O sistema de justiça criminal somente se ajusta e se manifesta de forma equânime, justa e solidária, quando os agentes públicos se despirem de suas vaidades pessoais e corporativas a fim de atender os interesses sociais e aqueles que norteiam a boa Administração Pública. E mais que isso.
Toda função pública é nobre, desde que exercida nos limites de sua atribuição ou competência. Num sistema acusatório, adotado pelo nosso ordenamento jurídico, fica clara e bem delineada a função de cada órgão estatal.
Um órgão faz prevenção ostensiva, outro investiga, um outro órgão cuida da acusação e outro julga a demanda de forma imparcial. Despois de tudo isso, outro órgão cumpre de forma híbrida, a execução da pena, medida de segurança ou medida socioeducativa. Como na letra da música, tudo bem simples, tudo natural...
Afora tudo isso, é usurpação de função pública, art. 328 do Código penal ou grave violação ao sistema de comandos, a constituir ato de improbidade administrativa, art. 11 da Lei nº 8.429/92.
(Prof. Jeferson Botelho)
RESUMO: O presente ensaio tem por escopo principal analisar o inovador e moderno Procedimento Virtual de Polícia Judiciária e Justiça Criminal, formatado a partir da utilização dos recursos tecnológicos postos à disposição da sociedade moderna, e com base nas normas brasileiras que regulam o Processo Tecnológico, e abordagem no direito comparado, modelo criado de forma inédita no Brasil pela Polícia Civil de Minas Gerais para solução de questões vinculadas ao exercício de Polícia Judiciária e Justiça Criminal nos plantões regionalizados, preservando rigorosamente todas as prerrogativas dos Órgãos envolvidos. Analisa ainda os aspectos de Polícia Civil e Polícia Judiciária, o modelo atual, o Plantão regionalizado, suas consequências positivas e aspectos econômicos, o estudo de demanda e o novo modelo proposto. Introduz um estudo direcionado na abordagem sobre o despacho de ocorrências por meio digital e o meio virtual adequado e legal para a efetivação da comunicação dos atos de polícia e judiciais. Propõe-se, por último, o estudo da ação conjunta do Sistema de Defesa Social e Justiça Criminal em Minas Gerais, modelo que desperta interesses de outras Unidades da Federação. Visa por fim preencher uma lacuna existente na doutrina pátria, inclusive com escassas menções no direito comparado, devendo servir de bússola para a instituição de um verdadeiro Processo Virtual no Brasil.
Palavras-Chave: Procedimento Virtual de Polícia Judiciária e Justiça Criminal, Polícia Civil de Minas Gerais, Plantão Regionalizado, despacho digital, Sistema de Defesa Social e Justiça Criminal.
SUMÁRIO. INTRODUÇÃO. 1. POLÍCIA CIVIL E POLÍCIA JUDICIÁRIA. 2. FUNDAMENTOS LEGAIS. 3. O ATUAL MODELO. 4. O “PLANTÃO REGIONALIZADO” E SUAS CONSEQUÊNCIAS NEGATIVAS. 6. ESTUDO DE DEMANDA. 7. O NOVO MODELO PROPOSTO. 7.1. O Despacho de ocorrências por meio virtual. 7.2. O meio digital de comunicação. 7.3. A participação da Justiça Criminal. 8. ATUAÇÃO CONJUNTA DO SISTEMA DE DEFESA SOCIAL E JUSTIÇA CRIMINAL. 9. CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS. ANEXOS. 1) Resolução Conjunta nº 184, de 03 de abril de 2014. 2) Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 3) Constituição Estadual de Minas Gerais de 1989. 4) Código de Processo Penal. 5). Lei nº 9.099/1995.
EXCURSUS IMPORTANTES
O presente trabalho foi realizado contando com a importante contribuição de atores sociais, verdadeiros representantes da nova forma de Gestão Pública, que idealizaram em 2013 elucubrados estudos no sentido de sugerir o Procedimento Virtual na Polícia Judiciária do Brasil, notadamente, à população de Minas Gerais, e assim, entenderam por bem estudar a estrutura e o funcionamento dos plantões regionalizados, com o objetivo de verificar a necessidade e a possibilidade de se ampliar o atendimento para outras Unidades Policiais, bem como de se rearticular as áreas territoriais sem, contudo, prejudicar o serviço de expediente ordinário das Delegacias de Polícia, respeitando-se, por óbvio, a carga horária legalmente prevista para os servidores policiais civis mineiros, na Lei Complementar n.º 84, de 25 de julho de 2005, em seu art. 8º e Lei Complementar nº 129, de 08 de novembro de 2013, que instituiu a Lei Orgânica da Polícia Civil de Minas Gerais.
Assim, como ponto de partida, o presente ensaio visou, preliminarmente, identificar as Regionais onde já estão implantados os plantões, de maneira que se atenda de forma mais eficaz e profícua as diretrizes de Minas Gerais, no que tange a uma melhor qualidade na prestação do serviço, verificando as especificidades de cada microrregião do Estado, através dos Departamentos de Polícia, principalmente no que concerne às seguintes variáveis:
1- Efetivo;
2- População atendida;
3 - Demanda de plantão;
4 - Índice de criminalidade e
5 - Distância entre as cidades e os plantões
É de se ressaltar que a proposta aqui trazida teve por fim colimado a minimizar, sensivelmente, o impacto gerado pelas distâncias territoriais percebidas no Estado de Minas Gerais, haja vista o vasto território mineiro que conta com 853 (oitocentos e cinquenta e três) municípios e com uma área geográfica de 586.522,122 km² (dados do IBGE 2010).
INTRODUÇÃO
O uso da tecnologia é cada vez mais exigido em tempos em que a facilidade de comunicação possibilita uma maior análise, discussão e reflexão sobre a cadeia de atos que são desenvolvidos em todos os ramos da sociedade.
Na administração pública não é diferente. Os atos que sempre foram praticados da mesma maneira burocrática cada vez mais são objetos de estudos para que visam apontar alternativas capazes de alterar a forma de produção, sem, contudo, alterar a competência dada por lei a cada um dos responsáveis pela sua prática.
Assim, em muitos casos, procedimentos que nunca foram questionados e sempre “resolveram o problema” agora se tornam problemas para os administradores que têm que repensar sua prática frente aos princípios constitucionais trazidos pela Carta Magna de 88.
Essa modernização pode ser entendida como uma nova roupagem para uma linha de produção que a torne mais moderna, ágil e eficiente. É também a adequação do direito à constante mudança social, que por sinal, acontece a uma velocidade muito maior que a adequação das normas.
Um belo exemplo desta modernização de procedimentos, sem alterações de competência, é o Procedimento Virtual de Polícia Judiciária e Justiça Criminal, desenvolvido em 2013 pela Polícia Civil de Minas Gerais, por meio da Superintendência de Investigação e Polícia Judiciária, que definiu a atuação nas funções de polícia judiciária.
Imperativo salientar que a nova solução proposta, fruto de um minucioso estudo sobre a sucessão de atos necessários para o início da persecução criminal até o encaminhamento da demanda ao Poder Judiciário, foi materializada na forma de Resolução Conjunta que contou com o envolvimento das Polícias Civil e Militar, Secretaria de Defesa Social de Minas Gerais, Tribunal de Justiça, Tribunal de Justiça Militar, Corregedoria Geral de Justiça, Procuradoria de Justiça e Defensoria Pública.
A Resolução Conjunta nº 184, de 25 de abril de 2014 ganhou então força normativa, vinculando seus envolvidos através da assinatura do presente instrumento normativo, por meio de ato formal com contou com a presença de notáveis autoridades de todas as esferas e instâncias do Estado de Minas Gerais no 9º Andar do Centro Administrativo, em Belo Horizonte, em 03 de abril de 2014, que, como se demonstrar, respeita as competências de cada um dos poderes, exatamente como preceitua a legislação federal, preenchendo todos os requisitos formais de legalidade.
Para melhor compreensão do tema, é preciso fazer alguns esclarecimentos e também a análise do atual modelo que é adotado em todo o país.
1. POLÍCIA CIVIL E POLÍCIA JUDICIÁRIA
Apesar das duas expressões serem usadas como sinônimos, pela grande maioria de escritores, tal uso é incorreto.
Normalmente associado a tal comparação encontra-se a justificativa de que é polícia judiciária pois produz provas para o Poder Judiciário poder julgar o caso.
Na forma correta, Polícia Judiciária se refere a uma parte das atribuições da Polícia Civil, relacionadas aquelas funções exercidas durante o horário de plantão.
Isto porque, nestas situações, Delegado de Polícia, no exercício da polícia judiciária vai decidir, com base no caso que lhe é apresentado, se o conduzido (acusado da prática da suposta infração) vai ser recolhido ao cárcere, através da lavratura do Auto de Prisão em Flagrante Delito.
Nesta situação o Delegado tão somente analisa os aspectos formais quanto à existência da justa causa (indícios de autoria e materialidade) e se está presente o estado flagrancial. É o que acontece, por exemplo, quando policiais militares comparecem na Delegacia de Polícia Civil conduzindo uma pessoa por suposta prática de crime de tráfico de drogas.
O Delegado de Polícia vai decidir o caso com base nas oitivas do condutor, testemunhas que foram apresentadas pelos policiais que efetuaram a prisão e do próprio conduzido.
Assim, após tais depoimentos o Delegado terá que decidir, com base nestes depoimentos, se houve o crime e se há elementos que apontam a autoria para o conduzido (justa causa), sem esquecer de examinar, se ainda existe o estado flagrancial.
Já a expressão Polícia Civil refere-se à Instituição como um todo. Está relacionado com o órgão responsável pelas investigações e também pelo exercício das funções de polícia judiciária.
2. FUNDAMENTOS LEGAIS
O procedimento virtual, idealizado teve por base legal nos seguintes comandos normativos:
I - Artigo 24 – XI – CF/88 - Procedimentos em matéria processual;
II - Artigo 405, §§ 1º e 2º, do CPP – Lei nº 11.719/2008 – Gravações Audiovisuais – Atos Policiais e Judiciais.
III _ Artigo 185, § 2º do CPP – Lei nº 10.792/2003 – Interrogatório por videoconferência;
IV - Lei nº 11.419, de 19 de dezembro de 2006, prevê a informatização do processo judicial;
V - Resolução nº. 94/CSJT, de 23 de março de 2012 que instituiu o Sistema de Processo Judicial Eletrônico da Justiça do Trabalho;
VI - Código de Processo Civil, em seu artigo 655-A também prevê a utilização de meio eletrônico nos casos em que o juiz demandar informações à autoridade supervisora do sistema bancário.
VII - Direito Comparado: EUA – INGLATERRA – PAQUISTÃO.
3. O ATUAL MODELO
A Constituição Federal Brasileira de 1988 estabeleceu expressamente quais são os atores que atuarão na Segurança Pública e também definiu a esfera de responsabilidade de cada um desses Órgãos.
“Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
I - polícia federal;
II - polícia rodoviária federal;
III - polícia ferroviária federal;
IV - polícias civis;
V - polícias militares e corpos de bombeiros militares....
§ 4º - às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.
Reiterando estes preceitos e como forma de especificá-los para propiciar sua aplicação a Constituição recepcionou o Código de Processo Penal.
Este, por sua vez, especifica ainda mais a participação de cada órgão estabelecendo o rito como se dará o mandamento Constitucional.
Para isso, tal diploma legal dedicou um capítulo inteiro a esta questão – DA PRISÃO EM FLAGRANTE- que engloba os artigos 301 a 310.
“Art. 304. Apresentado o preso à autoridade competente, ouvirá esta o condutor e colherá, desde logo, sua assinatura, entregando a este cópia do termo e recibo de entrega do preso. Em seguida, procederá à oitiva das testemunhas que o acompanharem e ao interrogatório do acusado sobre a imputação que lhe é feita, colhendo, após cada oitiva suas respectivas assinaturas, lavrando, a autoridade, afinal, o auto.( Redação data pela Lei nº 11.113, de 2005)” (grifo nosso).
Ainda, o nosso ordenamento atualmente trabalha com dois “grandes grupos” de infrações com consequências diferentes.
O primeiro seria os crimes propriamente ditos (mais graves) e o segundo engloba os crimes e contravenções cuja pena máximo não ultrapassa dois anos.
A lei 9099/95 foi a responsável pela instituição do “segundo grupo” que prevê os chamados “crimes de menor potencial ofensivo”. Vejamos.
“Art. 61. Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa". (Redação dada pela Lei nº 11.313, de 2006).
“Art. 69. A autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência lavrará termo circunstanciado e o encaminhará imediatamente ao Juizado, com o autor do fato e a vítima, providenciando-se as requisições dos exames periciais necessários.
Parágrafo único. Ao autor do fato que, após a lavratura do termo, for imediatamente encaminhado ao juizado ou assumir o compromisso de a ele comparecer, não se imporá prisão em flagrante, nem se exigirá fiança. Em caso de violência doméstica, o juiz poderá determinar, como medida de cautela, seu afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a vítima”.
O nosso ordenamento jurídico estabelece que ocorrendo a prisão em flagrante delito, nos termos do artigo 302 do Código de Processo Penal[1], estes fatos devem ser imediatamente levados ao conhecimento da Autoridade Policial, no caso, o Delegado de Polícia.
O presente procedimento não faz distinção quanto à natureza da infração ou suas consequências, estabelecendo um comando normativo imperativo que não passa pelo poder discricionário do policial que efetua a captura.
Feita a condução e apresentação ao Delegado de Polícia, este também irá agir conforme os ditames estabelecidos, conforme a capitulação do delito. Assim, entendendo que tal ocorrência trata-se de crime propriamente dito, deverá proceder à lavratura do Auto de Prisão em Flagrante Delito (APFD) ou, sendo o caso de crime de menor potencial ofensivo, lavar-se-á o Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO). Neste caso, se o conduzido assumir o compromisso de comparecer perante o Juizado Especial, em data previamente agendada, a Autoridade irá imediatamente liberá-lo.
Após a lavratura do expediente, independente do procedimento, os autos serão encaminhados ao juiz.
No entanto, após a aprovação, pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais, da Lei Complementar nº 113, de 29 de junho de 2010 que alterou a Lei Complementar nº 84 de 2005, estabelecendo carga horária de 40 horas semanais para os integrantes das carreiras da Polícia Civil.
Esta mesma jornada semanal foi mantida na nova Lei Orgânica da Polícia Civil de Minas Gerais, Lei Complementar 129 de 08 de novembro de 2013.
Assim, com o ajuste à nova jornada de trabalho, houve a necessidade de concentrar o atendimento das demandas ocorridas durante o horário de plantão em unidades específicas, desonerando os Delegados de comarcas da obrigação de atendimento de todas as demandas ocorridas em sua área de atribuição, em período integral.
Esse novo sistema que ficou conhecido como “Plantão Regionalizado” representou ganho extraordinário para a Polícia Civil, que passou a garantir folgas a seus servidores.
No entanto, trouxe sérios transtornos para as Polícias Civil e Militar e para as pessoas envolvidas em ocorrências que passaram a ter que se deslocar para as unidades onde funcionam o Plantão Regionalizado para encerramento de ocorrências.
Também significou a redução para o número de somente 67 unidades de atendimento durante o horário de plantão no Estado de Minas Gerais.
Assim, em alguns lugares do Estado, que possuem extensa área territorial, estava havendo necessidade de deslocamento superior a 250 km (duzentos e cinquenta quilômetros) para o encerramento de uma simples ocorrência, o que totaliza um deslocamento de mais de 500 km (quinhentos quilômetros), pois os militares percorrem a mesma distância para retornar para sua lotação.
Portanto, a aplicação de alternativas criativas, eficientes e de baixo custo que minimizem o problema de deslocamento ganha proporção nesta discussão porque vai no mesmo sentido que o interesse público.
A simples redução dos números de deslocamentos de polícias de uma cidade para outra já é bastante significativa quando se leva em conta a questão da sensação subjetiva de segurança pública. Ou seja, a cidade não ficará desprovida de policiais que estão se deslocando para o encerramento de uma ocorrência na unidade do Plantão Regionalizado, mantendo-se a sensação do cidadão quanto a sua segurança frente a presença das Forças de Seguranças.