A atuação axiológico-normativa dos princípios no sistema de direito positivo brasileiro

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09/02/2019 às 12:09

Resumo:


  • O conceito de "princípio" é plurissignificativo e possui diversas conotações dentro do contexto jurídico, sendo fundamentais para a compreensão e aplicação do Direito.

  • Os princípios atuam no Direito Positivo como normas de interpretação e aplicação, enquanto na Ciência Jurídica servem como enunciados que fundamentam a pesquisa científica do Direito.

  • No âmbito do Direito Constitucional, os princípios são essenciais e possuem alta carga axiológica, influenciando a interpretação e aplicação das normas infraconstitucionais, bem como orientando a elaboração de novas leis.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

III- SISTEMA DE DIREITO POSITIVO

1. Os Princípios como Base do Sistema

Como cediço dos estudiosos e aplicadores do Direito, uma realidade é a Ciência Jurídica, ou Dogmática e outra é o Direito Positivo, sendo que cada qual, ao seu turno, em seu câmpo específico de atuação, constituem um sistema.

Talvez, o termo “sistema” seja um dos mais difíceis de ser conceituado, não obstante, cada estudioso guarda ínsito em sua mente o significado do termo. Pensando nisso, seguem algumas definições léxicas, extraídas de dicionários de língua portuguesa.

Conforme Aurélio Buarque de Holanda Ferreira (2002, p. 639), sistema é:

1. Conjunto de elementos entre os quais haja alguma relação. 2. Disposição das partes ou dos elementos de um todo, coordenados entre si, e que foram estrutura organizada. 3. Reunião de elementos naturais da mesma espécie. 4. Método, plano. 5. Modo, jeito. 6. Modo de governo, de administração, de organização social [...]

Importa mencionar ainda a conceituação do Dicionário Brasileiro Globo (FERNANDES, s.a., p. s.n.º), onde define sistema como:

Conjunto de partes coordenadas entre si; conjunto de partes similares; forma de governo ou constituição política ou social de um Estado: sistema constitucional; combinação de partes, de modo que concorram para certo resultado; plano: sistema financeiro; conjunção de princípios, verdadeiros ou não, que estabelecem um corpo de doutrina; conjunto de leis ou princípios que regulam certa ordem de fenômenos [...] (grifo acrescido).

Conforme estudado no capítulo anterior a ciência em síntese é um sistema de conhecimento, por outro lado assiste ao Direito Positivo a mesma característica, pois, este é um sistema estrutural constituído de normas, isto é, de regras e princípios.

A noção de sistema deve estar presente na mente do jurista, mesmo considerando a técnica da separação didática dos ramos do Direito, e além disso, do ponto de vista da ciência, o Direito é uno.

Ao falar em sistema, não se pode olvidar os princípios que o integram, nesse sentido se apresenta a lição do professor Miguel Reale (REALE, 1999, p. 60).[28]:

Princípios são, pois, verdades ou juízos fundamentais, que servem de alicerce ou de garantia de certeza a um conjunto de juízos, ordenados em um sistema de conceitos relativos a dada porção da realidade. Às vezes também se denominam princípios certas proposições que, apesar de não serem evidentes ou resultante de evidências, são assumidas como fundantes da validez de um sistema particular de conhecimentos, como seus pressupostos necessários. (Grifos no original).

Em tempo, pergunta-se: o que é sistema jurídico? Antes, porém de responder a esta indagação importa considerar a pertinente observação do professor Paulo de Barros, onde se diz:

Sistema jurídico é expressão ambígua que, em alguns contextos, pode provocar a falácia do equívoco. Com esse nome encontramos designados tanto o sistema da Ciência do Direito quanto o do direito positivo, instaurando-se certa instabilidade semântica que prejudica a fluência do discurso, de tal modo que, mesmo nas circunstâncias de inocorrência de erro lógico, a compreensão do texto ficará comprometida, perdendo o melhor teor de sua consistência. (CARVALHO, 2003, p.130).

Um pressuposto fundamental do conceito de sistema é a compatibilidade lógica entre as idéias deste conjunto de elementos. Nesse sentido, leciona Maria Helena Diniz (2003, p. 19), in verbis: “Se houver alguma incompatibilidade lógica entre as idéias de um mesmo sistema científico, duvidosas se tornam as referidas idéias, os fundamentos do sistema e até mesmo o próprio sistema.”

Ao tratar de sistema, importa mencionar a seguinte definição (CARRAZZA, 2008, p.37):

Sistema, pois, é a reunião ordenada das várias partes que formam um todo, de tal sorte que elas se sustentam mutuamente e as últimas explicam-se pelas primeiras. As que dão razão às outras chamam-se princípios,[29]e o sistema é tanto mais perfeito, quanto em menor número existam.

A expressão “sistema” exprime a idéia de um “conjunto harmônico, ordenado e unitário de elementos. Elementos estes, reunídos em função de certos princípios, certas idéias fundamentais.”

Destarte, o conceito de sistema traz em seu bojo a expressão “princípios” como sendo idéias fundamentais, muito embora o sistema que se tenha em vista é o sistema jurídico, um conjunto harmônico, ordenado e unitário de elementos normativos que, tem como fundamento os princípios.

Complementando este raciocínio com peculiar maestria, Eduardo Couture (Vocabulário Jurídico, p. 489), citado por Roque Antônio Carrazza (2008, p. 39), em nota, afirma que:

princípio es un enunciado lógico extraido de la ordenación sistemática y coherente de diversas normas de procedimento, en forma de dar a la solución constante de éstas el caráter de una regla de validez general.

Vale lembrar, outrossim, o que foi dito por Rizzato Nunes, onde afirma que “Os princípios são, dentre as formulações deônticas de todo sistema ético-jurídico, os mais importantes a ser considerados [...]”, prosseguindo, afirma que a interpretação no universo ético-jurídico, com base nos princípios influencia o conteúdo e o alcance de todas as normas “E essa influência tem eficácia efetiva, real, concreta. Não faz parte apenas do plano abstrato do sistema” (NUNES, 2008, 182) aprofundando a análise assevera que:

Os princípios situam-se no ponto mais alto de qualquer sistema jurídico, de forma genérica e abstrata, mas essa abstração não significa inincidência no plano da realidade. É que, como as normas jurídicas incidem no real e como elas devem respeitar os princípios, acabam por levá-los à concretude. (idem, ibidem).

Hildebrando Accioly, ao falar sobre o Direito Internacional, ressalta um aspecto relevante de um sistema, ao lecionar que “Os sistemas internos tendem a ver-se como todos orgânicos e sistemáticos, quase como fins em si mesmos, voltados para si mesmos e com atitude muitas vezes claramente defensiva em relação ao exterior” (ACCIOLY, et al, 2008, p. 7).

Dilucidando esta idéia, sedimentando-a, sobretudo relacionada à integração dos princípios no âmbito de cada sistema, no caso, o sistema de direito, aduz CARRAZZA (2008, p. 40), que:

[...] Resulta do exposto que um princípio jurídico é inconcebível em estado de isolamento. Ele – até por exigência do Direito (que forma um todo pleno, unitário e harmônico) – se apresenta sempre relacionado com outros princípios e normas, que lhe dão equilíbrio e proporção e lhe reafirmam a importânica.

Ademais, assiste razão a Antônio Cappi e Carlo Crispim Baiocchi Cappi, em seu singular estudo da lógica no sistema jurídico ao lecionarem que: “O Direito, como qualquer cálculo lógico, seria um sistema científico axiomático formal, unitário, coerente e completo.” (CAPPI, 2004, p. 61).

Todavia, a idéia de sistema jurídico encerra dois subtópicos, imprescindíveis a sua comprensão. São eles: “repertório” e “estrutura”. Nesse contexto, pronunciou-se o professor Tércio Sampaio (FERRAZ JR., 2008, p. 214):

a estrutura contém regras que nos permitem identificar certos fenômenos sociais como fonte de normas. Ou seja, a noção de fonte pertence à estrutura, não ao repertório. Isso posto, seria conveniente distinguir entre a razão jurídica (doutrina, princípios gerais do direito, eqüidade, analogia) como conjunto de regras estruturais, e as fontes stricto sensu como elementos do repertório, isto é, normas-orígem do sistema (a lei, o costume, os atos negociais, a jurisprudência). (Grifos no original).

1.1 Repertório

Deste modo, importa conceituar a expressão repertório, que designa um conjunto de elementos que integram o sistema. Entretanto, ao dizer “elementos” deve ser entendido que no caso em tela o que se tem em vista são regras e princípios.

Por outro lado, ao longo do tempo existiu e existem uma gama infindável de normas, e devido às vicissitudes sociais, algumas delas perdem sua eficácia, ou seja, sofrem a incidência do fenômeno da revogação.

Portanto, os elementos que integram o sistema jurídico são por excelência normas válidas de um determinado Estado, lembrando sempre que válidas são as normas jurídicas editadas pela autoridade detentora da competência funcional de legislar que o faz em estrita observância ao rito procedimental estabelecido nas normas de estrutura e que necessariamente estejam vigentes, isto é, aptas a qualificar fatos e reger condutas.

1.2 Estrutura

Neste mesmo contexto, analisando a idéia de sistema, o sub tema estrutura corresponde às possíveis relações que os elementos do sistema mantêm entre si.

Ora, relações são vínculos e conexões que as normas jurídicas podem manter entre si e, quando isso ocorre deve ser assegurado o equilíbrio adequado dessas relações normativas recíprocas, ou do contrário haveria um comprometimento do próprio sistema jurídico.

Deveras, as normas, isto é, as regras e os princípios que integram o sistema travam entre si relações de subordinação e coordenação, sendo relação de subordinação a decorrente da existência de uma Lei Maior que vincula, “subordina” outra Lei hierarquicamente inferior, a qual haverá de se conformar com o “eixo de compatibilização vertical” (SILVA, 2005, p. 47). A relação de coordenação decorre da harmonia do Ordenamento Jurídico, no sentido de que as normas que o integram se complementam.

Daí a importancia de um meticuloso estudo acerca dos princípios, como se verá adiante, visto que é por meio deles que o sistema jurídico se sustenta, se constitui e se interrelaciona .


IV- A ATUAÇÃO DOS PRINCÍPIOS NO ÂMBITO CONSTITUCIONAL BRASILEIRO

1. Princípios Jurídicos: Fases de Atuação e Classificação

No presente capítulo será estudada a atuação dos princípios no sistema de Direito Positivo, demonstrando como se apresentam as normas da espécie princípios. Entretanto, antes de defrontar esse ponto, imperioso se afigura estudar a classificação proposta pelo professor Paulo de Barros Carvalho e a desenvolvida por Maurício Godinho Delgado ao tratar de “princípios”.

Eis que, na concepção do primeiro autor:

Em Direito, utiliza-se o termo “princípio” para denotar as regras de que falamos, mas também se emprega a palavra para apontar normas que fixam importantes critérios objetivos, além de ser usada, igualmente, para significar o próprio valor, independentemente da estrutura a que está agregado e, do mesmo modo, o limite objetivo sem a consideração da norma. Assim, nessa breve reflexão semântica, já divisamos quatro usos distintos: a) como norma jurídica de posição privilegiada e portadora de valor expressivo; b) como norma jurídica de posição privilegiada que estipula limites objetivos; c) como os valores insertos em regras jurídicas de posição privilegiada, mas considerados independentemente das estruturas normativas; e d) como o limite objetivo estipulado em regra de forte hierarquia, tomado, porém, sem levar em conta a estrutura da norma. Nos dois primeiros, temos “princípio” como “norma”; enquanto nos dois últimos, “princípio” como “valor” ou como “critério objetivo”. (CARVALHO, 2003, p. 144).

Para o mencionado autor, “os princípios cumprem funções diferenciadas” (DELGADO, 2006, p. 187), considerando-se a atuação exercida na fase de elaboração das normas (como ocorre com o Poder Constituinte Originário), no momento de construção das regras jurídicas, bem como, atuará com maior relevância no momento em que as regras já estiverem elaboradas.

Partindo deste pressuposto, classificou esses dois momentos da atuação dos princípios no ordenamento jurídico de “fase pré-jurídica” ou “política”, a que ocorre na fase de produção das normas e “fase jurídica”, a que se dá uma vez postas as regras de direito.

1.1 Fase Pré-jurídica ou Política

Nitidamente a fase pré-jurídica é eminentemente política, pois trata da fase de introdução de regras no ordenamento jurídico. Eis que esta atuação dos princípios revela seu caráter axiológico, dado que neste instante situam-se em um plano mais abstrato e genérico.

Para o professor Maurício Godinho, autor da presente classificação:

os princípios despontam como proposições fundamentais que propiciam direção coerente na construção do Direito. São veios iluminadores à elaboração de regras e institutos jurídicos. Os princípios gerais do Direito os específicos a determinado ramo normativo tendem a influir no processo de construção das regras jurídicas, orientando o legislador no desenvolvimento desse processo. (DELGADO, 2006, 187).

Em virtude da manifestação dos princípios na fase política ocasionar influxo na produção de regras, Maurício Godinho assevera que são “verdadeiras fontes materiais do Direito, na medida em que se postam como fatores que influenciam na produção da ordem jurídica.” (idem, ibidem).

Por fim, encerra dizendo:

Essa influência política dos princípios é, contudo, obviamente limitada. É que as principais fontes materiais do Direito situam-se fora do sistema jurídico, consubstanciando-se fundamentalmente nos movimentos sociopolíticos e correntes político-filosóficas e econômicas que provocam e condicionam a elaboração normativa. (DELGADO, 2006, p. 188).

Por aqui se vê o caráter cogente dos princípios que impõe ao legislador a confecção de regras condizentes com os vociferantes reclamos sociais, que vá ao encontro da realidade histórica, político-econômica e social do povo, levando-se em consideração os percalços, os anseios e as vicissitudes sociais.

1.2 Fase Jurídica

Nesta fase é possível destacar as funções diversas assumidas pelos princípios. Os “princípios desempenham funções diferenciadas e combinadas, classificando-se segundo a função específica assumida.” (DELGADO, 2006, p. 188). Para o referido autor, surgem, de um lado, os princípios descritivos (ou informativos), incumbidos da relevante função interpretativa do Direito. Ao seu lado, os princípios normativos subsidiários, encarregados do destacado papel no processo de integração das normas jurídicas (regras supletivas). Finalmente, os princípios normativos concorrentes, atuam como verdadeiras regras jurídicas, “independentemente da necessidade de ocorrência da integração jurídica.” (DELGADO, 2006, p. 188).

1.2.1 Princípios Descritivos (ou Informativos)

Para o autor da classificação, “os princípios atuam, em primeiro lugar, como proposições ideais que propiciam uma direção coerente na interpretação da regra de Direito. São veios iluminadores à compreensão da regra jurídica construída.” (idem, ibidem).

Esta função é, segundo Maurício Godinho Delgado, a mais “clássica e recorrente” (idem, ibidem), atuando como instrumento auxiliar de interpretação das regras jurídicas. Ademais:

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Nesse papel, os princípios contribuem no processo de compreensão da regra e institutos jurídicos, balizando-os à essencia do conjunto do sistema de Direito. São chamados princípios descritivos ou informativos, na medida em que propiciam uma leitura reveladora das orientações essenciais da ordem jurídica analisada. (idem,ibidem).

Desta forma, no entendimento do professor Delgado, não atuam como fontes formais do Direito, mas como ferramenta de interpretação jurídica. Desta afirmação é possível concluir que se trata de critérios hermenêuticos ou princípios interpretativos.

Entendemos que não assiste razão ao autor da classificação negar força normativa aos “princípios normativos descritivos”. Decerto, referida categoria de princípio já se manifesta na fase pré-jurídica, porquanto atuam compondo o sentido dos demais princípios, como também atuam na fase jurídica, principalmente no Direito Constitucional. Contudo, apesar de possuírem - ao nosso ver - um campo de atuação que compreende as fases pré-jurídica e jurídica, sua inserção em um subtópico da fase jurídica ocorreu por conta da classificação proposta pelo autor, a qual adotamos com esta ressalva.

Importa tecer tais considerações no tocante aos “princípios informativos” pelo fato de que servirão de premissa à compreensão da atuação dos princípios no âmbito do Direito Constitucional.

Tem-se como exemplo desta modalidade de princípio o “princípio da justiça”, exatamente porque o Ordenamento Jurídico prima pelo ideal de justiça e, como corolário suas normas devem ser interpretadas com base neste princípio. Esta categoria de princípio integra o núcleo do sistema de direito positivo, muitas vezes de maneira implícita.

1.2.2 Princípios Normativos Subsidiários

A segunda função dos princípios constitui verdadeira fonte formal supletiva do Direito. Neste caso, o interprete e aplicador do Direito, ao se deparar com a ausência de regra aplicável a um dado caso concreto, utilizar-se-á dos princípios normativos subsidiários.

“A proposição ideal consubstanciada no princípio incide sobre o caso concreto, como se fosse regra jurídica específica.” (DELGADO, 2006, p. 189). A atuação dos princípios, por conseguinte, é equivalente à atuação de regras principais, em hipóteses não disciplinadas por fonte normativa principal.

Um dado digno de nota é a observação do professor Delgado (idem, ibidem), o qual aponta que o caráter de normas supletivas atribuído aos princípios é de verificação menos recorrente que a função interpretativa e, curiosamente, é a que se encontra prevista expressamente na legislação, como critério de aplicação do Direito, nitidamente voltado ao magistrado, bem como, servindo como recurso de integração da Ordem Jurídica. A título de exemplo, reproduzimos os seguintes dispositivos legais:

Art. 4.º da LICC – Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.

Art. 126 do CPC – O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito.

Art. 8.º da CLT – As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.

Art. 108 do CTN – Na ausência de disposição expressa, a autoridade competente para aplicar a legislação tributária utilizará, sucessivamente, na ordem indicada:

I – a analogia;

II – os princípios gerais de direito tributário;

III – os princípios gerais de direito público;

IV – a eqüidade.

1.2.3 Princípios Normativos Concorrentes

Ainda em conformidade com a lição do professor Maurício Godinho, a doutrina ocidental agrega uma terceira função às duas tradicionais expostas nos itens anteriores: trata-se da função normativa própria dos princípios.

“Esta mais recente compreensão sedimentou-se, em distintas vertentes, dimensões e abrangências, na segunda metade do século XX, na obra de célebres juristas, principalmente filósofos do Direito e constitucionalistas.” (idem, ibidem).

Tal função normativa específica aos princípios seria resultante de sua dimensão fundamentadora de toda ordem jurídica. Essa dimensão passa, necessariamente, pelo reconhecimento doutrinário de sua natureza de norma jurídica e não simples enunciados programáticos não vinculantes. (DELGADO, 2006, p. 189-190).

Logo, o caráter normativo específico atribuído às regras também alcança essa categoria de princípios e, em decorrência dessa nova nova doutrina, a expressão “norma” não se refere apenas às “regras”, mas também aos princípios.

“A expressão norma pode ser utilizada, pois, em sentido amplo (quando abrangeria as regras, os princípios – e, pensamos, também os institutos jurídicos); mas pode ser utilizada ainda em sentido estrito, quando corresponderia a regras jurídicas.” (ALEXY, 1997, p. 83 apud DELGADO, 2006, p. 190).

Estendendo o raciocínio e fazendo alusão a consagradros juristas, Maurício Godinho aponta:

Tal função maior percebida nos princípios – ao menos nos princípios gerais ou essenciais do Direito – permitiria qualificá-los como “normas-chaves de todo o sistema jurídico” (Paulo Bonavides), “fundamentos da ordem jurídica” (Frederico de Castro), “super-fonte” (Flórez-Valdez), verdadeiros “mandamentos de otimização” da ordem jurídica (Robert Alexy). (DELGADO, 2006, p. 190).

No entanto, para o professor Maurício “a prevalência dos princípios sobre as regras legais,”[...] “é relativa, sob pena de criar-se total insegurança na ordem jurídica e meio social regulado”, sendo mais correto sustentar que:

em vez da função normativa própria, específica, autônoma, verifica-se que os princípios atuam como comandos jurídicos instigadores, tendo, no fundo, um função normativa concorrente. Trata-se de papel normativo concorrente, mas não autônomo, apartado do conjunto jurídico geral e a ele contraposto. (DELGADO, 2006, p. 190).

Eis que, esta última forma de atuação dos princípios se dá “em concurso com a interpretativa da regra analisada”, ora estendendo o comando, ora restringindo e até mesmo esterilizando-o “a partir de uma absorção de seu sentido no âmbito mais abrangente cimentado pelos princípios correlatos.” (Idem, Ibidem).

Deveras, esta função atua encampando a função interpretativa e a normativa, adaptadas às regras jurídicas ao “sentido essencial de todo o ordenamento”. (Idem, Ibidem). Por isso, é possível se cogitar de uma “função simultaneamente interpretativa/normativa/normativa, resultado da associação das duas funções específicas (a descritiva e a normativa), que agem em conjunto, fusionadas, no processo de compreensão e aplicação do Direito.” (Idem, Ibidem).

2. Atuação dos Princípios no Plano das Normas Infra-constitucionais

Deve ser destacado neste momento a atuação dos princípios no contexto das normas infra-constitucionais no sistema de Direito Positivo brasileiro, cabendo observar em primeiro lugar sua atuação como “princípios normativos concorrentes”, conforme a classificação acima exposta, ressalvando, contudo, que referida função não se confunde com as regras, visa atribuir aos princípios “função simultaneamente interpretativa/normativa”.

De posse deste conceito é possível adentrar no plano normativo, identificar os princípios e analisar sua natureza específica. Assim, inicialmente, a análise se volverá ao Direito Civil, mais especificamente à Teoria Geral dos Contratos. Observe que o Direito Civil possui princípios que lhe são próprios e se manifestam em seus respectivos limites de disciplina. Logo, em matéria de contrato, um princípio motriz é o pacta sunt servanda.

Considerando isso, algumas idéias já aventadas devem ser retomadas. Veja que os princípios, conforme várias definições já mencionadas, podem constituir “um enunciado lógico” que propicia a correta aplicação do Direito, ou ainda, podem significar “o ponto de partida” do jurista ao aplicar o Direito à espécie. Pois bem, todas essas idéias estão correlacionadas aos princípios sob a perspectiva que se pretende destacá-lo no presente tópico. Entretanto, deve ser advertido, desde já, que a noção de “mandamento nuclear de um sistema” encerra um assunto mais afeto ao Direito Constitucional como um todo e não à Teoria Geral dos Contratos, mera subdivisão do Direito Civil, ramo especializado do saber jurídico.

Com efeito, tomando por base a noção de “enunciado lógico”, tem-se que, em relação à Teoria dos Contratos, o princípio do pacta sunt servanda constitui um enunciado lógico que norteia a matéria em questão. Tomando por base a noção de ponto de partida, depreende-se que, antes do hermeneuta se abeberar em interpretar e aplicar a regra jurídica haverá de ter em vista, inicialmente o princípio que constitui o cerne da matéria a ser estudada, no caso ora analisado o pacta sunt servanda se comporta como o cerne da teoria dos contratos.

Contudo, apesar da relevante importância e função dos princípios no Ordenamento Jurídico, seu carater genérico implica em restrição quanto às hipóteses de sua aplicação em alguns casos, com base em critérios legais propriamente dito e critérios legais de eqüidade.

  • a) Critério Legal Propriamente Dito – é a delimitação de princípios genéricos por regra expressa, v.g. – o princípio do pacta sunt servanda, isto é, da obrigatoriedade dos contratos – sofre restrição do alcance genérico de seu enunciado, perdendo, por conseguinte sua obrigatoridade quando o contrato contrariar o interesse público.

  • b) Critério Legal de Eqüidade – diz respeito às hipóteses em que o Judiciário, ao apreciar uma questão, deverá lançar mão de juízos de razoabilidade, excepcionando norma genérica. Em relação ao critério legal de eqüidade, os exemplos mais freqüentes situam-se no plano constitucional – v.g. o princípio da isonomia, ou igualdade, pode sofrer restrições em seu alcance com base no critério proposto, ou seja, confere-se aos iguais tratamentos igual e aos desiguais tratamento diferenciado na medidade de suas desigualdades. Assim, quando a lei concede atendimento prioritário aos idosos, à primeira vista parece violar o princípio da isonomia. No entanto, há de se ter em vista a peculiar condição mais frágil do idoso, em outras palavras, é preciso reconhecer que a isonomia só tem cabimento entre iguais. Contudo, muito embora haja distinção não há falar em injustiça, uma vez que eventual tratamento prioritário ao idoso visa a igualá-lo aos demais cidadãos, detentores de melhor condição física, em outras palavras, quando a lei, mediante juízo de eqüidade tutela o hipossuficiente assim o faz para assegurar a justiça material e não apenas um juízo formal decorrente da inferência de premissas, conforme o modelo clássico aristotélico, porquanto, silogismo não corresponde exatamente à justiça, primado fundamental do Direito.

Ora, foi dito que a abrangência genérica de um princípio pode ser delimitada em face de lei (compreendida, neste caso na acepção de regra jurídica) e de critérios legais de eqüidade. Logo, importa abrir um parênteses quanto ao aparente paradoxo da expressão “critérios legais de eqüidade” dado que na letra da lei a eqüidade é uma das formas de aplicação do direito na ausência de regra expressa (art. 8.º caput da CLT e art. 108, inc. IV do CTN).

Para explicar o significado da expressão, importa considerar que a cultura jurídica brasileira é positivista no sentido de que a gama de legislação existente é muito farta, além disso, a Constituição da República é rígida e dirigente, cuidando de disciplinar com riqueza de detalhes as mais variadas questões que o Legislador Constituinte julgou pertinente. Neste ínterim, foram positivadas diversas normas que encerram em seu bojo juízo de eqüidade, devido a isto é possível dizer “critério legal de eqüidade”, porquanto, hipótese de juízos de eqüidade se encontram expressas em normas constitucionais e o fato de estarem positivadas, não lhes furtam esse caráter, tal qual ocorre com os princípios, mesmo quando positivados não deixam de ser princípios.

Outrossim, a legislação, freqüentemente faz menção a “princípios gerais de direito” e, a um só tempo alude à eqüidade. Ocorre que os princípios gerais de direito são máximas, cânones compreensíveis a partir da Teoria Geral do Direito, são equiparáveis às regras jurídicas (princípios normativos subsidiários), enquanto que a eqüidade, embora a rigor não seja um princípio, anda bem próxima deste. Na seara jurídica quando se diz “eqüidade”, implicitamente se reconhece a utilização do princípio da razoabilidade e da proporcionalidade. Logo, a eqüidade celebra a idéia de justiça, é um mecanismo a serviço do jurista e constitui uma justiça de índole natural[30], indica retidão e no sentido léxico, mais recorrente pode designar igualdade, para tanto, também se calca em princípios.

Entendido o sentido em que se fala de “critério legal de eqüidade”, retome-se novamente a idéia de “princípios normativos concorrentes”, onde estava sendo analisado o princípio do pacta sunt servanda. Pois bem, para a teoria dos contratos esse princípio equivale a uma regulamentação, verdadeira norma impositiva, muito embora não esteja expresso em lei, porta-se como tal na medida em que a celebração de um contrato implica inexoravelmete sua obrigatoridade e, “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa se não em virtude de lei” (inc. II do art. 5.º da CF/88).

Entretanto, tais quais as regras propriamente ditas, os princípios normativos concorrentes são passíveis de limitação circunstanciais com base nos já destacados critérios de “legalidade propriamente dita” e do “critério legal de eqüidade”.

Verificou-se ao longo da discussão a atuação dos “princípios normativos concorrentes”. Por outro lado, quando discutida a questão atinente a eqüidade, mencionou-se que os convencionalmente denominados “princípios gerais de direito”, são em verdade “princípios normativos subsidiários”, dado que sua aplicação resulta da ausência de regra expressa, de acordo com a ordem estabelecida na legislação.

Assim, em primeiro lugar, diante de um de um fato que demande a tutela do judiciário será a questão a ele submetida e, neste caso, terá o julgador que invocar uma regra expressa para compor o litígio e não a encontrando buscará um princípio geral de direito. A título de exemplo, cabe mencionar um fato ocorrido em uma determinada empresa do ramo de calçados, na qual havia se quebrado uma das três catracas que serve de cartão de ponto, sendo que as demais encontravam-se em perfeitas condições de atenderem sua finalidade. A empresa, ciente disso, anexa um aviso aos trabalhadores para que utilizassem as catracas que estivessem adequadas para registrar o dia trabalhado. Entretanto, alguns dos empregados inobservaram o aviso escrito e passaram na catraca quebrada, não tendo computado como dia de serviço este dia no qual efetivamente dispenderam sua força laborativa para referida empresa.

Diante deste fato verídico[31] e, considerando que a empresa iria proceder ao desconto daquele dia de serviço, pergunta-se: Uma vez submetida esta demanda ao judiciário qual norma o magistrado deverá aplicar?

Certamente, não há regra expressa para dirimir a questão sub judice, no entanto, o julgador não poderá se eximir de julgar. Ora, neste caso poderia empregar a jurisprudência, a analogia, a eqüidade e, não as encontrando, poderia valer-se dos princípios (art. 8.º da CLT), neste caso, devendo invocar o magno princípio jus-trabalhista da “Primazia da Realidade”, consistente na atribuição de maior relevância aos fatos do que a formalidades incompatíveis com os eventos ocorridos, sendo que em geral, tais formalidades tendem a “provar” um ato visando descaracterizar a ocorrência de um fato, mas nem por isso ostentam validade no Direito do Trabalho.

3. A Atuação dos Princípios no Plano das Normas Constitucionais

Certamente, falar em “princípios” é similar a se aventurar por todo o Ordenamento Jurídico, mas em nenhum outro ramo do Direito, os princípios ostentam tanto destaque quanto no Direito Constitucional. É bem verdade que nos diversos ramos especializados do Direito os princípios são importantes, porém, os princípios que arrimam referidos ramos encontram-se explícita ou implicitamente reconhecidos e assegurados em normas constitucionais.

Ressalta-se, contudo, que a atuação dos princípios no plano constitucional difere-se da atuação destes no plano infra-constitucional, visto que neste plano os princípios se apresentam ora como “princípios normativos subsidiários”, ora como “princípios normativos concorrentes”. No direito constitucional, por sua vez, os princípios atuam como “princípios descritivos ou informativos”, conforme a classificação proposta pelo professor Maurício Godinho Delgado. Neste caso é lícito cogitar na expressão “mandamento nuclear de um sistema” de que falou o professor Celso Antônio Bandeira de Mello. Contudo, a atuação dos princípios no âmbito do Direito Constitucional pode figurar também como “princípios normativos concorrentes”, conforme será oportunamente analisado adiante.

Verdadeiramente, no plano constitucional os princípios estão imantados de alta carga axiológica, conforme observa o jurista lusitano José Carlos Vieira de Andrade ao afirmar que “não necessitam da mediação legislativa e não dependem, nem podem depender, por isso, das opiniões ou opções das leis ordinárias”. (ANDRADE, 1998, p. 139, apud CARRAZA, 2008, p. 49).

Também ponderando sobre os princípios e sua atuação no sistema do Direito, encontra-se na doutrina de Paulo de Barros Carvalho (2003, p.143 e 144), a seguinte lição:

Sendo objeto do mundo da cultura, o direito e, mais particularmente, as normas jurídicas estão sempre impregnadas de valor. Esse componente axiológico, invariavelmente presente na comunicação normativa, experimenta variações de intensidade de norma para norma, de tal sorte que existem preceitos fortemente carregados de valor e que, em função do seu papel sintático no conjunto, acabam exercendo significativa influência sobre grandes porções do ordenamento, informando o vector de compreensão de multiplos segmentos. (sic) (grifo acrescido).

Assim, na qualidade de “princípios descritivos ou informativos”, atuam de modo a nortear todo o sistema de direito e como tal não estão condicionados ao formalismo legalista que reconhece o direito apenas nas regras vigentes e de sua mera subsunção formal ou aplicação silogística. Por meio dos “princípios informativos” busca-se o “valor” que sincroniza o dispositivo particular com toda a estrutura do ordenamento.

Ressalta-se, como visto anteriormente, que os “princípios informativos” constituem o núcleo do sistema, bem como correspondem aos critérios hermenêuticos do Direito Constitucional de onde se infere que sua compreensão é bastante abrangente. Além disso, conforme foi possível observar na classificação desenvolvida por Paulo de Barros Carvalho, trazida a lume no início deste capítulo, ficou demonstrado que os princípios podem se apresentar com:

quatro usos distintos: a) como norma jurídica de posição privilegiada e portadora de valor expressivo; b) como norma jurídica de posição privilegiada que estipula limites objetivos; c) como os valores insertos em regras jurídicas de posição privilegiada, mas considerados independentemente das estruturas normativas; e d) como o limite objetivo estipulado em regra de forte hierarquia, tomado, porém, sem levar em conta a estrutura da norma. Nos dois primeiros, temos “princípio” como “norma”; enquanto nos dois últimos, “princípio” como “valor” ou como “critério objetivo”. (CARVALHO, 2003, p. 144).

Com tais ponderações, tem-se que os “princípios descritivos ou informativos” assim são considerados tendo em vista seu campo de atuação que, como cediço, é o Direito Constitucional, onde atua de diversas formas. Contudo, entendemos que não assiste razão ao professor Delgado ao negar que os princípios descritivos ou informativos, quando atuam como “proposições ideais”, não possuem caráter normativo. Critica-se também a classificação reapresentada acima que divide duas modalidades de princípios, sendo elas, “valor” e “norma”, sendo que a crítica recai, neste caso, apenas à cisão de “valor” e “norma”, no mais, concordamos com a classificação exposta, porquanto há princípios que mais se afeiçoam a normas, (nesta acepção empregamos o vocábulo no sentido de regra expressa), como por exemplo o princípio da anterioridade tributária, como também há princípios que mais se parecem com axiomas, como por exemplo, o princípio da dignidade da pessoa humana. A despeito das notas sigulares de cada uma das modalides apontadas, entendemos que ambas as modalidades são espécies do gênero norma.

Verdadeiramente, os princípios atuam seja como “norma jurídica privelegiada de valor expressivo”, seja como “proposições ideais”, ou até mesmo como “princípios de interpretação” na condição de norma, sempre que compreendido no sistema jurídico. Entretanto, os princípios jurídicos objetivam implementar o resultado fim do Direito – a paz social – e, para tanto, deve-se valer de instrumentos que assegurem justiça. Daí, resulta que o “princípio descritivo ou informativo” denominado “princípio da justiça” é o princípio dos princípios, pois, como aduz o professor Paulo de Barros Carvalho:

O princípio da justiça é uma diretriz suprema. Na sua implicitude, penetra de tal modo as unidades normativas do ordenamento jurídico que todos o proclamam, fazendo dele até um lugar comum, que se presta para justificar interesses antagônicos e até desconcertantes. Como valor que é, participa daquela subjetividade que mencionamos, ajustando-se diferentemente nas escalas hierárquicas das mais variadas ideologias. Os sistemas jurídicos dos povos civilizados projetam-no para figurar no subsolo de todos os preceitos, seja qual for a porção da conduta a ser disciplinada. (CARVALHO, 2003, p. 147).

Logo, os preceitos encampados no texto constitucional balizam-se com o princípio da justiça buscando sempre a aplicação do Direito Constitucional de forma a assegurar a “justiça material” a qual representa corolário do princípio da justiça que informa todo o Ordenamento Constitucional e comungado com o princípio da dignidade da pessoa humana, formam, por excelência o “núcleo do sistema”. É exatamente desta premissa que partiu o Legislador Constituinte Originário da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, não obstante convencionalmente se diga no meio doutrinário ser este um “poder ilimitado”, não poderá deixar de observar as normas do Direito Natural, de onde procedem os princípios de maior carga axiológica, como o “princípio da dignidade da pessoa humana”.

A propósito, os princípios que integram o núcleo do sistema de direito positivo, mais precisamente, do Direito Constitucional, derivam-se do Direito Natural. Não decorrem meramente de uma decisão política estatal, pois, se assim fosse poderia ser considerado “justo” toda e qualquer lei editada por uma autoridade competente e em observância ao preceito legal, mesmo que referida lei ferisse frontalmente o princípio da dignidade da pessoa humana.

Obviamente, a Ordem Constitucional brasileira colima, na medida do possível, o primado do Direito, muito embora notoriamente se verifiquem muitas imperfeições no meio de que se vale para atingir seu escopo, mas levando em consideração o conceito de justiça por um viés positivista, é possível afirmar que caso constasse na Constituição brasileira uma regra que admitisse a pena de morte em caso de críticas a pessoa do chefe de Estado, mesmo que fundada em fatos que comprovadamente não lhe ofenderam a honra, esta regra seria “justa”.Ora, que “justiça” é essa? Essa é a “justiça formal”, contrária ao Direito e que, portanto não pode prosperar.

A partir deste singelo exemplo é possível compreender que as normas não podem ser editadas gratuitamente, o legislador deverá observar critérios como razoabilidade e proporcionalidade (daí surge o princípio da razoabilidade e da proporcioanlidade); deverá ponderar a tutela de bens jurídicos dignos de disciplina, neste caso deverá empregar a axiologia; considerar como imprescindível ponto de partida o “princípio da dignidade da pessoa humana”, pois a justiça material, a qual o Direito verdadeiramente preconiza, está inexoravelmente condicionada à existência destes e de outros princípios importados do Direito Natural e que, felizmente encontraram amparo no sistema positivo brasileiro.

Desta forma, tem-se que os princípios no âmbito do Direito Constitucional, por se afeiçoarem à espécie “princípios descritivos informativos”, encontram sua atuação na própria razão de existir do Direito, - o ideal de justiça – seu fundamento, de modo que já se manifestam na fase pré-jurídica de elaboração das normas quando o legislador aquilata quais seriam as potenciais normas a serem editadas, bem como na fase jurídica, onde o Ordenamento Jurídico resta positivado.

Há de se ter em vista que este estudo tem por objeto a atuação dos princípios no sistema de Direito Positivo brasileiro, onde, na medida do possível, o Legislador Constituinte logrou assegurar os princípios basilares daquilo que técnica ou ideologicamente (como queira), podem ser acunhados de Direito, pois não há Direito sem justiça, mas justiça num sentido genérico, despida de notas subjetivas individuais, justiça esta que deverá ser orientada tão somente pela diuturna laboração legislativa concorde com os princípios fundamentais do Direito e, por via de conseqüência, levando à construção de um Ordenamento razoável, lógico e pacificador.

Evidentemente, definir “justiça”, “razoabilidade”, “lógica” e “paz” transcendem ao Direito, de onde encontra-se ensejo a incidência do elemento axiológico que possibilita uma reflexão profícua no tocante a tais questões problemáticas, os quais estão em sintonia como todas as normas do sistema jurídico, máxime dos princípios enunciativos.

Em decorrência destas premissas resta intuir que um sistema que desprestigia os princípios fundamentais do Direito não é em sua essência “Direito”, antes usurpa-se do mecanismo de exteriorização do Direito que é a norma posta, editada pelo legislador competente. Tais sistemas não passam de mera forma, são Direito no sentido formal, mero conjunto de regras abstratas. Este, felizmente não é o caso do sistema jurídico brasileiro, que entendemos estar de acordo com o desiderato maior do Direito.

Para sustentar que o sistema jurídico brasileiro está embasado em princípios descritivos, necessário se faz considerar a fase pré-jurídica onde o Legislador Constituinte produz normas a partir de certas premissas fundamentais: os princípios. Em seguida, uma vez positivado o direito, as normas editadas devem cumprir sua função disciplinar conjugada com as mencionadas premissas fundamentais.

No Ordenamento Jurídico pátrio encontram-se positivados alguns princípios que inicialmente seriam premissas ao Legislador Constituinte independentemente de texto de lei, como por exemplo, o “princípio da dignidade da pessoa humana”, previsto no inciso III, do art. 1º da Constituição da República brasileira, isto devido sua peculiar relevância.

Isto posto, importa advertir que devido a guisa legislativa brasileira, diversos ramos encontram-se disciplinados na própria Constituição, onde situam-se os princípios basilares de cada um destes ramos que, a despeito de merecidamente serem reputados “princípios normativos concorrentes”, guardam relação mais próxima de seu respectivo ramo de atuação do que com o escopo de justiça material, como por exemplo o “princípio da legalidade ou tipicidade tributária”, constante do art. 150, inc. I, da CF/88. Este princípio é fundamental ao Direito Tributário, contudo, passou a ter relevância constitucional mais por uma decisão política do Legislador Constituinte do que por decorrência de sua própria razão motriz de existir, assim como ocorre com outros princípios dos demais ramos disciplinados na Carta Magna.

Assim, no Direito Constitucional que é a base, a fonte da Ordem Jurídica brasileira, encontram-se os “princípios descritivos ou informativos” essenciais. Esses princípios são aqueles relacionados ao ideal de justiça, são importados do Direito Natural, condicionados, no entanto, pela lógica e pela axiologia, tais como, o já mencionado “princípio da dignidade da pessoa humana”, o “princípio da isonomia” etc. Bem como os “princípios normativos concorrentes” que são os princípios fundamentais que orientam e informam os demais ramos do Direito, tais como: “princípio da anterioridade tributária”, previsto no art. 150 e inciso III da CF/88. Ressalvo, neste caso que os princípios específicos de determinados ramos, por transcenderem os contornos limítrofes de seus referidos ramos, reclamam o status de “princípio descritivo ou informativo”, como por exemplo, o “princípio da legalidade” em matéria penal que na escala axiológica ocupa um lugar mais prestigiado que o mesmo princípio no plano dos tributos.

Portanto, a aplicação dos princípios no plano Constitucional assenta-se em critérios eminentemente axiológicos e não apenas terminológico. Assim, é possível aceitar a classificação apresentada neste último tópico, com todas as ressalvas, sem comprometer sua criteriodicidade.

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Sobre o autor
André Luiz Cardoso

Possui o grau de bacharel em Direito pelo Centro Universitário Católico Salesiano Auxílium (2009). Atualmente é advogado profissional liberal, já atuou como advogado pleno - SAMAR - SOLUÇÕES AMBIENTAIS DE ARAÇATUBA S.A. e advogado - André Luiz Cardoso Advocacia. Possui experiência no setor público, pois, já ocupou o cargo de Procurador Jurídico Adjunto no DAEA - DEPARTAMENTO DE ÁGUA E ESGOTO DE ARAÇATUBA, bem como, possui experiência no serviço notarial e registral, bem como, já atuou como advogado associado e como profissional liberal. Também dedica-se à área acadêmica, pois, já cursou a Disciplina Didática do Ensino Jurídico no Mestrado da UNIVEM, bem como, atualmente cursa Docência do Ensino Superior na UNIP. Atualmente é Assessor Técnico de Tributos Municipais.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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O presente trabalho consiste na monografia de conclusão de curso de Direito.

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