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Quando os hospitais viram monopólios

10/07/2019 às 15:45
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Os agentes econômicos atuantes na saúde devem considerar alternativas outras às concentrações, tais como afiliações e parcerias, para atingir seus fins econômicos sem incorrer na monopolização dos mercados.

Há dois tipos de concentrações no mercado de saúde, a saber, vertical e horizontal. Aquela ocorre se um agente econômico atuante na área da saúde compra outro que não é um competidor direto, enquanto esta se caracteriza pela fusão de dois ou mais agentes econômicos que exploram o mesmo mercado. Por exemplo, um hospital ao adquirir ou fundir-se com outro pratica uma concentração horizontal porque ambos são competidores diretos.

Com efeito, a integração vertical nesse mercado, especialmente com os planos de saúde, pode limitar a rivalidade, inviabilizando de hospitais concorrentes o crescimento, haja vista a elevada interdependência entre esses dois elos da cadeia produtiva, uma vez que os planos de saúde são os maiores clientes dos hospitais, que, por sua vez, são uma das maiores fontes de custos para aqueles.

As posições contrárias aos atos de concentração envolvendo hospitais sustentam serem tais atos anticompetitivos. Todavia, para se averiguar o acerto dessas posições no caso concreto, deve-se examinar a dimensão geográfica do mercado alvo de disputa pelos hospitais e planos de saúde. Esse exame tem o condão de auferir se muitos consumidores comprariam os serviços hospitalares fora do mercado alvo caso um monopolista fizesse um significativo e não transitório aumento dos preços. 

Pois bem. Na determinação da dimensão geográfica do mercado relevante de planos de saúde, o Documento de Trabalho nº 46 da Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE), adotado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), identificou que, em média, um consumidor estaria disposto a se deslocar de 30 a 40 minutos ou 20 a 30 quilômetros para ser atendido, de forma que essa área deveria ser considerada o mercado geográfico relevante dos planos de saúde.

Tendo em vista o quanto disposto nesse documento, se um dado plano de saúde pretende adquirir o controle de um hospital, essa aquisição será indeferida pelo CADE se a análise da dimensão geográfica do mercado relevante concluir que a concentração resultaria em monopólio, com real possibilidade de fechamento de mercados.

Suponhamos, desta feita, a aquisição por determinado plano de saúde de um importante hospital num município de médio porte. Muito provável, surgiria um conglomerado hospitalar dominante a afetar a competição no mercado local de saúde, sendo improvável que pacientes deixassem a cidade-polo para consumir serviços hospitalares em qualquer outro lugar.

As cidades vizinhas poderiam não oferecer serviços avançados de saúde, eis que suas economias estariam voltadas a atividades agrícolas, sendo, pois, incapazes de atender um elevado número de pessoas se um monopólio aumentasse os preços dos serviços de saúde na cidade-polo e forçasse um elevado número de consumidores a deixar a cidade em busca de serviços hospitalares com preços módicos.

Noutro diapasão, suponhamos que um plano de saúde pretenda adquirir um importante hospital numa cidade diversa também de médio porte, todavia cercada por outras cidades de médio e grande porte que possuam considerável infraestrutura médico-hospitalar. Por assim ser, houvesse significativo aumento dos preços na cidade alvo, um consumidor estaria motivado a se deslocar de 30 a 40 minutos ou 20 a 30 quilômetros para ser atendido pagando preços menores.

Assim, um criterioso exame cuidaria de verificar se o plano de saúde adquirente de um hospital no município alvo já controla hospitais nos municípios vizinhos, de modo a não haver sobreposição horizontal no mercado de hospitais, sendo a análise limitada à integração desse mercado com os serviços de planos de saúde.

O CADE, por sua vez, aprovaria essa operação caso ela fosse vista como geradora de melhoria na qualidade da prestação de serviços médico-hospitalares e proporcionasse maior competitividade nesse mercado, além de apresentar eficiências consideradas exclusivas da operação e, demais disso, os requerentes demonstrassem que os ganhos decorrentes da operação seriam compartilhados com os pacientes.

Essas situações evidenciam a lavra do CADE na análise das pretensões aquisitivas de hospitais por planos de saúde. Inicialmente, faz-se um panorama do mercado geográfico relevante. Contabiliza-se assim o número de habitantes do município polo, o número de habitantes da região, como o número de habitantes do estado. E afrontam-se esses números com o número de hospitais do município onde ocorrerá o ato de concentração. Ademais, é de extrema relevância saber se a localização geográfica da cidade polo impediria que os consumidores procurassem tratamentos fora do polo caso um monopólio ali se instalasse.

Nesse contexto, recomenda-se aos planos de saúde e aos hospitais considerar alternativas às concentrações. Afiliações e parcerias podem gerar resultados semelhantes aos das concentrações sem incorrer na monopolização dos mercados. Possibilitam que cada agente econômico mantenha-se como entidade independente, mas fazendo uso de estruturas alheias na obtenção de conhecimento especializado e ideias para alcançar a coordenação e eficiência das suas atividades.

Ante o exposto, conclui-se ser tênue a linha divisória entre a competição saudável e o monopólio no mercado de serviços hospitalares. Espera-se, pois, do CADE uma atuação incisiva e convincente na detecção e veto de atos de concentração lesivos à livre concorrência. Ressalta-se, por fim, seja dada maior importância a iniciativas outras que não as concentrações, tais como afiliações e parcerias.

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SILVA, Reinaldo Marques. Quando os hospitais viram monopólios. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5852, 10 jul. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/72015. Acesso em: 26 abr. 2024.

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