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Contribuição sindical, facultatividade real: heurística, vieses e nudge

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02/08/2019 às 13:35
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Examina-se, sob a ótica da economia comportamental, o fim da contribuição sindical obrigatória (Lei 13.467/2017) e a forma de autorização e recolhimento (veiculada na já caduca Medida Provisória 873/2019).

Resumo: Este artigo não busca examinar o fim da contribuição sindical obrigatória (lei 13.467/2017) e a forma de autorização e recolhimento (veiculada na já caduca medida provisória 873/2019) sob uma ótica política, social ou teleológica. Procura, de outro modo, analisar as mudanças legislativas em face das descrições de fenômenos e induções de condutas da economia comportamental, sobretudo com as ferramentas legadas pelos nobéis de economia Paul Samuelson, Daniel Kahneman e Richard Thaler. Assim, apresentam-se conceitos desse campo da economia e sua aplicação à análise do direito, visando, como fim, descortinar o embate posto sob o aspecto econômico-comportamental e demonstrar como seus atores buscam na prática o controle dos vieses cognitivos-comportamentais daqueles que possuem “liberdade” de escolha de contribuição.

Sumário: Introdução. 1. Mudanças legislativas na obrigatoriedade da contribuição sindical. 2. Racionalidade limitada e heurística. 3. Vieses: aversão à perda e status quo bias. 4. O nudge. 5. Facultatividade e facultatividade real. Conclusão. Referências.


Introdução

Com a edição da medida provisória 873/2019, que trouxe alterações procedimentais na autorização para a contribuição sindical e na sua forma de pagamento, surgiu um forte debate na sociedade sobre sua repercussão e legitimidade. Afinal, estaria ela apenas incrementando a facultatividade contributiva já normatizada e tida por constitucional pelo Supremo Tribunal Federal ou estaria sufocando de vez o movimento sindical ao impossibilitar a automatização das contribuições?

Ainda em sua vigência, muitas foram as possíveis respostas, algumas sob óticas políticas, outras sob óticas sociais. Contudo, se bem visto, a questão em fundo gravita em torno de certos fenômenos e fatores já há muito descritos pela economia comportamental. Com base, portanto, nos trabalhos de estudiosos renomados da área (três nobéis de economia: Daniel Kahneman, Paul Samuelson e Richard Thaler), o artigo busca introduzir e aplicar os conceitos por eles trazidos.

Assim, ainda que atualmente caduca a medida provisória 873/2019, o que se objetiva com sua análise é evidenciar como nela se expõe a interrelação entre a economia, a psicologia e os embates político-sociais (que tem como pano de fundo o direito), mostrando que, quando desvendadas, essas ferramentas podem nos auxiliar na construção de soluções otimizadas em prol da liberdade dos indivíduos.


1. Mudanças Legislativas na obrigatoriedade da contribuição sindical.

A reforma trabalhista veiculada pela lei 13.467/2017, dentre tantas outras mudanças, trouxe o fim da contribuição sindical obrigatória. Com as alterações nos arts. 545, 578, 579, 582, 583, 587 e 602 da Consolidação das leis do Trabalho, a contribuição somente poderá ser descontada com a autorização prévia e expressa do empregado.

Após muitos debates, no dia 28 de junho de 2018, o Supremo Tribunal Federal, por seis votos a três, julgou improcedente a ação direta de inconstitucionalidade 5.794 e procedente a ação declaratória de constitucionalidade 55. A Corte entendeu, por fim, que as alterações contidas na lei 13.467/2017, que tornam facultativas as contribuições sindicais, eram constitucionais.

Em 1° de março de 2019, adveio a medida Provisória 873, que alterou novamente as redações dos arts. 545, 578, 579 e 582 e inclui o art. 579-A na consolidação das leis trabalhistas. Tais modificações, além de reforçarem a facultatividade da contribuição sindical, combateram certas condutas e tendências comportamentais, seja dos empregados, seja dos sindicatos, que pesavam na manutenção da condição de contribuinte.

Com o intuito de tornar mais claras as alterações, vejamo-las de maneira mais detalhada, comparando as redações dos principais artigos em discussão conferidas pela lei 13.467/2017 e pela medida provisória 873/2019:

Tabela de alterações dos arts. 578. e 582 da CLT.

Lei 13.467/2017

Medida Provisória 873/2019

Art. 578. As contribuições devidas aos sindicatos pelos participantes das categorias econômicas ou profissionais ou das profissões liberais representadas pelas referidas entidades serão, sob a denominação de contribuição sindical, pagas, recolhidas e aplicadas na forma estabelecida neste Capítulo, desde que prévia e expressamente autorizadas.

Art. 578. As contribuições devidas aos sindicatos pelos participantes das categorias econômicas ou profissionais ou das profissões liberais representadas pelas referidas entidades serão recolhidas, pagas e aplicadas na forma estabelecida neste Capítulo, sob a denominação de contribuição sindical, desde que prévia, voluntária, individual e expressamente autorizado pelo empregado. (grifo nosso)

Art. 582. Os empregadores são obrigados a descontar da folha de pagamento de seus empregados relativa ao mês de março de cada ano a contribuição sindical dos empregados que autorizaram prévia e expressamente o seu recolhimento aos respectivos sindicatos.

Art. 582. A contribuição dos empregados que autorizarem, prévia e expressamente, o recolhimento da contribuição sindical será feita exclusivamente por meio de boleto bancário ou equivalente eletrônico, que será encaminhado obrigatoriamente à residência do empregado ou, na hipótese de impossibilidade de recebimento, à sede da empresa. (grifo nosso)

Como se pode vislumbrar, com a medida provisória 873/2019 foram adicionadas expressões como “voluntária” e “individual” aos artigos, que acabaram naquele momento inviabilizando a autorização coletiva ou implícita para o desconto em salário, bem como determinada a forma de pagamento da contribuição, que somente poderia ser feita “por meio de boleto bancário ou equivalente eletrônico”.

Da lei para a medida provisória, podemos perceber, não houve uma mudança na essência da contribuição, mas tão somente uma mudança de procedimento para cobrança. De modo que, poderia se pensar, aprovada a lei pelo Congresso Nacional e ratificada sua constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal, a medida provisória posterior não deveria gerar grande tensão.

Não foi isso que se viu, entretanto. Não foram poucos os que questionaram política e juridicamente as referidas mudanças, afirmando que a disciplina estatuída pela medida provisória 873/2019 impossibilitaria por completo a continuidade dos entes sindicais. Assim, ainda que a obrigatoriedade das contribuições sindicais tenha sido retirada pela reforma trabalhista, o ruído das alterações procedimentais da medida provisória se fez sentir com clareza.

Universidades (como a USP)1, boa parte dos profissionais jurídicos2 e imprensa3 direcionaram severas críticas à medida provisória, quando não descumpriram voluntariamente as regras nela contidas. Politicamente, houve - desde o início - claros indicativos vindos do atual Presidente do Senado Federal, Davi Alcolumbre, bem como de tantos outros parlamentares, que o Congresso Nacional não converteria em lei a medida provisória, sendo que de fato houve perda de sua eficácia no último 28 de junho4. À época, chegaram notícias de ações de Sindicatos que visam combater a medida nos Estados da Bahia, Ceará, Goiás, Minas Gerais, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Sergipe5, sem olvidar de potenciais demandas de controle concentrado de constitucionalidade. Ou seja, no pouco tempo de sua vigência, houve uma generalização de judicialização visando obstar os efeitos da medida provisória sob diversos pretextos.

Muitos foram os fundamentos utilizados. Dentre eles, trago como exemplo extrato da fundamentação do Juiz Federal da 6° Vara de Goiás, que, tendo deferido duas liminares afastando a aplicação da medida provisória6, aduziu: “É certo que o Estado não deve se prestar a subsidiar entidades sindicais, ou promover atos de incentivo à filiação sindical. De igual modo, não pode obstar seu funcionamento, comprometendo suas finanças ou até mesmo sua subsistência, o que acabaria por enfraquecer a representação de toda uma categoria profissional.”

Interessante observar que o juízo entendeu como aceitável a retirada do caráter obrigatório da contribuição sindical, mas obtemperou que o contido na medida provisória foi um ataque direto a sindicalização em si, esvaziando-a financeiramente para sufocá-la representativamente.

Não há dúvidas que foi a reforma trabalhista (lei 13.467/2017) que tornou facultativa a contribuição sindical, então qual a razão de tanta resistência à medida provisória 873/2019, que apenas disciplinou aspectos acessórios da contribuição? Por que ela foi tratada pelo Congresso Nacional, mesma entidade que aprovou a reforma trabalhista, de maneira tão adversa? A referida medida é muito diferente da lei 13.467/2017 (reforma trabalhista)?

Essas questões, embora possam ser enfrentadas parcialmente sob prismas sociais e políticos, possuem um interessante componente econômico-comportamental. Esse merece ser descoberto, tanto para a introdução de ferramentas e conceitos econômicos na área do direito, como para o melhor entendimento da realidade em si. Pois bem, este artigo não busca examinar o fim da contribuição sindical obrigatória (lei 13.467/2017) e nem a sua forma de recolhimento antes veiculada na medida provisória 873/2019 sob uma ótica política, social ou teleológica, mas analisar as mudanças legislativas em face de situações descritas pela economia comportamental.


2. Racionalidade limitada e heurística.

Por que, partindo da premissa da facultatividade da contribuição sindical, a passagem de uma cobrança em folha para uma cobrança por boleto bancário gera tanta tensão? Ou, ainda, qual a razão da resistência à autorização individual para a realização do desconto? Afinal, faz alguma diferença pagar via desconto ou boleto, autorizar coletiva ou individualmente uma cobrança?

A resposta é positiva. O processo de tomada de decisão e a manutenção de certas posições sociais, políticas e econômicas não opera deterministicamente. Por consequência, pequenas nuances procedimentais, como a forma de cobrança e de autorização, podem representar a diferença entre o sucesso e o fracasso arrecadatório ou a adesão ou não a um sindicato. Para entendermos melhor esse ponto, precisamos voltar às origens da economia comportamental.

Desde a década de 50, com as pesquisas de Herbert Simon (1955), começou-se a perceber que o processo de tomada de decisão humana não é totalmente racional, havendo, ao contrário do dogma racionalista e liberal, uma racionalidade limitada. A consolidação de tal ideia adveio na década de 70 com os trabalhos de Kahneman e Twersky (1974), que descrevem uma mente humana que mescla dois sistemas: o sistema 1 (sistema automático), um sistema primário que é intuitivo, não controlável, associativo e rápido; e o sistema 2 (sistema oneroso), que ocorre secundariamente e é lógico, controlável, dedutivo e lento.

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Por mais que tenhamos a impressão que somos em essência o sistema 2, Kahneman e Twersky (1974), através de um conjunto de experimentos, nos demonstraram que na maioria do tempo operamos com o sistema 1 e, mesmo quando estamos sob o controle do sistema 2, os pensamentos e ações que escolhemos são muitas vezes orientados pelo sistema automático.

Para ilustrar a ideia, permita-nos um exemplo dado pelo próprio Kahneman (2012) com pequenas alterações. Imagine a situação:

Um indivíduo foi descrito por outro como segue: Steve, um americano, é muito tímido e retraído, invariavelmente prestativo, mas com pouco interesse nas pessoas e no mundo real. De índole dócil e organizada, tem necessidade de ordem e estrutura, e uma paixão pelo detalhe. Há maior probabilidade de Steve ser um bibliotecário ou um fazendeiro?

Segundo os experimentos do economista, quase a totalidade das pessoas responde que Steve é um bibliotecário, pois o estereótipo ou modelo de suas qualidades se encaixariam perfeitamente no que vemos como um bibliotecário. Essa abordagem, contudo, ignora relevantes estatísticas e informações, como o fato de que existem mais de vinte fazendeiros para cada bibliotecário nos Estados Unidos, o que torna muito mais provável que Steve seja um fazendeiro.

Há um sem fim de exemplos que demonstram essa realidade7: os seres humanos utilizam predominantemente as respostas, estímulos e padrões do sistema 1 na sua relação com o mundo, dando respostas rápidas tanto a questões simples como complexas, o que se nomina de heurística. Conceitualmente, pois, a heurística são esses processos mentais que, eliminando potenciais informações e com base na experiência/reconhecimento, permitem uma escolha fácil e uma rápida tomada de decisão, embora possa levar a escolhas irracionais (ou não ótimas).

A todo momento, deparamo-nos com situações complexas e, ante a incerteza que se arvora, utilizamos dessas estratégias/atalhos com o objetivo de darmos uma resposta à situação. Se por um lado a heurística representa a habilidade de descomplexificar; por outro nos amarra a informações que por vezes não são suficientes para a resolução, ou melhor, para a melhor resolução de um problema.

Exemplo dessas amarras nos é dado por outro exemplo de Kahneman e Twersky (1974). Em mais um experimento os economistas separaram dois grupos de estudantes universitários. Ao primeiro grupo mostra a sequência 1x2x3x4x5x6x7x8; ao segundo grupo a sequência 8x7x6x5x4x3x2x1, pedindo que eles estimassem o resultado da multiplicação em apenas cinco segundos. O primeiro grupo respondeu em média 512, enquanto o segundo 2250, sendo que a resposta certa seria 40320.

As diferenças ocorreram porque as primeiras etapas de multiplicação de cada grupo são diferentes. Na ausência de qualquer parâmetro, como a multiplicação do segundo grupo se inicia maior, as respostas tendiam a ser maiores, ocorrendo o contrário ao primeiro grupo. Tal experimento demonstra como nos utilizamos de informações disponíveis, mas insuficientes, para estimar certas respostas e probabilidades.

Dentro desses processos, Kahneman e Twersky descrevem ao menos quatro tipos de heurísticas: representatividade, disponibilidade, ancoragem e afeto. Cada uma delas nos induzem a certos vieses e comportamentos, seja por modelos mentais, disposição de informações, sugestões ou mesmo pela afeição à alguma ideia.

A heurística e a racionalidade limitada no processo decisório estão por trás das razões pelas quais os sindicatos vociferam contra o pagamento por boleto ou a autorização individual, mas como?


3. Vieses: aversão à perda e status quo bias.

Como demonstrado acima, aderimos à atalhos de pensamentos para, em última análise, descomplexificar a realidade e tomarmos decisões. Esses atalhos muitas vezes se portam como vieses nos nossos comportamentos, a direcionar nossas condutas por modelos, informações disponíveis em nossa mente ou mesmo por receios, pressões ou medo.

Imaginemos a seguinte proposta que alguém poderia te fazer:

O que você prefere?

A. Decidir no cara ou coroa. Se der cara, você ganha 100 reais; se der coroa, não ganha nada.

B. Ganhar 46 reais com certeza.

Em contextos como esse, nos experimentos de Kahneman, a grande maioria das pessoas preferiu os 46 reais à aposta na incerteza. Do ponto de vista racional, mais valeria o risco à certeza, pois as chances matemáticas multiplicadas pelo total dariam 50, que obviamente é maior que 46, assim maior seria a utilidade potencial da aposta. Teorizando a situação, explica ele que “na verdade, um tomador de decisão avesso ao risco escolherá uma coisa segura que é menos do que o valor esperado na prática pagando um ágio para evitar a incerteza” (KAHNEMAN, 2012, Pág. 340).

Em outras palavras, Kahneman encontra um claro viés de aversão à perda no sentido que as pessoas costumam preferir a segurança à uma incerteza, ainda que sob ela possam auferir maiores benefícios. Mais precisamente, o Nobel de Economia encontra uma razão de aproximadamente 2:1 (dois para um), em que as pessoas apenas estariam dispostas à incerteza quando o proveito for duas vezes maior que a potencial perda (1991).

Não é difícil imaginar que todos nós somos aversos à perda e que, mesmo em situações matematicamente favoráveis, preferimos evitar perder a ter a possibilidade de ganhar. É interessante notar, entretanto, que essa aversão é tal que nos leva muitas vezes a fazer escolhas irracionais, como a apontada acima, em que a utilidade da aposta seria maior que a da certeza.

A aversão à perda, por sua vez, gera outro interessante efeito, o viés do status quo ou o status quo bias. Inicialmente identificado por Samuelson e Zeckhauser, esse viés pode ser descrito como uma tendência do indivíduo de permanecer em sua posição, mesmo que uma mudança pudesse maximizar o seu bem-estar. Segundo eles, “embora essa afinidade pelo status quo possa ser interpretada como uma resposta racional aos custos reais de transição e a resultados incertos, os experimentos (abstraindo esses fatores) sugerem fortemente que a resposta está em outro lugar. Em nossa opinião, a melhor explicação é que a escolha do status quo age como uma âncora psicológica. Grosso modo, quanto mais forte o compromisso anterior do indivíduo com o status quo, mais forte será o efeito de ancoragem” (SAMUELSON; ZECKHAUSER, 1988, Pág. 41) (tradução nossa).

Em outras palavras, até mesmo por aversão à perda, somos fieis às nossas posições pré-estabelecidas, mesmo quando essa posição não seja vantajosa em relação à potencial nova posição.

Esse viés age tão fortemente nas nossas decisões que explica uma grande parte das nossas escolhas irracionais, tais como: a continuidade de produção de bens não lucrativos por empresas, a lealdade a certas marcas pelo consumidor, a tendência a reeleição de políticos já ocupantes de cargos (“melhor o certo que o duvidoso”) e a continuidade de matrimônios sem qualquer vínculo amoroso.

Assim, pelos trabalhos de Kanheman, Samuelson e Zeckhauser, fica evidente que os indivíduos possuem uma natural aversão ao risco e, como consequência, em suas respostas heurísticas, tendem fortemente a permanecer em suas posições sociais, políticas, econômicas e comportamentais.


4. O nudge.

Há uma evidente correlação entre a heurística, a aversão às perdas, o viés do status quo e às resistências à medida provisória 873/2019. Antes disso, todavia, gostaria de introduzir um outro conceito da economia comportamental, que igualmente nos presta a identificar a problemática envolvendo a medida: o nudge.

O Nobel de economia Richard Thaler, partindo das premissas postas, teorizou que seria possível, aproveitando-se da nossa arquitetura de escolhas, induzir psicologicamente as pessoas a certos comportamentos através de nudges. Na sua definição, um nudge seria “qualquer aspecto da arquitetura de escolha que altere o comportamento das pessoas de uma maneira previsível e sem proibir nenhuma opção ou alterar significativamente os incentivos econômicos” (THALER, 2008, Pág. 6) (tradução nossa).

Ora, se funcionamos com base no sistema 1, que colhe informações para criar modelos e padrões de resposta, por que não induzirmos com essas informações certos comportamentos?

É simples perceber que hoje isso ocorre, querendo ou não, casualmente, para não dizer a todo momento. Do uso do vermelho, cor que estimula o apetite, nas propagandas da Coca Cola até a disposição de produtos mais rentáveis no campo de visão do cliente enquanto os menos rentáveis nas primeiras ou últimas prateleiras do supermercado, tudo isso é um estímulo não coercitivo a certos comportamentos.

Um ótimo exemplo do uso da técnica, atrelado ao nosso viés do status quo, ocorre no mercado editorial, quando revistas ou jornais nos brindam com assinaturas grátis por três ou seis meses, nos induzindo a continuidade de uma relação contratual onerosa após o período, que sob o pretexto da voluntariedade não seria naturalmente adquirida. Outra situação cotidiana representativa é quando os bancos de doação de órgãos nos colocam como doadores automaticamente, devendo haver uma opção em vida para a exclusão do cadastro.

Em ambos os contextos, percebam, houve utilização do viés do status quo, da nossa tendência de nos mantermos em inércia, com o objetivo de atender os interesses da empresa (caso da venda de revistas) ou da coletividade (caso da doação de órgãos). O estímulo ou empurrão para a conduta foi o nudge.

Agora mudemos um pouco o exemplo: imagine-se que a relação contratual com a revista devesse ser paga por boleto, mês a mês. Nos meses que houvesse pagamento, haveria remessa da revista; o contrário ocorreria nos meses sem pagamento. Pior, pense que a editora não pudesse te enviar qualquer revista sem antes te enviar um contrato em que você, e somente você, poderia anuir com a distribuição gratuita ou onerosa da revista. Em tais circunstâncias, parece fácil deduzir que muito provavelmente haveria uma diminuição considerável das contratações, com consequente diminuição das receitas da editora.

Essa é a situação da medida provisória 873/2019 e a razão dela gerar tanto descontentamento, seja por parte dos sindicatos, seja por parte de setores políticos ou sociais. Trouxe ela duas principais mudanças ao procedimento de recolhimento da contribuição sindical que induzem certos comportamentos, quais sejam:

1° faz com que a adesão à contribuição sindical seja individual, proibindo que seja feita coletivamente;

2° faz com que o pagamento da contribuição deva ser feito via boleto bancário, impossibilitando o desconto em folha.

Ao assim proceder, gera pequenos ônus para o indivíduo contribuir sindicalmente, pois: a) a adesão individual permite clara liberdade em relação às pressões da classe numa adesão coletiva; b) o pagamento via boleto faz com que a inércia direcione a conduta ao não pagamento. Pois bem, a escolha individual e mês a mês expurga tanto a interferência imediata de terceiros, como o pagamento pelo viés do status quo, situação que claramente não é benéfica aos sindicatos.

Hoje, por força do art. 580, I, da consolidação das leis do trabalho, a contribuição sindical corresponde a remuneração de um dia de trabalho por ano, isto é, se o valor for de um salário mínimo, a contribuição corresponderia a pouco mais de 30 (trinta) reais/ano. Portanto, sendo pequeno o valor, há uma alta probabilidade de a decisão de contribuição ser movida pelo viés do status quo.

Portanto, as disposições da caduca medida provisória 873/2019, ao gerarem um pequeno ônus para o indivíduo contribuir sindicalmente, funcionavam como um nudge, um estímulo a certos comportamentos não obrigatórios, aproveitando-se dos nossos vieses cognitivos. No caso, um contra incentivo ao viés do status quo de contribuir ou um incentivo a não contribuição.

Disso, advém um importante questionamento: é legítima a adoção deste nudge? É idônea a utilização dos nossos vieses?

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Sobre o autor
Lucas José Bezerra Pinto

Procurador Federal junto à Advocacia-Geral da União. Atua no Núcleo de Atuação Prioritária da Procuradoria Regional Federal da 1° Região em Brasília/DF.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PINTO, Lucas José Bezerra. Contribuição sindical, facultatividade real: heurística, vieses e nudge. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5875, 2 ago. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/75409. Acesso em: 1 abr. 2025.

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