A prisão preventiva, que é um dos exemplos de prisão provisória, antes do trânsito em julgado da sentença, só pode ser decretada "quando houver prova de existência do crime e indícios suficientes de autoria", como se lê do artigo 312 do Código Penal.
Há de se comprovar a materialidade do crime, a existência do corpo de delito, que prova a ocorrência do fato criminoso, seja por laudos de exame de corpo de delito ou ainda por documentos, prova testemunhal. A isso se soma como requisito a existência de "indícios suficientes de autoria", que deve ser apurada em via de fumaça de bom direito. Tal despacho que decretar a prisão preventiva, a teor do artigo 315 do Código de Processo Penal, deve ser fundamentado.
Matheus Teixeira, porém, lembrou, na linha do ministro Gilmar Mendes que fatos antigos não autorizam a decretação de prisão preventiva, como se lê de “Presunção de Não culpabilidade”.
Ali foi dito: “Ainda que graves, fatos antigos não autorizam a decretação de prisão preventiva, sob pena de esvaziamento da presunção de não culpabilidade". Com esse argumento, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, concedeu Habeas Corpus a Jacob Barata Filho e Lélis Teixeira, detidos desde 3 de julho. Ambos são empresários e prestam serviço de transporte público no Rio de Janeiro.
Segundo Gilmar Mendes, apesar da gravidade, os fatos são "consideravelmente distantes no tempo da decretação da prisão".
As prisões preventivas foram substituídas por medidas cautelares, como a suspensão do exercício de cargos em associações ligadas ao transporte, a proibição de sair do país e de manter contato com outros investigados, entre outras. Na decisão, Gilmar afirma que os crimes supostamente cometidos são graves não apenas em abstrato, mas em concreto, tendo em vista as circunstâncias da execução dos delitos.
Apesar da gravidade, os fatos são “consideravelmente distantes no tempo da decretação da prisão”, alerta o magistrado. Além disso, o ministro diz que o atual governo estadual é do mesmo grupo partidário do anterior, mas afirma que não se tem notícia de que os delitos teriam continuado.”
No caso específico da prisão cautelar preventiva, decretada contra o ex-presidente Michel Temer, observo que, segundo se noticia, de acordo com o juiz Marcelo Bretas, a medida se deu para evitar a destruição de provas e garantir a ordem pública. As justificativas são amparadas pelo Código de Processo Penal (CPP).
A decisão tem 46 páginas e apenas na página 39 é citada a prisão preventiva. Ele usa como base a gravidade do crime, mas isso, por si só, não é fundamentação. Em seguida, o documento relata os dispositivos do CPP, mas não explica o porquê da prisão.
A prisão preventiva baseada em fatos pretéritos é ilegal.
Ela só poderia ter sido decretada se houvesse algum fato presente que pudesse colocar em risco a investigação. Tem que ter alguma ameaça para que a pessoa não responda em liberdade.
Um dos principais indícios de destruição de provas apresentado pelo juiz foi identificado em 2017, na sede da empresa Argeplan, em que os funcionários eram orientados a retirar todos os pertences do escritório e as imagens das câmaras de segurança eram deletadas diariamente.
“Esse fato parece indicar que os investigados estão agindo para ocultar ou destruir provas de condutas ilícitas, o que reforça a contemporaneidade dos fatos, bem como a necessidade de medida mais gravosa”, escreveu o juiz federal Bretas em sua fundamentação.
No quesito da garantia da ordem pública, o juiz argumenta que o Supremo Tribunal Federal (STF) já entende que a prisão “tem como objetivo impedir a reiteração das práticas criminosas”.
O Ministério Público Federal afirmou, em nota, que os fatos indicam para a existência de uma organização criminosa que se mantém em operação e o ex-presidente seria a liderança responsável pelos crimes há 40 anos.
Ademais, do que foi divulgado, não há uma só evidência de que o ex-presidente esteja pondo em risco a “ordem pública ou econômica” —isto é, cometendo crimes—; constrangendo testemunhas ou eliminando provas, o que ameaçaria a instrução criminal, ou dando sinais de que pretende fugir, o que impediria a aplicação da lei penal.
Na matéria, destaco entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
- Decisão de relatoria do Ministro Felix Fischer proferida nos autos do habeas corpus n.º 449.012/SP:
Insta consignar, inicialmente, que a segregação cautelar deve ser considerada exceção, já que tal medida constritiva só se justifica caso demonstrada sua real indispensabilidade para assegurar a ordem pública, a instrução criminal ou a aplicação da lei penal, ex vi do artigo 312 do Código de Processo Penal. A prisão preventiva, portanto, enquanto medida de natureza cautelar e excepcional, não pode ser utilizada como instrumento de punição antecipada do indiciado ou do réu, nem tampouco permite complementação de sua fundamentação pelas instâncias superiores. (...) Na hipótese, o paciente foi denunciado em fevereiro de 2012, pelo suposto cometimento de homicídio qualificado ocorrido em outubro de 2007. Em 17/04/2015 foi impronunciado pela d. juíza de primeiro grau (...). Ocorre que apenas em 11/10/2017 a prisão cautelar foi determinada em v. acórdão exarado pelo eg Tribunal a quo. Assim, reconheço flagrante ilegalidade em virtude da ausência de contemporaneidade entre a medida cautelar extrema e os fatos ensejadores de sua decretação. Ante o exposto, concedo a ordem para cassar a decisão do eg. Tribunal a quo e revogar a prisão preventiva decretada em desfavor do paciente, salvo se por outro motivo estiver preso. Em substituição à prisão, devem ser impostas medidas cautelares diversas previstas no art. 319 do Código de Processo Penal, a critério do d. juízo de primeira instância. (HC n.º 449.012/SP, STJ, Rel. Min. Felix Fischer, DJ 19/06/2018).
- Decisão de relatoria do Ministro Ribeiro Dantas proferida nos autos do habeas corpus n.º 414.485:
Na hipótese, verifica-se a ausência de elementos concretos que possam justificar a custódia cautelar, para garantir a ordem pública e a instrução criminal, bem como evitar a reiteração delitiva, tendo em vista, sobretudo, que o paciente não mais exerce o cargo de Prefeito do Município de Igarapava/SP. Destaco, ainda, que, do que consta dos autos, as condutas delituosas imputadas ao paciente datam de 2013 a 2016, o que afasta a contemporaneidade do fato justificante da custódia cautelar e a sua efetivação, autorizando a conclusão, segundo entendimento desta Corte Superior, pela desnecessidade da prisão preventiva para garantia da ordem pública. (...) Concedo a ordem, de ofício, revogar a custódia preventiva do paciente, mediante a imposição das medidas alternativas à prisão previstas no art.3199, incisos I, V e VIII e IX, doCódigo de Processo Penall.” (HC n.º 414.485, STJ, Rel. Min. Ribeiro Dantas, DJ 17/10/2017).
Na lição de Aury Lopes Júnior(Fundamentos do Processo Penal, Introdução Crítica, 3ª Edição, 2017, Editora Saraiva Jur, p. 56), “a prisão cautelar transformou-se em pena antecipada, com uma função de imediata retribuição/prevenção. A ‘urgência’ também autoriza (?) a administração a tomar medidas excepcionais, restringindo direitos fundamentais, diante da ameaça à ‘ordem pública’, vista como um perigo sempre urgente”. Após fazer críticas de que as medidas de urgência atualmente tornaram-se a regra, quando deveriam por sua natureza constituírem a exceção, o ilustre professor conclui que “na esfera penal, considerando-se que estamos lidando com a liberdade e a dignidade de alguém, os efeitos dessas alquimias jurídicas em torno do tempo são devastadores. A urgência conduz a uma inversão do eixo lógico do processo, pois, agora, primeiro prende-se para depois pensar. Antecipa-se um grave e doloroso efeito do processo (que somente poderia decorrer de uma sentença, após decorrido o tempo de reflexão que lhe é inerente), que jamais poderá ser revertido, não só porque o tempo não volta, mas também porque não voltam a dignidade e a intimidade violentadas no cárcere.”
Há um privilégio contra autoincriminação, que retrata o princípio de que ninguém pode ser obrigado a produzir prova contra si mesmo.
Sendo assim tal privilégio, inserido em verdadeira garantia constitucional, como se lê do artigo 5º, LXIII, da Constituição Federal, é manifestação:
- Da cláusula da ampla defesa (artigo 5º, LV, da Constituição Federal);
- Do direito de permanecer calado (artigo 5º, LXIII, da Constituição Federal);
- Da presunção da inocência (artigo 5º, LVII, da Constituição Federal);
O direito do acusado ao silêncio assume, como revelam Ada Pellegrini Grinover, Antônio Scarance Fernandes e Antônio Magalhães Gomes Filho (As nulidades no processo penal, São Paulo, Malheiros, 1992, pág. 67) uma dimensão de verdadeiro direito, cujo exercício há de ser assegurado de maneira plena, sem acompanhamento de pressões, seja de forma direta ou direta, destinadas a induzi-lo a prestar um depoimento.
Por certo, as perguntas sobre a qualificação do acusado não estão acobertadas pelo direito ao silêncio, uma vez que não se está aqui diante de uma atividade defensiva.
Assim, a leitura que deve ser feita do artigo 186 do Código de Processo Penal, quando exige do juiz, ao informar ao acusado sobre a faculdade de não responder às perguntas formuladas, leva a considerar inconstitucional a parte que, de forma velada, esclarece que seu silêncio pode ser interpretado em prejuízo da defesa.
O direito ao silêncio não pode ser invocado, não pode servir como fundamento, para decretação da medida em tela.
De toda sorte, ao permitir-se, como regra legal, o silêncio no curso da ação penal, o sistema processual pátrio impede a utilização pelo julgador de critérios exclusivamente subjetivos na formação do convencimento judicial. Evita-se a conclusão que vem da cultura de nosso povo de que "quem cala consente"
Não pode servir a prisão preventiva como meio coativo para obrigar o investigado a falar, diante do desespero e necessidade de obter a sua liberdade.
A regra é a liberdade e o caráter da prisão preventiva é de índole temporária.
Tempos difíceis são esses que vivemos em que a presunção de inocência é colocada em segundo plano.