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Caso Neymar: a jurisprudência dá preponderância à palavra da vítima

18/06/2019 às 16:00
Leia nesta página:

Abordam-se questões jurídico-penal envolvidas em caso de estupro (da perspectiva do acusado e da vítima), merecendo atenção o fato de a jurisprudência brasileira dar peso maior à palavra da vítima para que ocorra a sentença de condenação.

A repercussão do Caso Neymar merece uma análise jurídico-penal dos fatos envolvidos, tanto do ponto de vista da acusadora quanto do acusado.

Como se sabe, a acusadora N. T. acusa o jogador de ter praticado estupro contra ela, o que teria acontecido no dia 15.05.2019.

Ela afirma que foi estupro porque a relação sexual não foi consentida, o que em tese, encontra agasalho no art. 213 do Código Penal, in verbis:

Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso: (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)

De fato, da análise do tipo legal acima, verifica-se que resta caracterizado o crime em questão - estupro - quando há relação sexual sem o consentimento de um dos envolvidos.

A mídia muito tem falado que a acusadora não tem provas quanto à sua denúncia contra o atleta, o que o favoreceria, porém, a prática judiciária e a análise da jurisprudência pátria, tanto dos tribunais de Justiça quanto dos tribunais superiores (STJ e STF), demonstram o contrário.

Isso porque o Poder Judiciário, em regra, tem dado o peso maior à palavra da vítima do alegado estupro, vez que, considerando que em regra tal crime é praticado às escondidas, sem a presença de testemunhas, caso não seja dado relevo à palavra da vítima, a maioria dos casos, quando não houvesse testemunhas, levariam à absolvição do estuprador.

Embora seja criticável o entendimento da jurisprudência, haja vista que nossa Constituição é garantista e presume a inocência do cidadão, o qual só pode ser condenado se houver prova robusta - que não deixe dúvidas -, a prática jurídica demonstra que havendo a palavra da vítima sustentando que foi estuprada, a condenação, em regra, é o que vem acontecendo.

Ademais, é bastante criticado o entendimento dos Tribunais que impõem a condenação com base principalmente na palavra da vítima, mormente considerando a possibilidade da existência da "síndrome da mulher de Potifar", "que consiste em acusar falsamente uma pessoa de ter praticado estupro contra a mulher por ter sido rejeitada", nas palavras do jurista Rodrigo Foureaux.

Destarte, embora criticável o entendimento dos tribunais brasileiros, não subsiste a alegação da mídia brasileira de que a acusadora do jogador não tem provas contra ele, pois, conforme destacado, a palavra da vítima tem peso maior no momento da condenação.

Da jurisprudência do STF e do STJ colhe-se:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PENAL E PROCESSUAL PENAL. ESTUPRO. ABSOLVIÇÃO. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO FÁTICO - PROBATÓRIO. SÚMULA N. 7 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA – STJ. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. Absolver o recorrente, diante da constatação realizada pela instância ordinária sobre a autoria, materialidade e adequação típica do delito, demandaria o reexame fático-probatório, providência vedada pelo enunciado n. 7 da súmula do Superior Tribunal de Justiça - STJ. 2. O entendimento pacificado por esta Corte é de que, em crimes contra a liberdade sexual, a palavra da vítima tem maior relevo, pois esses crimes são, constantemente, cometidos em ambientes privados, sem os olhares de outras testemunhas. 3. Agravo regimental desprovido.(STJ, AgRg no AREsp 1269541/DF, Rel.Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, DJe 05/04/2019).

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PENAL. PROCESSO PENAL. ESTUPRO. NEGATIVA DE AUTORIA. ERRO DE TIPO. VIDA DESREGRADA DA OFENDIDA. CONCUBINATO. 1. Em se tratando de delito contra os costumes, a palavra da ofendida ganha especial relevo. Aliada aos exames periciais, ilide o argumento da negativa de autoria. […] (STF, RHC 79788/MG - MINAS GERAIS, Rel. Min. NELSON JOBIM, j.02/05/2000).

Ademais, tamanha é a presunção de veracidade em favor da palavra da vítima para se obter uma condenação, que o STJ já chegou a desconsiderar a palavra da mesma vítima quando voltou atrás e disse que o condenado não era culpado. Confira:

HABEAS CORPUS. ESTUPRO E ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. CONDENAÇÃO TRANSITADA EM JULGADO. REVISÃO CRIMINAL JULGADA IMPROCEDENTE NA ORIGEM. ART. 621, III, DO CPP. PROVA NOVA. VERSÃO DA VÍTIMA QUE INOCENTA OS ACUSADOS. PLEITO ABSOLUTÓRIO. PRETENSÃO INVIÁVEL NO JUÍZO RESCISÓRIO. ORDEM DENEGADA. [...] 5. No caso dos autos, a defesa trouxe as novas declarações da vítima, em ação de justificação criminal, como alicerce da revisão, a fim de desconstituir toda a verdade então alcançada pela robusta instrução promovida no processo de conhecimento. É frágil a motivação apresentada pela ofendida, diante do minucioso cenário de investidas sexuais por parte dos réus (com riqueza de detalhes), que lhe custaram a saúde (física e mental), com clara desestrutura do núcleo familiar (sob ameaças, tiveram as envolvidas que mudar de residência). (STJ, HC 489012 / RS, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, DJe 27/05/2019).

A seu turno, o STF [2], em 18.12.2018, por 3 x 2 votos, absolveu um condenado por estupro porque o exame de DNA demonstrou que não era dele o sangue encontrado no local do crime, mas de um corréu, o que aconteceu nos autos do RHC 128096/RS, Rel. Ministro Marco Aurélio.

Assim, tem-se que, do ponto de vista da prática da jurisprudência, tem-se que a condenação pode ser obtida havendo principalmente a palavra da vítima, frise-se, embora criticável, conforme já explanado.

Agora, do ponto de vista da acusação feita ao jogador, caso reste demonstrado nos autos que não é verdadeira, a vítima pode ser responsabilizada pelo crime de denunciação caluniosa, nos termos do art.339 do Código Penal, in verbis:

Art. 339. Dar causa à instauração de investigação policial, de processo judicial, instauração de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabe inocente: (Redação dada pela Lei nº 10.028, de 2000)

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Em outras palavras, caso a justiça criminal entenda que não houve crime de estupro, poderá haver a imputação do crime de denunciação caluniosa à vítima, vez que, com a denúncia dela, houve a instauração de inquérito policial contra o jogador.

Diante o exposto, tem-se que o caso deve ser investigado detalhadamente para não haver uma punição injusta de nenhum dos envolvidos, porém, saliente-se que, para a condenação dos acusados de estupro, em regra, basta principalmente a palavra da vítima, conforme se observa dos entendimentos dos Tribunais de Justiça e dos Tribunais Superiores (STF e STJ).


REFERÊNCIAS

1. FOUREAUX, Rodrigo. Análise jurídica do caso de estupro envolvendo o Neymar. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5815, 3 jun. 2019. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/74375>. Acesso em: 17 jun. 2019.

2. https://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI293167,71043Com+base+em+laudo+de+DNA+STF+absolve+condenado+por+estupro. Acesso em: 17 jun. 2019.

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Sobre o autor
Adão Mendes Gomes

Advogado; Graduado em Direito pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB); Ex-Juiz Leigo do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia; Especialista em Ciências Criminais; Especialista em Direito Processual Penal; Autor de livros jurídicos e artigos jurídicos; Autor do blog jurídico "O Direito na Berlinda", que trata especialmente de temas ligados ao Direito Penal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOMES, Adão Mendes. Caso Neymar: a jurisprudência dá preponderância à palavra da vítima. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5830, 18 jun. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/74757. Acesso em: 2 nov. 2024.

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