Artigo Destaque dos editores

Tecnologia e procedimento virtual:

Novas tendências na polícia judiciária do Brasil

Exibindo página 2 de 3
14/08/2019 às 15:00
Leia nesta página:

4. O “PLANTÃO REGIONALIZADO” E SUAS CONSEQUÊNCIAS NEGATIVAS

“Art. 8º A carga horária semanal de trabalho dos ocupantes dos cargos das carreiras de que trata esta Lei Complementar é de quarenta horas, vedado o cumprimento de jornada em regime de plantão superior a doze horas. (Artigo com redação dada pelo art. 1º da Lei Complementar nº 113, de 29/6/2010.)”

Com a implementação das quarenta horas semanais, que por consequência gerou a reorganização do plantão da Polícia Civil, com atendimento em apenas 67 unidades, em regra, nas sedes das Delegacias Regionais, houve a concentração de atendimento e, com isso, surgimento de inúmeros contratempos.

É de bom alvitre lembrar que Minas Gerais possui 853 municípios e perto de mil distritos.

O primeiro e principal ponto negativo, que nasceu desta implementação, é a necessidade de deslocamento para o encerramento de ocorrências. Isto porque, independente do local onde ocorra a prisão, o conduzido terá que ser levado para a unidade onde funciona o plantão.

Tal deslocamento gera outra consequência negativa. Frente ao pequeno efetivo de algumas localidades, quando ocorre a prisão e o deslocamento para a unidade de plantão, a cidade de origem da ocorrência fica desprovida de policiamento ou tem seu efetivo reduzido.

Tal consequência é mais sentida quando se observa pelo aspecto da sensação subjetiva de segurança pública.

Ademais, o deslocamento a qualquer hora do dia ou da noite, independente do horário, implica em riscos relativos à segurança tanto dos policiais quanto dos envolvidos na ocorrência que deve ser encerrada no plantão regionalizado.

Exemplos desse risco foi o acidente ocorrido no deslocamento de militares de São Pedro dos Ferros para Ponte Nova onde todos os ocupantes do veículo (dois militares, o conduzido e uma testemunha e a vítima) morreram após capotamento, além de um acidente envolvendo uma Delegada de Polícia que se deslocava de Araçuaí até o município de Pedra Azul, no Vale do Jequitinhonha, a fim de assumir o plantão policial.

É de fácil constatação que a obrigação legal de apresentação dos conduzidos e demais envolvidos na ocorrência, torna-se, em alguns casos, desproporcional em razão da distância a ser percorrida para tal apresentação, principalmente, quando a ocorrência envolve crimes de menor potencial ofensivo. Isso porque, nestes casos, o conduzido será liberado, independente do pagamento de fiança, bastando para tanto, assinar um termo se comprometendo a comparecer em juízo em dia previamente agendado.


5. PLANTÃO REGIONALIZADO NO ASPECTO ECONÔMICO

O aumento nos deslocamentos para encerramento das ocorrências também significa aumento nos gastos. Estes aumentos estão relacionados ao combustível consumido, desgastes de pneus, trocas de óleo e demais manutenções relativas ao desgaste do veículo. Também, não se pode desconsiderar que, além disso, o Estado deve arcar com diárias, dependendo da distância e duração do deslocamento.


6. ESTUDO DE DEMANDA

Visando conhecer melhor a demanda e a cadeia de atos dos procedimentos da esfera de atuação da Polícia Civil, foi feito um estudo onde houve o cruzamento de dados sobre a distância de cada local município até o local onde funciona a sede do plantão regionalizado. No entanto, as informações sobre a distância para deslocamento só seriam útil se houvesse a sua relação com a quantidade de deslocamentos que eram necessários durante o ano.

Após este estudo foi constatado que, durante o horário de plantão, as ocorrências que eram encerradas na delegacia de plantão poderiam ser divididas em dois grandes grupos para melhor análise e entendimento do processo.

O primeiro grupo, relativo as ocorrências que efetivamente geraram a prisão do conduzido (APFD/AAFAI) e o segundo e maior grupo, relativo aos demais registros que não geraram a prisão do suposto autor do crime. Neste segundo grupo, estão as demandas referentes a crimes de menor potencial ofensivo (TCO/BOC), fatos atípicos, fatos em que já não mais existe o estado flagrancial, sendo que, em todos, o conduzido não ficou preso. Porém, para facilitar a compreensão, foram considerados somente os dados referentes aos crimes de menor potencial ofensivo, cujo registro foi feito durante o horário de plantão.

Pode-se constatar da análise dos dados acima, que a maior demanda refere-se a crimes de menor potencial ofensivo, sendo em grande parte[2] superior a noventa por cento da demanda. Ou seja, houve um deslocamento significativo para a cidade onde funciona o plantão e o conduzido foi imediatamente liberado.

Assim, a implementação de um procedimento que evite o deslocamento nos casos de crimes de menor potencial ofensivo já reduziria significativamente os deslocamentos, gerando ganhos de diversas espécies, além de economia significativa.

Esta foi a grande percepção da equipe que trabalhou no projeto. A feitura dos casos em que há a segregação cautelar do suposto autor do crime tem sua forma expressamente ditada pelos artigos 302 e seguintes do Código de Processo Penal.

Em tais dispositivos encontramos comandos normativos que exigem requisitos formais como a assinatura dos envolvidos nas oitivas, assinatura do conduzido Nota de Culpa e etc. Assim, não há como, de forma mais célere e simplificada, mudar a forma da feitura do Auto de Prisão em Flagrante Delito sem a alteração do referido Código.

Portanto, o novo modelo está direcionado para o grupo de ocorrências em que não há o encarceramento do conduzido.


7. O NOVO MODELO PROPOSTO

7.1. O Despacho de ocorrências por meio virtual

Antes de mais nada é preciso esclarecer que, em Minas Gerais, o boletim de ocorrência é digital e a sua entrega na Delegacia também se dá por meio digital. É o chamado sistema REDS - Registro de Eventos de Defesa Social. Assim, por exemplo, quando um policial militar inicia o registro de qualquer fato criminoso o faz em um sistema informatizado que atribui um número de controle a este registro. É através deste número que a delegacia irá dar recibo neste boletim e continuar as diligências pertinentes para aquela demanda.

Diante de crimes de menor potencial ofensivo, há possibilidade de a Autoridade de Plantão tomar ciência e efetuar o seu despacho sem que, necessariamente, haja a condução de todos os envolvidos até a sua presença.

Para isso basta que haja comunicação digital entre a unidade plantonista e a fração policial do local onde ocorreram os fatos.

Assim, conjugando qualquer meio digital de comunicação com o sistema REDS é possível que haja segurança e rapidez no despacho, mantendo-se as competências de cada um dos atores da segurança pública, conforme atribuídas pela Constituição Federal.

Então, nos casos já previstos de atuação da presente proposta, ao encerrar o registro da ocorrência, o policial subscritor entra em contato com a Delegacia onde funciona o plantão informando sobre o número do REDS confeccionado.

Tal registro é levado ao conhecimento do Delegado Plantonista que após analisá-lo irá proferir seu despacho. Caso entenda que o registro não traz todos os elementos necessários para seu despacho o Delegado solicitará esclarecimentos do subscritor do boletim de ocorrência para que tenha convicção da decisão a ser tomada para o caso apresentado. Esta comunicação será feita, preferencialmente, pelo meio digital de comunicação.

Caso ocorra a solução de todos os pontos duvidosos, o Delegado profere seu despacho que é encaminhado, por meio digital ao policial da origem do REDS. Nesta oportunidade, o Delegado irá também encaminhar qualquer outra peça que entenda ser formalizada para que possa ocorrer o imediato despacho da referida ocorrência.

Após receber o despacho e as peças que foram encaminhadas, o responsável pelo registro dos fatos irá “reabrir” aquele REDS para edição e acrescentar, em seu histórico, os novos fatos relativos à comunicação com o Delegado de Plantão.

Assim, irá inserir o despacho da Autoridade “ipsis litteris” [3], bem como a informação relativa à efetiva formalização da(s) peça(s) que recebeu por meio digital.

Por último, o editor do boletim irá inserir a informação sobre o comprometimento em entregar os objetos vinculados aos fatos, as peças confeccionadas e o próprio registro na Delegacia da área no primeiro dia útil subsequente.

Após a constatação da efetiva modificação do histórico da ocorrência, a Delegacia de plantão irá efetuar o recebimento do respectivo boletim junto ao sistema REDS o que autoriza o editor do boletim a promover a liberação de todos os envolvidos.

Em ato contínuo, o Delegado Plantonista transfere a ocorrência, através do sistema PCNET, para a Delegacia com atribuições para prosseguimento das diligências necessárias para conclusão do expediente e encaminhamento ao fórum.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Então, no primeiro dia útil subsequente, os militares promovem a entrega da ocorrência, juntamente com todos os objetos e documentos a ela vinculados, na Delegacia da área, ocasião em que receberá o devido recibo da entrega.

7.2. O meio digital de comunicação

O meio digital de comunicação inserido no modelo de atuação proposto, conjugado com o sistema REDS, se mostra como meio adequado para que o Delegado de Polícia sane suas dúvidas, possibilitando assim o despacho da ocorrência.

Exatamente pela sua importância é que o referido meio de comunicação não pode ser compreendido como o simples telefonema. Isto porque, conforme já exposto, será através do meio digital de comunicação que a Autoridade irá encaminhar seu despacho para o responsável pelo registro do REDS para que este o insira no histórico do documento.

Além de ser o meio de envio do despacho do Delegado, o meio de comunicação deve agregar os avanços tecnológicos possibilitando a maior interação da Autoridade com os envolvidos e objetos vinculados na ocorrência.

Para isto, o proposto é que o meio seja capaz de proporcionar a realização de videoconferência entre a Delegacia de Plantão e a unidade responsável pelo registro dos fatos. Assim, havendo a necessidade de visualização dos objetos arrecadados na ação policial ou mesmo a necessidade do Delegado em entrevistar alguma das partes envolvidas na ocorrência tal diligência será feita com utilização de imagem e som em tempo real.

Vários programas com estas funcionalidades já são disponibilizados gratuitamente na internet. Neste grupo podemos citar o Skype, o Facebook, o próprio Gmail, entre outros.

Todos eles também são capazes de proporcionar o envio arquivos, sendo, então, o meio pelo qual o Delegado encaminhará as demais peças a serem formalizadas para a fração responsável pela lavratura do REDS.

7.3. A participação da Justiça Criminal

O modelo que foi proposto, além de todas as vantagens já apresentadas, não para por aqui. Tal proposta agrega mais ao incluir no modelo de atuação a comunicação, também digital, dos procedimentos que são feitos na Delegacia de Plantão para a Justiça Criminal, Ministério Público e Defensoria Pública, quando for o caso. Todos os atos de comunicação da Polícia Civil com esses Órgãos também são realizados por meio da tecnologia.

Para que não reste dúvida, o modelo envolvendo o meio digital de comunicação tem sua aplicação no grupo em que, em regra, o conduzido não é autuado em flagrante delito e é liberado.

No entanto, nesta etapa do modelo proposto, a comunicação com a justiça criminal se dá exatamente no outro grupo que é dos casos em que o conduzido é efetivamente preso. Ou seja, a Polícia Civil de Minas Gerais criou um novo modelo de agir para os crimes de menor potencial ofensivo e modernizou a comunicação entre a Polícia Civil, na função de Polícia Judiciária, para os casos em que efetivamente ocorreu a prisão do conduzido.

Assim, a importância da inclusão dos órgãos da Justiça Criminal ao novo modelo se justifica em razão de não raras vezes policiais civis terem que se deslocar para entregarem a cópia de documentos confeccionados na Delegacia para Juízes, Promotores e Defensores de Plantão.

A maior incidência ocorre em razão das comunicações das prisões ratificadas pela Autoridade Policial.

Assim, após ratificar a prisão, através do Auto de Prisão em Flagrante Delito (APFD) o Delegado tem que comunicar a prisão, em vinte e quatro horas, com cópia de todo o APFD para o Juiz, Promotor e Defensor Público (neste último caso, se o autuado não tiver informado o nome de seu advogado).

Porém, o problema maior surge quando qualquer destes plantonistas não está na mesma Comarca onde funciona a Unidade de Plantão da Polícia Civil, gerando enormes deslocamentos para os policiais que as vezes precisam se deslocar para três municípios diferentes.

Portanto, a implementação da comunicação digital entre a Unidade de Plantão da Polícia Judiciária e estes órgãos de justiça criminal, também gera agilidade, eficiência e redução de gastos. Também não haverá prejuízos para o regular andamento dos serviços na unidade de plantão porque não haverá redução no número de funcionários, em efetivo atendimento, para o deslocamento meramente formal.

Assim, essa nova ferramenta inserida na cadeia de atos praticados irá melhorar a comunicação entre o Sistema de Defesa Social e a Justiça Criminal.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Jeferson Botelho Pereira

Jeferson Botelho Pereira. Ex-Secretário Adjunto de Justiça e Segurança Pública de MG, de 03/02/2021 a 23/11/2022. É Delegado Geral de Polícia Civil em Minas Gerais, aposentado. Ex-Superintendente de Investigações e Polícia Judiciária de Minas Gerais, no período de 19 de setembro de 2011 a 10 de fevereiro de 2015. Ex-Chefe do 2º Departamento de Polícia Civil de Minas Gerais, Ex-Delegado Regional de Governador Valadares, Ex-Delegado da Divisão de Tóxicos e Entorpecentes e Repressão a Homicídios em Teófilo Otoni/MG, Graduado em Direito pela Fundação Educacional Nordeste Mineiro - FENORD - Teófilo Otoni/MG, em 1991995. Professor de Direito Penal, Processo Penal, Teoria Geral do Processo, Instituições de Direito Público e Privado, Legislação Especial, Direito Penal Avançado, Professor da Academia de Polícia Civil de Minas Gerais, Professor do Curso de Pós-Graduação de Direito Penal e Processo Penal da Faculdade Estácio de Sá, Pós-Graduado em Direito Penal e Processo Penal pela FADIVALE em Governador Valadares/MG, Prof. do Curso de Pós-Graduação em Ciências Criminais e Segurança Pública, Faculdades Unificadas Doctum, Campus Teófilo Otoni, Professor do curso de Pós-Graduação da FADIVALE/MG, Professor da Universidade Presidente Antônio Carlos - UNIPAC-Teófilo Otoni. Especialização em Combate à corrupção, crime organizado e Antiterrorismo pela Vniversidad DSalamanca, Espanha, 40ª curso de Especialização em Direito. Mestrando em Ciências das Religiões pela Faculdade Unida de Vitória/ES. Participação no 1º Estado Social, neoliberalismo e desenvolvimento social e econômico, Vniversidad DSalamanca, 19/01/2017, Espanha, 2017. Participação no 2º Taller Desenvolvimento social numa sociedade de Risco e as novas Ameaças aos Direitos Fundamentais, 24/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Participação no 3º Taller A solução de conflitos no âmbito do Direito Privado, 26/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Jornada Internacional Comjib-VSAL EL espaço jurídico ibero-americano: Oportunidades e Desafios Compartidos. Participação no Seminário A relação entre União Europeia e América Latina, em 23 de janeiro de 2017. Apresentação em Taller Avanco Social numa Sociedade de Risco e a proteção dos direitos fundamentais, celebrado em 24 de janeiro de 2017. Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad Del Museo Social Argentino, Buenos Aires – Argentina, autor do Livro Tráfico e Uso Ilícitos de Drogas: Atividade sindical complexa e ameaça transnacional, Editora JHMIZUNO, Participação no Livro: Lei nº 12.403/2011 na Prática - Alterações da Novel legislação e os Delegados de Polícia, Participação no Livro Comentários ao Projeto do Novo Código Penal PLS nº 236/2012, Editora Impetus, Participação no Livro Atividade Policial, 6ª Edição, Autor Rogério Greco, Coautor do Livro Manual de Processo Penal, 2015, 1ª Edição Editora D´Plácido, Autor do Livro Elementos do Direito Penal, 1ª edição, Editora D´Plácido, Belo Horizonte, 2016. Coautor do Livro RELEITURA DE CASOS CÉLEBRES. Julgamento complexo no Brasil. Editora Conhecimento - Belo Horizonte. Ano 2020. Autor do Livro VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. 2022. Editora Mizuno, São Paulo. articulista em Revistas Jurídicas, Professor em Cursos preparatórios para Concurso Público, palestrante em Seminários e Congressos. É advogado criminalista em Minas Gerais. OAB/MG. Condecorações: Medalha da Inconfidência Mineira em Ouro Preto em 2013, Conferida pelo Governo do Estado, Medalha de Mérito Legislativo da Assembléia Legislativa de Minas Gerais, 2013, Medalha Santos Drumont, Conferida pelo Governo do Estado de Minas Gerais, em 2013, Medalha Circuito das Águas, em 2014, Conferida Conselho da Medalha de São Lourenço/MG. Medalha Garimpeiro do ano de 2013, em Teófilo Otoni, Medalha Sesquicentenária em Teófilo Otoni. Medalha Imperador Dom Pedro II, do Corpo de Bombeiros, 29/08/2014, Medalha Gilberto Porto, Grau Ouro, pela Academia de Polícia Civil em Belo Horizonte - 2015, Medalha do Mérito Estudantil da UETO - União Estudantil de Teófilo Otoni, junho/2016, Título de Cidadão Honorário de Governador Valadares/MG, em 2012, Contagem/MG em 2013 e Belo Horizonte/MG, em 2013.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, Jeferson Botelho. Tecnologia e procedimento virtual:: Novas tendências na polícia judiciária do Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5887, 14 ago. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/75748. Acesso em: 19 abr. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos