta legislativa inverte também a própria lógica da terceirização, que é a de ser uma exceção, conforme prevê a Súmula 331 do TST, que permite a prática apenas na atividade meio da empresa. A terceirização, ao reverso do que o projeto faz, tem de ser restrita. E ela já é uma epidemia.

(...) O projeto vai afetar o bom funcionamento da economia, pois 60% do PIB brasileiro deriva da renda das pessoas físicas e das famílias. Não é só salário, é renda. (...) o próprio sistema de saúde pública será afetado, pois as empresas de terceirização, em regra, têm menos cuidados com a saúde a segurança do trabalhador.

(...) O desafio é muito grande, mas tenho convicção de que podemos sim convencer a sociedade política de que se trata de um equívoco grave e que vai na antítese do trabalho do Parlamento brasileiro. (JUSBRASIL, 2013)

Algumas consequências negativas imediatas surgirão, como por exemplo: A elevação da rotatividade de mão de obra, onde o trabalhador não mais terá uma identificação com uma empresa específica, causando assim uma queda na sua autoestima pelo medo de perder o trabalho.

Esvazia-se o poder que o trabalhador tinha de mobilizar-se por meio do seu sindicato, que diga-se de passagem dentro de uma empresa que eminentemente utiliza-se de trabalhadores terceirizados fica totalmente diluído.

 Em parte do voto do RE 958252 a Eminente Ministra do STF Rosa Weber no foi bastante clara em afirmar que para que possam manter o mesmo nível salarial os trabalhadores precisaram trabalhar mais tempo, e sem poder descansar passarão a produzir menos e com menor qualidade, indo contra os objetivos da terceirização, expandindo a condição de precariedade.

"Na atual tendência observada pela economia brasileira, a liberalização da terceirização em atividades-fim, longe de interferir na curva de emprego, tenderá a nivelar por baixo nosso mercado de trabalho, expandindo a condição de precariedade hoje presente nos 26,4% de postos de trabalho terceirizados para a totalidade dos empregos formais" (BARBIÉRI e OLIVEIRA, 2018)

Caso não possam trabalhar por mais tempo, por certo que terão uma redução salarial, diminuindo assim as suas condições de vida, afetando o mínimo existencial, ou seja, desvalorização do trabalho, salário baixo, desemprego temporário farão com que mais pessoas entre em condições de miserabilidade.

Surgirão outras consequências como o aumento de acidentes de trabalho em razão do aumento da jornada de trabalho, falta de treinamento, pois a empresa prestadora de serviço não se preocupará em treinar os trabalhadores para disponibilizá-los a tomadora.  Tudo isso gerará um adoecimento que refletirá diretamente na Previdência Social, que precisarão emitir frequentes licenças e aposentadorias precoces.

Outrossim, muitas pessoas passarão a ficar aquém da linha da pobreza fazendo com que também o IDH (Índice do Desenvolvimento Humano) da população diminua demasiadamente, afetando diretamente o crescimento do país.

Quanto à possibilidade de terceirização da atividade-fim da empresa, fica difícil visualizar como isso poderia acontecer. Pode-se pensar nesta possibilidade abstratamente, porém na prática quando se tratar de atividade principal da empresa, dificilmente não haverá a existência dos requisitos da pessoalidade e da subordinação em todas as suas formas, tão comuns em uma relação de emprego.  

No tocante a isonomia salarial, surgirá uma discrepância entre o salário dos trabalhadores da empresa e os trabalhadores terceirizados, pois esses com toda certeza terão menores salários, mesmo que em alguns casos tenham um desempenho ainda melhor.

Sem falar na possibilidade de subcontratação que vai dificultar ainda mais a verificação pelo juízo trabalhista de quem é a responsabilidade pelas verbas, pois haverá um efeito cascata entre empresas.


CONCLUSÃO

Contudo, após a entrada em vigor da reforma trabalhista – Lei 13.467/2017 os princípios constitucionais do trabalho passaram a correr grande risco, dada a diminuição do intervencionismo do Estado-Social. Poder-se dizer a CLT criou um princípio muito perigoso, que poderia se chamado de Princípio da Proteção ao Empregador, diante da retirada de diversos direitos do trabalhador com vistas a atacar a sua dignidade, assim como a garantia do mínimo social existencial. Essa reforma trabalhista tão ampla, feita a toque de caixa, é uma resposta à crise sim, porém com o viés capitalista voltado para o empresariado, pois partiu de uma reforma pontual de mais ou menos dez artigos passou a mais de cem, literalmente do dia para a noite.

É notório que o país enfrenta grande crise, mas proveniente da falta de ética, da demasiada corrupção institucional, o que acarreta em uma economia frágil que trás como pano de fundo o alto índice de desemprego, contudo, não se pode demonizar o trabalhador, que além de ser a parte frágil do sistema é aquele que com o seu trabalho gera lucro e desenvolvimento ao país.

O último golpe dado pelo judiciário contra o trabalhador foi sem sombra de dúvida a declaração de constitucionalidade da terceirização da atividade-fim.

Para os ministros que defedem terceirização irrestrita estão os argumentos como o princípio constitucional da livre iniciativa, de que atividade-meio e atividade-fim se confundem, assim como a afirmação de que o Brasil não pode ficar aquém do mundo globalizado, ou seja, e liberar a terceirização não significa precarizar as relações de trabalho nem desproteger os trabalhadores, e ao final jogam ao judiciário a árdua missão de combater os eventuais abusos ou fraudes.

Evidentemente a terceirização indiscriminada não se coaduna com os princípios constitucionais do trabalho, com os Tratados Internacionais do Trabalho e dos Direitos Humanos, e para confirmar esse pensamento serão utilizados algumas reflexões daqueles Ministros do STF que foram contra a constitucionalidade da atividade-fim - que se posicionaram contra, no sentido de que a livre iniciativa não pode ficar acima de outros princípios, como o da valorização do trabalho, assim como a necessidade de o Estado Democrático de direito ter a responsabilidade de assentar na sólida proteção do trabalhador, assim como em razão de ter no Brasil uma escassez de trabalho, é  mais importante será mantê-los.


REFERÊNCIAS

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BRASIL - 1983. Leis e Decretos. Lei n. 7102 de 20 de junho de 1983: dispõe sobre segurança para estabelecimentos financeiros, estabelece normas para constituição e funcionamento das empresas particulares que exploram serviços de vigilância e de transporte de valores, e dá outras providências. Brasília, DF, 03 jan. 1974. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03.leis/L7102.htm.

BRASIL – 1988. Constituição Federal da Republica Federativa do Brasil de 1988: Brasília, DF, 22 de setembro de 1988. Disponível em:

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Nota

[1] Contratação de serviços pessoais, exercidos por pessoas físicas, de modo subordinado, não eventual e oneroso, realizada por meio de pessoa jurídica constituída especialmente para esse fim, na tentativa de disfarçar eventuais relações.

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Sobre o autor
Roberto Chagas Chebel

Pós-graduado em Gestão Pública pela UCDB. Graduado em Matemática pela Uniderp. Graduando em Direito pela UNIGRAN-Capital. Servidor Público do Tribunal Regional do Trabalho da 24ª Região.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CHEBEL, Roberto Chagas. Descentralização produtiva: contexto histórico da terceirização no Brasil e suas consequências. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5704, 12 fev. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/71994. Acesso em: 24 abr. 2024.

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