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Contribuição sindical, facultatividade real: heurística, vieses e nudge

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02/08/2019 às 13:35
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5. Facultatividade e facultatividade real.

Como visto, a medida provisória 873/2019 inverteu o sinal inconsciente do comportamento. Se antes da medida provisória a contribuição era facultativa, mas com viés (pelo status quo) à contribuição, que ainda era otimizada pela possibilidade de adesão coletiva; depois o viés passou a trabalhar pela não contribuição, dificultada pela necessidade de adesão individual.

O padrão, pois, passaria a ser outro. Conforme Samuelson e Zeckhauser (1988), a combinação da aversão à perda com a escolha irracional implica que, se uma opção for designada como default, ela atrairá mais pessoas. Opções padrões, portanto, atuam como poderosos nudges, que alteram as opções dos indivíduos.

O problema que aqui deve ser colocado é: há legitimidade nessa alteração?

Thaler e Sunstein (2008), como dois principais defensores do paternalismo libertário, entendem que os nudges podem ser utilizados como estímulos a certas condutas benéficas à coletividade, mas jamais podem representar uma imposição. Desse modo, correntemente o nudge é uma técnica utilizada sobretudo para induzir condutas que favoreçam a coletividade (como a doação de órgãos e a diminuição do número de fumantes), mas, mesmo nessa hipótese, jamais pode ser usada para inviabilizar a escolha, somente para induzi-la.

O caso da contribuição sindical ainda é mais nebuloso, pois não há a princípio algo que evidencie que a contribuição ou a ausência dela gere benefícios coletivos claros, o que torna o caso complexo para se estabelecer se cabe ou não a utilização do nudge. Mesmo os lados da questão têm dificuldade quanto a isso, tanto é assim que, embora ambos os lados defendam a ideia que a fixação de padrões de recolhimento e autorização não implicam coerção, até mesmo porque cada um quer estabelecer algum default, ambos entendem como indevido o padrão que o outro pretende estabelecer.

Também ambos levantam questões de ordem coletiva para a defesa da indução: enquanto os partidários da posição sindical argumentam que o sufocamento das fontes de custeio sindicais são uma violação do próprio art. 8° da Constituição Federal, que erige a liberdade sindical como um de seus princípios; do outro lado, os partidários do ato do governo afirmam que ele não somente preserva a liberdade sindical, mas a incrementa na medida que a alocação de recursos dos sindicalizados começará a ser feito com base na prestação sindical para a categoria, o que estimularia os bons sindicatos.

Fugindo das aparências argumentativas, os embates sobre a validade política e jurídica da medida provisória 873/2019 nada mais são do que uma disputa sobre viesses cognitivos, um cabo de guerra pelas tendências comportamentais dos potenciais sindicalizados. Os lados buscam apoderar-se do viés do status quo e da aversão à perda para, no final das contas, sedimentar suas posições.

Assim, a despeito de ser controversa a interpretação sobre o princípio da liberdade sindical, é incontroverso que qualquer padrão de conduta, além de gerar descontentamento, é impregnado de posições ideológicas. Cabe-nos questionar, dessa forma, não mais a legitimidade da alteração, mas a legitimidade da adoção de um default, seja ele a favor de uma posição ou outra.

Afinal, tal como assinalado por Thaler e Sunstein (2008), qualquer default é um mecanismo poderoso para a alteração dos comportamentos. De modo que uma seta apontada apenas para um lado não apenas representa a consolidação do pensamento deste, mas o esvaziamento da própria facultatividade concedida aos indivíduos na reforma trabalhista.

Ora, se a reforma trabalhista atribuiu ao sindicalizado o direito de optar ou não pela contribuição sindical, o controle de seus vieses por quem quer que seja são uma completa violação à sua faculdade de escolha. Como resultado, seja pela adoção integral do teor da medida provisória 873/2019, ou pela não adesão aos seus preceitos mantendo-se a redação original da consolidação das leis trabalhistas, haveria a opção por uma facultatividade mitigada, não por uma facultatividade real.

Sob esse prisma, e tendo como premissa que a facultatividade é opção constitucionalmente aceitável, como já entendeu o Supremo Tribunal Federal, sobeja o fato que devemos buscar, dentro do possível, tornar essa faculdade real. Isto é, fazer com que os sindicalizados, com base em informações imparciais e corretas, optem ou não por contribuírem ao regime sindical.

Nesse sentido, a facultatividade real, que em muitos pontos se liga à liberdade cartesiana, deve ser vista como uma escolha entre dois contrários qualificada pela ausência de influências impositivas externas (1983). Melhor, portanto, que a adoção de defaults que contemplem interesses, o conhecimento e a oportunidade das escolhas seria o caminho mais próximo da escolha livre.

Vale dizer, nesses casos os defaults ou nudges devem ser adotados como vetores da oportunidade e do conhecimento da escolha, e não para estabelecer vieses em favor ou contra um comportamento. Afinal, prima facie, o comportamento de contribuir ou a ausência de contribuir não é necessariamente bom ou ruim para a coletividade.

Na falta de uma posição certa a seguir, não basta apenas garantir formalmente a liberdade/facultatividade na escolha, mas fazer dela o próprio padrão, o default. O nudge deve, pois, ser o empurrão para a liberdade, não para uma ou outra escolha enviesada.

Dados esses contornos, a fim de atribuir a escolha verdadeiramente àquele que contribui, deveríamos acima de tudo prezar para que houvesse liberdade e informação na escolha da contribuição. Com efeito, todos os lados, no lugar de lutarem pelos vieses dos indivíduos, deveriam buscar promover um ambiente livre e sadio de escolha, com campanhas visando à informação e ponderando vantagens e desvantagens de cada conduta.

Para catalisar esse ambiente imparcial, uma recomendação normativa nesse sentido seria a atribuição ao indivíduo da escolha, inclusive com certa frequência, pela autorização individual ou coletiva e, caso opte pela contribuição, com plena liberdade de forma de pagamento. Essa dupla liberdade, de contribuição e da forma de pagamento, opera em favor do indivíduo, que terá o controle de suas escolhas. Opera ainda melhor se bem informado das consequências de suas condutas.

Portanto, o embate posto é de certo modo parcial porque parte de dois panoramas que, sob essa ótica, se transformam em premissas enviesadas. Ou valerá a redação da medida provisória 873, com uma forte tendência a não contribuição (o que já não é mais uma realidade); ou valerá a redação da consolidação das leis do trabalho, com uma clara tendência a contribuição (o que é o atual contexto).

Idealmente, uma terceira via, com maior liberdade e informação ao indivíduo deveria ser aberta. Assim, e somente assim, poderíamos falar em decisão não contaminada por vieses em prol de um ou outro interesse e, portanto, como visto, em decisão livre e em facultatividade real.


Conclusões

As discussões em torno da medida provisória 873/2019 e da própria facultatividade de contribuição estabelecida na consolidação das leis do trabalho, como visto, se travam para além do campo político e social, podendo ser também entendidas e ligadas a fenômenos descritos pela economia-comportamental. O controle desses fatores, que agem como estimulantes ou inibidores do comportamento dos indivíduos, são em verdade a razão para os conflitos, em todos os campos, que seguem a medida.

Com algumas das ferramentas legadas pelos nobéis de economia, tais como a heurística (Daniel Kahneman), o status quo bias (Paul Samuelson) e o nudge (Richard Thaler), foi possível analisar e perceber que os embates em torno da autorização individual ou coletiva, o pagamento com desconto em folha ou via boleto bancário, ambos afetos à facultatividade da contribuição sindical, partem de panoramas estabelecidos com claros vieses, seja em prol dos sindicatos (redação da Consolidação das Leis do Trabalho), seja em prol da posição do governo (medida provisória 873/2019).

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Desse modo, a facultatividade da contribuição sindical, reconhecida como constitucional pelo Supremo Tribunal Federal, resta mitigada pelos vieses que se pretendem impor às escolhas dos indivíduos, induzindo-os inconscientemente por vezes à contribuição, por vezes à ausência dela, o que, em última instância, representa violação ao seu direito à liberdade de escolha.

Por essa razão, em busca de um ambiente neutro, com atenuação dos vieses induzidos e buscando conceder maior liberdade ao indivíduo, propõe-se que a escolha contributiva deva ser individual, frequente e livre quanto à forma de pagamento, em enfoque diverso do contido na CLT e na MP 873. Do mesmo modo, e paralelamente, sugere-se que às entidades sindicais e governamentais, no lugar de buscar o controle dos vieses, possibilitem um amplo acesso à informação pelos indivíduos, especialmente no que atine aos objetivos das entidades e às consequências dos comportamentos individuais, a fim de proporcionar uma completa ponderação das opções por aqueles que efetivamente devam fazê-las.

Sob esse novo panorama, e somente sob ele, será possível garantir a facultatividade real à contribuição sindical.


Referências:

DESCARTES, R. Meditações. São Paulo: Abril Cultural, 1983.

KAHNEMAN, Daniel. Rápido e Devagar: duas formas de pensar. 1° ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012.

KAHNEMAN, Daniel; KNETSCH, Jack L.; THALER, Richard H. Anomalies: the endowmente effect, loss aversion, and status quo bias. The Journal of Economic Perspectives, 51, pp. 193-206. 1991.

KAHNEMAN, Daniel; TVERSKY, Amos. Judgment under Uncertainty: Heuristics and Biases. Science, New Series, Vol. 185, No. 4157. (Sep. 27, 1974), pp. 1124-1131.

SAMUELSON, William; ZECKHAUSER, Richard. Status Quo Bias in Decision Making. Journal os Risk and Uncertainty, pp. 7-59. 1988.

SIMON, Herbert A. A Behavioral Model of Rational Choice. The Quarterly Journal of Economics, Vol. 69, No. 1. (Feb., 1955), pp. 99-118.

THALER, Richard H; SUNSTEIN, Cass R. Nudge: improving decisions about health, wealth and happiness. Caravan Book. 2008.


Notas

1 Ver em: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2019/03/faculdade-de-direito-da-usp-desafia-mp-de-bolsonaro-e-autoriza-desconto-sindical-em-folha.shtml

2 Ver em:https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2019/03/08/mp-873-contribuicao-sindical-boleto-bancario-inconstitucional.htm

3 Ver em: https://www.ocafezinho.com/2019/03/18/caso-stf-nao-se-manifeste-sindicatos-sofrerao-terrivel-asfixia-financeira-em-marco/

4 Ver em: https://www.cut.org.br/noticias/presidente-do-congresso-admite-que-pode-devolver-a-mp-873-ao-governo-2ed8

5 Ver em: https://www.condsef.org.br/noticias/sete-estados-brasileiros-ja-tem-liminar-contra-mp-873

6 Ver em: https://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI298377,71043-Contrariando+MP+87319+juiz+libera+contribuicao+sindical+direto+na

7 Para outros exemplos, ver: KAHNEMAN, Daniel; TVERSKY, Amos. Judgment under Uncertainty: Heuristics and Biases. Science, New Series, Vol. 185, No. 4157. (Sep. 27, 1974), pp. 1124-1131

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Sobre o autor
Lucas José Bezerra Pinto

Procurador Federal junto à Advocacia-Geral da União. Atua no Núcleo de Atuação Prioritária da Procuradoria Regional Federal da 1° Região em Brasília/DF.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PINTO, Lucas José Bezerra. Contribuição sindical, facultatividade real: heurística, vieses e nudge. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5875, 2 ago. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/75409. Acesso em: 22 abr. 2025.

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