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Investimentos diretos brasileiros na América Latina

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11/09/2019 às 16:00
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Sob a perspectiva das teorias do investimento internacional e da internacionalização da produção, estuda-se a evolução do investimento brasileiro no exterior, com destaque para os aportes dirigidos aos países latinoamericanos.

Introdução

O fenômeno de internacionalização de empresas de países emergentes, baseada em investimento direto em países estrangeiros, é relativamente recente e, por isso, pouco estudado. Desde os primórdios do fenômeno da internacionalização produtiva, apenas as empresas dos países desenvolvidos direcionavam seus investimentos para além de suas fronteiras nacionais. A constituição de grandes e competitivas empresas em países emergentes (e.g. China, Brasil Índia), somada à crise econômica persistente em alguns dos principais países ricos (e.g. Japão, UE), tem favorecido a progressiva internacionalização de grupos empresariais originários de países em desenvolvimento.

Neste trabalho, o investimento brasileiro direto na América Latina será analisado, em perspectiva histórica, como uma das formas principais de internacionalização produtiva de empresas brasileiras. Com a finalidade de compreender a importância dos investimentos estrangeiros diretos (IEDs) na dinâmica da economia internacional contemporânea, o autor exporá, de forma sucinta, na primeira parte, alguns aspectos relevantes das teorias do investimento internacional, pois, ainda que o objetivo deste trabalho não seja o aprofundamento em aspectos econômicos, entende-se que a análise de alguns destes pode esclarecer os motivos e as conseqüências, as vantagens e as desvantagens, os empecilhos e os estímulos ao processo de internacionalização das empresas nacionais.

Na seqüência, em perspectiva histórica, analisar-se-á a relevância do investimento estrangeiro direto e de seu resultado imediato: o surgimento de empresas transnacionais no mundo contemporâneo. Esse fenômeno será tratado mediante explicação das mudanças mais importantes do sistema capitalista (fim da guerra fria, formação de blocos econômicos, predomínio de idéias neoliberais). Será destacado, igualmente, o advento de investimentos diretos originários de países emergentes, aspecto concomitante à ascensão de novos pólos de poder econômico e político no sistema internacional.

Os investimentos diretos brasileiros no exterior serão o objeto de estudo da parte três, a qual contém a maior quantidade de dados e de informações resultantes da pesquisa bibliográfica. Nessa parte, o investimento brasileiro direcionado aos países da América Latina será tratado de forma destacada. A fim de conferir maior concretude às considerações e aos argumentos expostos, o autor optou, em diversas partes do texto, por referir-se nominalmente às empresas mencionadas. Os números concernentes aos valores dos investimentos e das transações foram obtidos de fontes diversas: artigos acadêmicos, dados de relatórios da Cepal, sites institucionais de empresas, etc. As informações principais foram recolhidas, de forma direta ou indireta, no site do Banco Central do Brasil e na página institucional do Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento, que se define como think tank independente, constituída no ano de 2006.


1. As teorias do investimento internacional

O investimento internacional é fenômeno inerente à história do capitalismo, embora, no decorrer do século 20, tenha assumido características específicas e adquirido maior relevância, principalmente depois da Segunda Guerra Mundial. Conforme a teoria econômica (BAUMAN, CANUTO e GONÇALVES, pp. 199-218; GILPIN, 221-259), o investimento internacional pode ocorrer de duas formas:

a) investimento de portfólio;

b) investimento estrangeiro direto.

O investimento de portfólio, que não constitui objeto central de investigação deste trabalho, é determinado, basicamente, pelo diferencial de rentabilidade do capital existente entre os países. O investidor, além das diferenças entre as taxas de juros praticadas nos diferentes países, considera os custos e os riscos da transação e a liquidez dos ativos. (BAUMAN, CANUTO e GONÇALVES, pp. 200) Esse tipo de investimento é caracterizado pela volatilidade e pela incapacidade de gerar resultados materiais efetivos. Com freqüência, é relacionado a práticas especulativas de atores financeiros internacionais, como fundos de pensão, fundos de hedge, grandes investidores individuais. Hodiernamente, esses investimentos constituem a maior parcela do capital transnacional, o qual, por meio de transações praticamente imediatas, gera oscilações repentinas nas diversas bolsas de valores do mundo. As grandes crises recentes do sistema capitalista (crise asiática, de 1997; crise russa, 1998; crise do subprime, 2008) foram determinadas, em grande medida, por essa espécie de investimento, que, conforme explicam seus críticos (e.g. James Tobin, Roubini), não são internacionalmente regulamentados ou limitados.

O investimento estrangeiro direto (IED), diferentemente do investimento de portfólio, é, como o comércio internacional e as relações contratuais plurinacionais, uma forma de internacionalização da produção, pois habitantes de um país tem acesso a produtos originários de outro. (BAUMAN, CANUTO e GONÇALVES, pp. 208) Por meio do comércio internacional, forma mais básica de internacionalização da produção, os bens produzidos em um país, após cruzarem as fronteiras nacionais, são adquiridos e consumidos em outro país. Na relação contratual, por sua vez, a empresa detentora do produto faculta - mediante autorização legal que possibilita o uso restrito de tecnologia ou de marca - a produção deste por outra empresa, localizada em país diverso. O IED, que constitui objeto central deste trabalho, caracteriza-se pelo estabelecimento físico da empresa estrangeira no país hospedeiro - por meio da construção de nova unidade produtiva, da aquisição de instalações existentes ou do controle acionário de sociedade empresarial -, a fim de, diretamente, desempenhar o controle da função produtiva.

Deve-se ressaltar que, conforme explicado por Gilpin, o conceito mais preciso de transnacional está intrinsecamente relacionado ao investimento estrangeiro direto. Este é a forma como a transnacional atua fora das fronteiras de seu país de origem. (GILPIN, pp. 223) Ainda que o comércio e as relações contratuais de delegação da produção para terceiros sejam bastante relevantes, os investimentos diretos no exterior são o aspecto que, de fato, caracterizam a empresa multinacional.

As determinantes do investimento estrangeiro direto, conforme trabalho pioneiro de Stephen Hymer, são: a existência de vantagens específicas da empresa transnacional no mercado do país hospedeiro, a antecipação à concorrência e a diversificação dos riscos (BAUMAN, CANUTO e GONÇALVES, p. 204). Os efeitos do IED, por sua vez, podem ser classificados em quatro grupos distintos: transferências de recursos, alteração no balanço de pagamentos, na concorrência e no grau de vulnerabilidade externa. (BAUMAN, CANUTO e GONÇALVES, p.215)

1.1. Determinantes do investimento estrangeiro direto

A empresa transnacional pode, de formas variadas, desfrutar de vantagens específicas no mercado hospedeiro, aspecto relevante para decisão final acerca do investimento. Considerando, que, conforme teoria econômica clássica, os agentes econômicos atuam de maneira racional, o empresário decidirá investir em mercados externos sempre que puder - na competição com os agentes já estabelecidos e na comparação com seus ganhos de origem doméstica – aumentar seus lucros, ainda que seja no longo prazo, por meio de economias de escala. Com freqüência, a transnacional é proprietária dos direitos de produção de produto que não tem concorrentes no mercado hospedeiro. Essa situação permite que a transnacional atue como monopolista no mercado hospedeiro, situação que propicia os denominados lucros extraordinários ao seu beneficiário (pp. 216, BAUMAN, CANUTO e GONÇALVES). A transnacional, além disso, pode ser detentora de técnicas específicas que incrementam sua produtividade em face das empresas preestabelecidas no mercado hospedeiro, característica que favorece a conquista progressiva do mercado do país receptor.

As empresas podem buscar a internacionalização com o objetivo de se antecipar à concorrência no mercado do país hospedeiro. Conforme essa idéia, a empresa pioneira passa a beneficiar-se de vantagens competitivas em relação àquelas que pretendem ingressar no mercado. Estas, que podem ser constituídas por outras transnacionais e por empresas do país hospedeiro, passam a ter dificuldades para entrar no mercado no qual atua a transnacional previamente estabelecida. Essa estratégia é válida principalmente para estruturas de mercados que apresentam barreiras, institucionais ou econômicas - à entrada de novos produtores. Nesses casos o pioneirismo da transnacional pode garantir lucros extraordinários por período bastante longo, uma vez que atua em mercado de difícil acesso para potenciais concorrentes.  

A opção pelos investimentos diretos em país estrangeiro pode ser, por fim, uma forma de diversificação dos riscos. A empresa que concentra todos seus investimentos produtivos em um único mercado é dependente da manutenção do bom funcionamento desse mercado, o qual, entretanto, por vezes, pode estar sujeito a flutuações determinadas pelo encerramento de ciclos naturais de crescimento e por mudanças institucionais decorrentes de políticas do governo. Tendo em vista esses aspectos, as empresas buscam atuar em mercados diversos, conduta que mitiga os efeitos negativos que podem decorrer da desestruturação ou do enfraquecimento de um mercado específico.

Assim como o investimento baseado em vantagens específicas, aquele em que a empresa busca antecipar à concorrência é também uma conduta ofensiva, pois a empresa busca conquistar de novos mercados, independentemente da situação em seu mercado de origem. No caso do investimento determinado por política de diversificação de riscos, a conduta é defensiva, pois a empresa, nesse caso, teme que suas operações sejam afetadas, de forma generalizada, pelo declínio dos lucros em um mercado específico.

1.2. Conseqüências do investimento estrangeiro direto

Sob a perspectiva do país receptor, o investimento direto gera, necessariamente, a transferência, no curto prazo, de recursos. Esses recursos podem ser tangíveis (capital, bens, pessoas) ou intangíveis (técnicas de produção, inovações administrativas, direitos de propriedade intelectual). No longo prazo, no entanto, a tendência é que empresa estabelecida no país hospedeiro remeta, sob a forma de lucros, recursos para sua matriz, localizada em seu país de origem.

A segunda conseqüência do investimento direto é a alteração no balanço de pagamentos. No país receptor, no curto prazo, verifica-se a entrada de divisas. No longo prazo, no entanto, a tendência é que haja saída de divisas sob a forma de remessas de lucro. Além disso, a balança comercial, sob a perspectiva do hospedeiro, costuma ser afetada de forma negativa, uma vez que a transnacional estabelecida tende a fazer importações de mercadorias de alto valor agregado de sua matriz (comércio intrafirma). De forma inversa, o país de origem da transnacional, no curto prazo, perde divisas, as quais, em regra, são, no longo prazo, compensadas por remessas de lucro e aumento de exportações. (pp. 216, BAUMAN, CANUTO e GONÇALVES)

No país hospedeiro, instalação de transnacional tende a aumentar a concorrência. Caso o investimento ocorra por meio de compra de empresa existente ou mediante participação em sociedade já estabelecida, a concorrência pode não ser afetada no país hospedeiro. Sob a perspectiva da empresa, o investimento em país estrangeiro pode objetivar a conquista de mercado com poucos competidores ou com competidores menos eficientes. Dessa forma, a empresa que atuava em mercado altamente competitivo (semelhante ao modelo da concorrência perfeita), no qual usufruía de lucros normais, pode buscar, por meio da internacionalização produtiva, a conquista de mercado pouco competitivo (oligopolista ou monopolista), no qual pode desfrutar de lucros extraordinários.

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Embora o país receptor de investimentos diretos obtenha diversos benefícios (geração de empregos, contato com novas tecnologias, aumento da concorrência), ele tende a torna-se mais vulnerável a aspectos externos. Com freqüência, as transnacionais se estabelecem em país estrangeiro com a finalidade estrita de explorar mercado deste. Elas, por isso, em regra, pouco podem contribuir para o incremento das exportações e para entrada de divisa no país hospedeiro. Na realidade, como explicado supra, no longo prazo, as multinacionais tendem a pressionar negativamente a balança comercial, por meio do aumento de importações de suas matrizes. Os processos de integração econômica, entretanto, como constituem grandes blocos econômicos que, sob a perspectiva empresarial, formam um único mercado, alteraram, em parte, essa característica introspectiva da multinacional. Muitas destas, por isso, após fixação em país líder da região, exportam para os outros membros bloco, sem que esse processo seja onerado por incidência de tributos e por restrições quantitativas, exceto em casos de exceções pontuais previstas nos acordos constitutivos da organização regional.

1.3. A era das transnacionais

O fenômeno das transnacionais não é isento de polêmicas. Rober Gilpin, por exemplo, na obra O desafio do capitalismo global, explica que, tradicionalmente, tanto no país receptor dos investimentos quanto no país emissor, existem defensores e críticos da atuação das transnacionais. Hodiernamente, no entanto, a maioria dos governos entende que os IEDs são importantes para o desenvolvimento econômico, ainda que, para alguns países, em certas áreas consideradas estratégicas (e.g. defesa, energia, transportes) os aportes estrangeiros devam ser limitados, regulamentados e até proibidos.

No que tange aos países emissores dos investimentos, a crítica mais comum concerne à exportação de empregos. Segundo os defensores dessa tese, o IED gera, no exterior, postos de trabalho que deveriam ser criados domesticamente (GILPIN, pp. 221). Essa crítica, no entanto, não parece ter fundamento. Constata-se, em regra, que os investimentos feitos no exterior e aqueles feitos internamente não são concorrentes. Em outros termos, não há garantia de que o aporte não destinado ao exterior será, de fato, investido internamente na ampliação da produção e, por conseqüência, na geração de empregos. O IED, além disso, no longo prazo, tende a elevar o comércio intra-firma (por meio do subfaturamento dos produtos destinados à matriz e do superfaturamento dos direcionados à subsidiária), o que favorece a criação de empregos no país de origem da empresa (pp. 216, BAUMAN, CANUTO e GONÇALVES). A familiaridade com os investidores tradicionais e a permanência de parcela da produção no país de origem da transnacional são aspectos que acarretam o incremento das exportações para o país hospedeiro, por meio do comércio internacional entre unidades de um mesmo grupo corporativo, aspecto que compensa a fuga de capitais decorrente do IED.

Nos países hospedeiros, as críticas mais comuns aos IEDs concernem à suposta ingerência nos assuntos domésticos (inclusive políticos), à dependência de capital externo, à ausência de estratégia de investimentos constantes, à inocorrência de verdadeira transferência de tecnologia, ao desrespeito a práticas social e ambientalmente sustentáveis, à exploração  temerária de recursos naturais. Essas críticas, em parte, são verdadeiras, uma vez que as transnacionais, freqüentemente, apresentam conduta nociva a alguns interesses do país hospedeiro. Conforme entendimento contemporaneamente predominante, entretanto, os problemas gerados são compensados pelos benefícios trazidos ao país hospedeiro.

Até pouco tempo atrás, o investimento produtivo direto era invariavelmente originário de países desenvolvidos. Seus destinos, por sua vez, eram outros países desenvolvidos ou países em desenvolvimento que apresentassem mínima estabilidade institucional e potencialidade de mercado para que o capital gerasse lucros para o investidor. Gilpin, por exemplo, indica o fenômeno da internacionalização produtiva de empresas oriundas de países emergentes, mas não entende que seja relevante para compreender as características gerais do investimento estrangeiro direto no mundo globalizado, exceto em situações bastante específicas, como no caso das economias do leste asiático (GILPIN, pp. 225).

O renomado professor de economia política internacional afirma que o fenômeno das empresas transnacionais é característico do período posterior à Segunda Guerra Mundial. Ele explica que, no início, a empresa transnacional limitava-se às companhias norte-americanas que, como resposta à criação da Comunidade Econômica Européia (1957), tinham expandido rapidamente suas operações para além das fronteiras dos EUA. (GILPIN, pp. 95) Em decorrência da recuperação econômica progressiva, empresas européias e, posteriormente, japonesas também começaram a investir em operações exteriores aos seus países de origem. Em meados da década de 1980, as maiores empresas multinacionais eram exclusivamente oriundas dos países desenvolvidos, ainda que, entre os hospedeiros dessas corporações, se encontrassem os países em desenvolvimento.

Inicialmente, a participação dos países em desenvolvimento, no fluxo internacional de investimentos diretos, era circunscrita à posição de receptores. Como grande parte desses países caracterizava-se pela abundância de mão de obra e de recursos naturais e pela carência de legislação ambiental e social, muitas empresas transnacionais passaram a desenvolver parcela de sua produção no mundo em desenvolvimento, a fim de reduzir custos e de, por conseqüência, melhorar a produtividade com base no aproveitamento do fator abundante.

Essa situação, na qual os países em desenvolvimento são meros receptores de IEDs, tem sido alterada, de forma progressiva, nos últimos anos. A projeção internacional das grandes economias emergentes e o ciclo de crises econômicas das economias desenvolvidas influenciaram o crescimento das relações econômicas sul-sul, inclusive no âmbito de investimentos produtivos. A atuação conjunta do setor privado e dos governos nacionais tem possibilitado ascensão rápida, inclusive nos mercados de países ricos, de conglomerados transnacionais originários de grandes países em desenvolvimento. Na atualidade, pode-se afirmar que os investimentos diretos dos países emergentes não são limitados às políticas de cooperação sul-sul. Em muitos setores, as empresas desses países decidem instalar unidades produtivas em países desenvolvidos, com a finalidade de usufruir de mercados consumidores afluentes e de mão de obra qualificada, ainda que essa opção implique aumento substancial das despesas correntes e, por conseqüência, dos custos de produção.

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Sobre o autor
Mauro Kiithi Arima Junior

Bacharel em Direito e Relações Internacionais pela USP. Especialista em Direito Político, Administrativo e Financeiro pela FD USP. Especialista em Política Internacional pela FESPSP. Mestre em Direito Internacional pela USP. Doutor em Direito Internacional pela USP. Advogado, professor e consultor jurídico.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

KIITHI, Mauro Arima Junior. Investimentos diretos brasileiros na América Latina. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5915, 11 set. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/72715. Acesso em: 28 mar. 2024.

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