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Métodos adequados de busca pessoal, algemação e condução de presos diante da nova Lei de Abuso de Autoridade

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Resumo:


  • A nova Lei de Abuso de Autoridade (nº 13.869, de 5 de setembro de 2019) entrará em vigor após 120 dias da sua publicação, gerando debates nos meios jurídicos e acadêmicos.

  • Alguns dispositivos da lei abordam a atividade persecutória do Estado, incluindo ações que constranjam presos ou detentos de forma vexatória, requerendo interpretação cuidadosa.

  • Os policiais devem adotar métodos de busca pessoal e uso de algemas de forma legal, proporcional e documentada, seguindo diretrizes e normas que regem a atividade policial, para evitar possíveis responsabilizações futuras.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

4. Cuidados com os sujeitos passivos da algemação

4.1. Parturientes

Dúvidas podem surgir em quem pode ou não ser algemado. Pelo Decreto Federal nº 8.858, de 26 de setembro de 2016, não podem ser algemadas mulheres presas em qualquer unidade do sistema penitenciário nacional durante o trabalho de parto, no trajeto da parturiente entre a unidade prisional e a unidade hospitalar e após o parto, durante o período em que se encontrar hospitalizada.

4.2. Crianças

As crianças infratoras serão objeto de medida protetiva, não devendo elas, portanto, ser encaminhadas a unidades policiais, mas sim, aos Conselhos Tutelares. Em São Paulo, a Resolução SSP-72/90 (art. 5º), inclusive, disciplina isso. A regra, destarte, é não as submetê-las à busca pessoal e/ou algemação, salvo quando o cenário, diante de uma situação absolutamente extrema (criança notoriamente agressiva surpreendida portando arma de fogo, etc.), assim o exigir.

4.3. Adolescentes

Adolescentes infratores podem ser algemados sem qualquer restrição, salvo as da própria norma legal para as pessoas adultas. O que a lei veda, no caso dos adolescentes, é a condução ou transporte em compartimento fechado de veículo policial, em condições atentatórias à sua dignidade, que impliquem risco à sua integridade física ou mental (art. 178. do Estatuto da Criança e do Adolescente).

4.4. Idosos

No caso de pessoa idosa cujas ações se enquadrem no que a lei autoriza, também inexiste restrição quanto ao uso de algemas, remanescendo aos agentes, entretanto, o bom senso de empregá-las com o menor constrangimento possível. A cartilha de Atuação Policial na Proteção dos Direitos Humanos de Pessoas em Situação de Vulnerabilidade8, editada pela SENASP, orienta que as pessoas idosas, quando necessário, deverão ser algemadas pela frente, se isso não trouxer prejuízo à segurança.

4.5. Pessoas com deficiência

Na hipótese de pessoas portadoras de necessidades especiais, é importante que os policiais avaliem, na prática, o tipo de deficiência constatada, aliada à efetiva necessidade de algemação, pois, se improvável o receio de fuga ou inexistente o perigo à integridade física própria ou alheia causada pelo preso ou terceiro, o ato não deverá ser executado.

Pessoas idosas e deficientes têm limitações físicas naturais, portanto é recomendável que os policiais não as coloquem em posições desconfortáveis (joelhos, chão etc) e notoriamente incompatíveis com a capacidade reativa que pela, pela idade/estrutura, não ostentem.


5. Equação preventiva: (cenário + conduta + justificativa)

De todo o modo, é certo que, independente da adoção das regras acima estudadas, é certo que o policial deve precaver-se contra possíveis imputações que lhe queiram impingir. Para se prevenir, sugerimos a memorização de uma equação preventiva que, se corretamente seguida, certamente lhe evitará dissabores. Ela é composta de três partes, a saber:

5.1. Cenário

A avaliação do cenário deve ser nata ao policial treinado, de modo que ele, ainda que sob as mais severas condições, tenha capacidade de sopesar qual a melhor técnica diante do cenário enfrentado, quais sejam, busca contra a parede, busca sem anteparo e com as mãos sobre a cabeça, busca de joelhos ou busca em decúbito ventral. Ele deve possuir condições operacionais para saber diferenciar a necessidade de cada uma, pois, logo adiante, terá que justificá-las. Esse, então, é o primeiro passo, medir a temperatura do terreno e aplicar a melhor técnica.

5.2. Conduta

A conduta vem em seguida, com a efetiva adoção das medidas operacionais necessárias, consistentes na aproximação, na interpelação, na busca e na contenção, se cabível. O agente deve executar a revista de maneira serena e, caso encontre resistência, deverá estar preparado para empregar a força necessária até vencer a recalcitrância. Neste momento, o policial irá escolher a técnica mais eficaz ao cenário apresentado e, dentro de sua “caixa de ferramentas”, deverá optar pela que melhor se adéqua e, para tanto, deverá utilizar todo conhecimento adquirido ao longo de sua trajetória, sempre com supedâneo da lei e nos limites dela. Feito isso, deve ter o tento de refrear eventuais excessos, que poderão resvalar em abusos. Nessa fase, também é avaliada a técnica adequada de algemação, caso seja ela exigida.

5.3. Justificativa

Fase final, onde o agente, após a execução da diligência, deve estar preparado para individualizar, perante a autoridade, as condições de cenário enfrentadas, a fim de justificar, em preliminar, os motivos da espécie de busca realizada (anteparo, joelhos ou decúbito ventral). Após, deverá explicar a sua conduta em campo, ou seja, o método a rigor adotado, de acordo com as características do sujeito da busca. Nessa fase, entrarão detalhes como a ocorrência ou não de resistência ou fuga, eventuais características pessoais do abordado, força necessária etc.

É importante, assim, que todo o desenrolar da ocorrência seja exposto de forma pormenorizada,inclusive, declinando o desenvolvimento do uso diferenciado da força, em razão de desobediência, resistência etc, dando, assim, cor ao papel, lembrando que os documentos policiais são frios e tem como destinatário pessoas que, por vezes, desconhecem por total a atividade policial.

Necessário documentar por escrito a conduta em campo, bem como, o uso de algemas, seja no registro de ocorrência, seja nos depoimentos colhidos, sob pena de responsabilização futura. Caso não sejam possíveis essas formas de documentação, prudente se faz que o policial solicite a anotação no próprio talão da viatura, via rádio, caso esteja modulando, ou, ainda, que ele próprio anote de forma digital no talão ou em formulário apropriado.

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6. Conclusão

Diante de tudo o que foi exposto, resta claro que as ações policiais deverão ser motivadas, a fim de que não se alegue submissão de vexame ou constrangimento, diante da nova Lei de Abuso de Autoridade.

O agente bem treinado e ciente das normas postas terá melhores condições de esquivar-se da sanha imoderada dos que, de maneira incauta e sumária, tentarem culpá-lo sumariamente pela simples realização de uma busca pessoal, a qual, embora visivelmente “constrangedora” aos olhos menos profissionais, tem expresso amparo em lei.

E quando a interesse for o notadamente público, o próprio dolo exigido pela norma será fulminado, legitimando, assim, a atividade policial de preservação da ordem pública.


Notas

1 LESSA, Marcelo de Lima. “Padrões Sugeridos de Conduta Policial Diante da Nova Lei de Abuso de Autoridade” (2019), capturado em 13/10/19, de https://jus.com.br/artigos/77119/padroes-sugeridos-de-conduta-policial-diante-da-nova-lei-de-abuso-de-autoridade. Acesso em: 13 de out. 2019.

2 LESSA, Marcelo de Lima, “Busca Pessoal Processual, Busca Pessoal Preventiva e Fiscalização Policial – Legalidade e Diferenças” (2017). Disponível em: https://jus.com.br/artigos/61753/busca-pessoal-processual-busca-pessoal-preventiva-e-fiscalizacao-policial-legalidade-e-diferencas. Acesso em: 14 de out. 2019.

3 Portaria interministerial nº 4226, de 31 de dezembro de 2010. Disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/integra-portaria-ministerial.pdf. Acesso em 15 de out. 2019.

4 Portaria DGP-20, de 11-10-2000.

5 ADO 26 disponível em: https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4515053. Acesso em 15 de out. 2019.

6 Art. 144, §4º da Constituição Federal.

7 Disponível em: https://www.justica.gov.br/central-de-conteudo/seguranca-publica/cartilhas/a_cartilha_policial_2013.pdf. Acesso em 15 de out. 2019.

8 Disponível em: https://www.justica.gov.br/central-de-conteudo/seguranca-publica/cartilhas/a_cartilha_policial_2013.pdf. Acesso em: 14 de out. 2019.

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Sobre os autores
Marcelo de Lima Lessa

Formado em Direito pela Faculdade Católica de Direito de Santos (1994). Delegado de Polícia no Estado de São Paulo (1996), professor concursado de “Gerenciamento de Crises” da Academia de Polícia “Dr. Coriolano Nogueira Cobra”. Ex-Escrivão de Polícia. Articulista nas áreas jurídica e de segurança pública. Graduado em "Criminal Intelligence" pelo corpo de instrução do Miami Dade Police Department, em "High Risk Police Patrol", pela Tactical Explosive Entry School, em "Controle e Resolução de Conflitos e Situações de Crise com Reféns" pelo Ministério da Justiça, em "Gerenciamento de Crises e Negociação de Reféns" pelo grupo de respostas a incidentes críticos do FBI - Federal Bureau of Investigation e em "Gerenciamento de Crises", "Uso Diferenciado da Força", "Técnicas e Tecnologias Não Letais de Atuação Policial" e "Aspectos Jurídicos da Abordagem Policial", pela Secretaria Nacional de Segurança Pública. Atuou no Grupo de Operações Especiais - GOE, no Grupo Especial de Resgate - GER e no Grupo Armado de Repressão a Roubos - GARRA, todos da Polícia Civil do Estado de São Paulo.

Ricardo Fleck Martins Junior

Delegado de Polícia e Professor da Academia de Polícia "Dr. Coriolano Nogueira Cobra", em São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LESSA, Marcelo Lima ; MARTINS JUNIOR, Ricardo Fleck. Métodos adequados de busca pessoal, algemação e condução de presos diante da nova Lei de Abuso de Autoridade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6076, 19 fev. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/77256. Acesso em: 24 abr. 2025.

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