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Contribuição sindical, facultatividade real: heurística, vieses e nudge

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02/08/2019 às 13:35
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3. Vieses: aversão à perda e status quo bias.

Como demonstrado acima, aderimos à atalhos de pensamentos para, em última análise, descomplexificar a realidade e tomarmos decisões. Esses atalhos muitas vezes se portam como vieses nos nossos comportamentos, a direcionar nossas condutas por modelos, informações disponíveis em nossa mente ou mesmo por receios, pressões ou medo.

Imaginemos a seguinte proposta que alguém poderia te fazer:

O que você prefere?

A. Decidir no cara ou coroa. Se der cara, você ganha 100 reais; se der coroa, não ganha nada.

B. Ganhar 46 reais com certeza.

Em contextos como esse, nos experimentos de Kahneman, a grande maioria das pessoas preferiu os 46 reais à aposta na incerteza. Do ponto de vista racional, mais valeria o risco à certeza, pois as chances matemáticas multiplicadas pelo total dariam 50, que obviamente é maior que 46, assim maior seria a utilidade potencial da aposta. Teorizando a situação, explica ele que “na verdade, um tomador de decisão avesso ao risco escolherá uma coisa segura que é menos do que o valor esperado na prática pagando um ágio para evitar a incerteza” (KAHNEMAN, 2012, Pág. 340).

Em outras palavras, Kahneman encontra um claro viés de aversão à perda no sentido que as pessoas costumam preferir a segurança à uma incerteza, ainda que sob ela possam auferir maiores benefícios. Mais precisamente, o Nobel de Economia encontra uma razão de aproximadamente 2:1 (dois para um), em que as pessoas apenas estariam dispostas à incerteza quando o proveito for duas vezes maior que a potencial perda (1991).

Não é difícil imaginar que todos nós somos aversos à perda e que, mesmo em situações matematicamente favoráveis, preferimos evitar perder a ter a possibilidade de ganhar. É interessante notar, entretanto, que essa aversão é tal que nos leva muitas vezes a fazer escolhas irracionais, como a apontada acima, em que a utilidade da aposta seria maior que a da certeza.

A aversão à perda, por sua vez, gera outro interessante efeito, o viés do status quo ou o status quo bias. Inicialmente identificado por Samuelson e Zeckhauser, esse viés pode ser descrito como uma tendência do indivíduo de permanecer em sua posição, mesmo que uma mudança pudesse maximizar o seu bem-estar. Segundo eles, “embora essa afinidade pelo status quo possa ser interpretada como uma resposta racional aos custos reais de transição e a resultados incertos, os experimentos (abstraindo esses fatores) sugerem fortemente que a resposta está em outro lugar. Em nossa opinião, a melhor explicação é que a escolha do status quo age como uma âncora psicológica. Grosso modo, quanto mais forte o compromisso anterior do indivíduo com o status quo, mais forte será o efeito de ancoragem” (SAMUELSON; ZECKHAUSER, 1988, Pág. 41) (tradução nossa).

Em outras palavras, até mesmo por aversão à perda, somos fieis às nossas posições pré-estabelecidas, mesmo quando essa posição não seja vantajosa em relação à potencial nova posição.

Esse viés age tão fortemente nas nossas decisões que explica uma grande parte das nossas escolhas irracionais, tais como: a continuidade de produção de bens não lucrativos por empresas, a lealdade a certas marcas pelo consumidor, a tendência a reeleição de políticos já ocupantes de cargos (“melhor o certo que o duvidoso”) e a continuidade de matrimônios sem qualquer vínculo amoroso.

Assim, pelos trabalhos de Kanheman, Samuelson e Zeckhauser, fica evidente que os indivíduos possuem uma natural aversão ao risco e, como consequência, em suas respostas heurísticas, tendem fortemente a permanecer em suas posições sociais, políticas, econômicas e comportamentais.


4. O nudge.

Há uma evidente correlação entre a heurística, a aversão às perdas, o viés do status quo e às resistências à medida provisória 873/2019. Antes disso, todavia, gostaria de introduzir um outro conceito da economia comportamental, que igualmente nos presta a identificar a problemática envolvendo a medida: o nudge.

O Nobel de economia Richard Thaler, partindo das premissas postas, teorizou que seria possível, aproveitando-se da nossa arquitetura de escolhas, induzir psicologicamente as pessoas a certos comportamentos através de nudges. Na sua definição, um nudge seria “qualquer aspecto da arquitetura de escolha que altere o comportamento das pessoas de uma maneira previsível e sem proibir nenhuma opção ou alterar significativamente os incentivos econômicos” (THALER, 2008, Pág. 6) (tradução nossa).

Ora, se funcionamos com base no sistema 1, que colhe informações para criar modelos e padrões de resposta, por que não induzirmos com essas informações certos comportamentos?

É simples perceber que hoje isso ocorre, querendo ou não, casualmente, para não dizer a todo momento. Do uso do vermelho, cor que estimula o apetite, nas propagandas da Coca Cola até a disposição de produtos mais rentáveis no campo de visão do cliente enquanto os menos rentáveis nas primeiras ou últimas prateleiras do supermercado, tudo isso é um estímulo não coercitivo a certos comportamentos.

Um ótimo exemplo do uso da técnica, atrelado ao nosso viés do status quo, ocorre no mercado editorial, quando revistas ou jornais nos brindam com assinaturas grátis por três ou seis meses, nos induzindo a continuidade de uma relação contratual onerosa após o período, que sob o pretexto da voluntariedade não seria naturalmente adquirida. Outra situação cotidiana representativa é quando os bancos de doação de órgãos nos colocam como doadores automaticamente, devendo haver uma opção em vida para a exclusão do cadastro.

Em ambos os contextos, percebam, houve utilização do viés do status quo, da nossa tendência de nos mantermos em inércia, com o objetivo de atender os interesses da empresa (caso da venda de revistas) ou da coletividade (caso da doação de órgãos). O estímulo ou empurrão para a conduta foi o nudge.

Agora mudemos um pouco o exemplo: imagine-se que a relação contratual com a revista devesse ser paga por boleto, mês a mês. Nos meses que houvesse pagamento, haveria remessa da revista; o contrário ocorreria nos meses sem pagamento. Pior, pense que a editora não pudesse te enviar qualquer revista sem antes te enviar um contrato em que você, e somente você, poderia anuir com a distribuição gratuita ou onerosa da revista. Em tais circunstâncias, parece fácil deduzir que muito provavelmente haveria uma diminuição considerável das contratações, com consequente diminuição das receitas da editora.

Essa é a situação da medida provisória 873/2019 e a razão dela gerar tanto descontentamento, seja por parte dos sindicatos, seja por parte de setores políticos ou sociais. Trouxe ela duas principais mudanças ao procedimento de recolhimento da contribuição sindical que induzem certos comportamentos, quais sejam:

1° faz com que a adesão à contribuição sindical seja individual, proibindo que seja feita coletivamente;

2° faz com que o pagamento da contribuição deva ser feito via boleto bancário, impossibilitando o desconto em folha.

Ao assim proceder, gera pequenos ônus para o indivíduo contribuir sindicalmente, pois: a) a adesão individual permite clara liberdade em relação às pressões da classe numa adesão coletiva; b) o pagamento via boleto faz com que a inércia direcione a conduta ao não pagamento. Pois bem, a escolha individual e mês a mês expurga tanto a interferência imediata de terceiros, como o pagamento pelo viés do status quo, situação que claramente não é benéfica aos sindicatos.

Hoje, por força do art. 580, I, da consolidação das leis do trabalho, a contribuição sindical corresponde a remuneração de um dia de trabalho por ano, isto é, se o valor for de um salário mínimo, a contribuição corresponderia a pouco mais de 30 (trinta) reais/ano. Portanto, sendo pequeno o valor, há uma alta probabilidade de a decisão de contribuição ser movida pelo viés do status quo.

Portanto, as disposições da caduca medida provisória 873/2019, ao gerarem um pequeno ônus para o indivíduo contribuir sindicalmente, funcionavam como um nudge, um estímulo a certos comportamentos não obrigatórios, aproveitando-se dos nossos vieses cognitivos. No caso, um contra incentivo ao viés do status quo de contribuir ou um incentivo a não contribuição.

Disso, advém um importante questionamento: é legítima a adoção deste nudge? É idônea a utilização dos nossos vieses?


5. Facultatividade e facultatividade real.

Como visto, a medida provisória 873/2019 inverteu o sinal inconsciente do comportamento. Se antes da medida provisória a contribuição era facultativa, mas com viés (pelo status quo) à contribuição, que ainda era otimizada pela possibilidade de adesão coletiva; depois o viés passou a trabalhar pela não contribuição, dificultada pela necessidade de adesão individual.

O padrão, pois, passaria a ser outro. Conforme Samuelson e Zeckhauser (1988), a combinação da aversão à perda com a escolha irracional implica que, se uma opção for designada como default, ela atrairá mais pessoas. Opções padrões, portanto, atuam como poderosos nudges, que alteram as opções dos indivíduos.

O problema que aqui deve ser colocado é: há legitimidade nessa alteração?

Thaler e Sunstein (2008), como dois principais defensores do paternalismo libertário, entendem que os nudges podem ser utilizados como estímulos a certas condutas benéficas à coletividade, mas jamais podem representar uma imposição. Desse modo, correntemente o nudge é uma técnica utilizada sobretudo para induzir condutas que favoreçam a coletividade (como a doação de órgãos e a diminuição do número de fumantes), mas, mesmo nessa hipótese, jamais pode ser usada para inviabilizar a escolha, somente para induzi-la.

O caso da contribuição sindical ainda é mais nebuloso, pois não há a princípio algo que evidencie que a contribuição ou a ausência dela gere benefícios coletivos claros, o que torna o caso complexo para se estabelecer se cabe ou não a utilização do nudge. Mesmo os lados da questão têm dificuldade quanto a isso, tanto é assim que, embora ambos os lados defendam a ideia que a fixação de padrões de recolhimento e autorização não implicam coerção, até mesmo porque cada um quer estabelecer algum default, ambos entendem como indevido o padrão que o outro pretende estabelecer.

Também ambos levantam questões de ordem coletiva para a defesa da indução: enquanto os partidários da posição sindical argumentam que o sufocamento das fontes de custeio sindicais são uma violação do próprio art. 8° da Constituição Federal, que erige a liberdade sindical como um de seus princípios; do outro lado, os partidários do ato do governo afirmam que ele não somente preserva a liberdade sindical, mas a incrementa na medida que a alocação de recursos dos sindicalizados começará a ser feito com base na prestação sindical para a categoria, o que estimularia os bons sindicatos.

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Fugindo das aparências argumentativas, os embates sobre a validade política e jurídica da medida provisória 873/2019 nada mais são do que uma disputa sobre viesses cognitivos, um cabo de guerra pelas tendências comportamentais dos potenciais sindicalizados. Os lados buscam apoderar-se do viés do status quo e da aversão à perda para, no final das contas, sedimentar suas posições.

Assim, a despeito de ser controversa a interpretação sobre o princípio da liberdade sindical, é incontroverso que qualquer padrão de conduta, além de gerar descontentamento, é impregnado de posições ideológicas. Cabe-nos questionar, dessa forma, não mais a legitimidade da alteração, mas a legitimidade da adoção de um default, seja ele a favor de uma posição ou outra.

Afinal, tal como assinalado por Thaler e Sunstein (2008), qualquer default é um mecanismo poderoso para a alteração dos comportamentos. De modo que uma seta apontada apenas para um lado não apenas representa a consolidação do pensamento deste, mas o esvaziamento da própria facultatividade concedida aos indivíduos na reforma trabalhista.

Ora, se a reforma trabalhista atribuiu ao sindicalizado o direito de optar ou não pela contribuição sindical, o controle de seus vieses por quem quer que seja são uma completa violação à sua faculdade de escolha. Como resultado, seja pela adoção integral do teor da medida provisória 873/2019, ou pela não adesão aos seus preceitos mantendo-se a redação original da consolidação das leis trabalhistas, haveria a opção por uma facultatividade mitigada, não por uma facultatividade real.

Sob esse prisma, e tendo como premissa que a facultatividade é opção constitucionalmente aceitável, como já entendeu o Supremo Tribunal Federal, sobeja o fato que devemos buscar, dentro do possível, tornar essa faculdade real. Isto é, fazer com que os sindicalizados, com base em informações imparciais e corretas, optem ou não por contribuírem ao regime sindical.

Nesse sentido, a facultatividade real, que em muitos pontos se liga à liberdade cartesiana, deve ser vista como uma escolha entre dois contrários qualificada pela ausência de influências impositivas externas (1983). Melhor, portanto, que a adoção de defaults que contemplem interesses, o conhecimento e a oportunidade das escolhas seria o caminho mais próximo da escolha livre.

Vale dizer, nesses casos os defaults ou nudges devem ser adotados como vetores da oportunidade e do conhecimento da escolha, e não para estabelecer vieses em favor ou contra um comportamento. Afinal, prima facie, o comportamento de contribuir ou a ausência de contribuir não é necessariamente bom ou ruim para a coletividade.

Na falta de uma posição certa a seguir, não basta apenas garantir formalmente a liberdade/facultatividade na escolha, mas fazer dela o próprio padrão, o default. O nudge deve, pois, ser o empurrão para a liberdade, não para uma ou outra escolha enviesada.

Dados esses contornos, a fim de atribuir a escolha verdadeiramente àquele que contribui, deveríamos acima de tudo prezar para que houvesse liberdade e informação na escolha da contribuição. Com efeito, todos os lados, no lugar de lutarem pelos vieses dos indivíduos, deveriam buscar promover um ambiente livre e sadio de escolha, com campanhas visando à informação e ponderando vantagens e desvantagens de cada conduta.

Para catalisar esse ambiente imparcial, uma recomendação normativa nesse sentido seria a atribuição ao indivíduo da escolha, inclusive com certa frequência, pela autorização individual ou coletiva e, caso opte pela contribuição, com plena liberdade de forma de pagamento. Essa dupla liberdade, de contribuição e da forma de pagamento, opera em favor do indivíduo, que terá o controle de suas escolhas. Opera ainda melhor se bem informado das consequências de suas condutas.

Portanto, o embate posto é de certo modo parcial porque parte de dois panoramas que, sob essa ótica, se transformam em premissas enviesadas. Ou valerá a redação da medida provisória 873, com uma forte tendência a não contribuição (o que já não é mais uma realidade); ou valerá a redação da consolidação das leis do trabalho, com uma clara tendência a contribuição (o que é o atual contexto).

Idealmente, uma terceira via, com maior liberdade e informação ao indivíduo deveria ser aberta. Assim, e somente assim, poderíamos falar em decisão não contaminada por vieses em prol de um ou outro interesse e, portanto, como visto, em decisão livre e em facultatividade real.

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Sobre o autor
Lucas José Bezerra Pinto

Procurador Federal junto à Advocacia-Geral da União. Atua no Núcleo de Atuação Prioritária da Procuradoria Regional Federal da 1° Região em Brasília/DF.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PINTO, Lucas José Bezerra. Contribuição sindical, facultatividade real: heurística, vieses e nudge. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5875, 2 ago. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/75409. Acesso em: 22 dez. 2024.

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