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Causas interruptivas e suspensivas da prescrição punitiva no direito penal militar:

lei anticrime e precedentes do Supremo Tribunal Federal

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23/05/2020 às 11:10

Resumo:


  • O tema abordado trata das modificações trazidas pela Lei Anticrime ao Código Penal e do precedente fixado pelo Supremo Tribunal Federal no trato das causas interruptivas e suspensivas da prescrição punitiva no âmbito do Direito Penal Militar.

  • Com as alterações legislativas, surgem questionamentos sobre a aplicabilidade das novas causas suspensivas da prescrição no Direito Penal Militar, como "enquanto não cumprido ou não rescindido o acordo de não persecução penal" e "na pendência de embargos de declaração ou de recursos aos Tribunais Superiores, quando inadmissíveis".

  • Apesar do princípio da especialidade, fundamentos de ordem geral e especial indicam que as causas interruptivas e suspensivas da prescrição punitiva devem ser aplicadas na Justiça Militar, maximizando a garantia dos direitos fundamentais e evitando lacunas normativas e axiológicas que possam comprometer a segurança jurídica e a justiça social.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

8 PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE

Poderia se argumentar que no direito penal militar vigora o princípio da especialidade, não se cogitando da aplicação de outras causas interruptivas ou suspensivas da prescrição da ação penal, senão aquelas dispostas expressamente no Código Penal Militar.

Tal argumento não se sustenta, pois o Superior Tribunal Militar na história recente vem atenuando o uso do critério da especialidade, especialmente quando confrontado com valores fundamentais do cidadão, como observado na aplicação das regras do concurso formal e crime continuado do Código Penal (Apelação 49723-PE-2004.01.049723-4, julgado em 10.02.2005) e interrogatório do acusado ao final da instrução criminal (art.400 do CPP).

Na mesma trilha de aplicação por analogia é observado na temática da prescrição, o que permite sistematizar argumentos conclusivos de afastamento da aplicação do critério especializante e que serão vistos a seguir, em fundamentos de ordem geral e especial.

8.1 Fundamentos de ordem geral

8.1.1 Precedentes do STM e do STF

Em precedentes consolidados no Superior Tribunal Militar, tem-se observado o acolhimento por analogia, das alterações legislativas promovidas no Código Penal no instituto da prescrição. Assim ocorreu quando das alterações promovidas no art.117, inciso IV, do Código Penal, por meio da Lei nº 11.596/2007, que instituiu como marco interruptivo prescricional a “publicação do acórdão condenatório recorrível”[13].

Noutro tema, também como causa interruptiva, o Superior Tribunal Militar segue o entendimento da Súmula nº 709 do STF[14], permitindo estender a compreensão da expressão “instauração do processo” como o “acórdão que recebe a denúncia, em recurso contra sua rejeição”.

Por fim, o STF reconhece a ampliação das causas interruptivas catalogadas no Código Penal Militar, no que inclui o “acórdão condenatório recorrível em ação penal originária”[15].

Os três precedentes citados, de pacífica aplicação na Justiça Militar, confirmam que as causas expressamente catalogadas no Código Penal Militar não são exaustivas e o STM tem afastado a aplicação do critério da especialidade.

8.1.2 Não exclusividade do CPM

A previsão do art.125, § 4º do Código Penal Militar não encerra todas as causas que podem ser reconhecidas no âmbito da Justiça Militar, quanto as causas suspensivas.

Temos por exemplo, o art.53, § 5º, da Constituição Federal, o qual dispõe que os Deputados e Senadores, desde a expedição do diploma, serão submetidos a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal. Recebida a denúncia, por crime ocorrido após a diplomação, o Supremo Tribunal Federal dará ciência à Casa respectiva, que, por iniciativa de partido político nela representado e pelo voto da maioria de seus membros, poderá, até a decisão final, sustar o andamento da ação, o que ocasionará também a suspensão da prescrição, enquanto durar o mandato.

Dessa forma, parlamentar federal que venha praticar crime militar, iniciado o processo perante o Supremo Tribunal Federal, e havendo sustação do processo pela Casa Parlamentar respectiva, ao término do seu mandato parlamentar, a competência para o processo e julgamento será devolvida ao julgamento de piso perante à Justiça Militar, reiniciando o lapso prescricional que até então se encontrava suspenso[16].

Outro caso, em tese admissível na Justiça Militar, é a causa suspensiva da prescrição, por condutas criminosas (crime militar) praticadas pelo Presidente de República, antes ou durante o exercício do mandato e sem relação ao mandato. Embora sem previsão expressa na Constituição Federal, o Supremo Tribunal Federal manifestou (APs 1007 e 1008, julgado em 11.02.2019) em recente julgado, quanto a aplicação da mesma regra conferida ao parlamentares federais (art.53, § 5º da CF), em relação a suspensão do prazo prescricional.

Segundo o Ministro Luiz Fux, a suspensão do prazo prescricional, durante o curso do mandato, é medida consentânea com o espírito da constituição, que não estabelece a imunidade material do Presidente da República, mas tão-somente sua imunidade processual temporária, com o qual não se coadunaria com a possibilidade de os fatos, em tese, criminosos, serem atingidos pela prescrição.

Assim, em crimes militares praticados pelo Presidente da República, antes ou durante o mandato, desde que não se relacione às funções, haverá a suspensão do lapso prescricional da ação penal, o qual retomará seu curso, somente após a conclusão de seu mandato, cuja competência para processo e julgamento será da Justiça Militar.

As duas situações apontadas comprovam que em tema de causas interruptivas e suspensivas da prescrição punitiva não se tem por aplicação exclusiva as regras do Código Penal Militar.

8.2 Fundamentos de ordem especial

8.2.1 Causa interruptiva: acórdão confirmatório recorrível

O entendimento pacificado até então pelo Superior Tribunal de Justiça (AgRg no RE nos EDcl no REsp 1301820/RJ, julgado em 16.11.2016) e pelo Superior Tribunal Militar, caminha no sentido de não admití-la. Contudo, há forte tendência de alteração do entendimento, em razão dos últimos julgados da Suprema Corte.

No Supremo Tribunal Federal, o tema foi inaugurado no ano de 2013, com breve argumentação do Ministro Marco Aurélio, em julgado da Primeira Turma[17]. Muito embora a tese não tenha sido a vencedora, na oportunidade ao questionar o relator Dias Toffoli, asseverou: “A sentença existe como título condenatório? Não. Ela foi substituída, a teor do disposto no artigo 512 do Código de Processo Civil - aplicável, subsidiariamente -, pelo acórdão. O que se executará será o acórdão e não a sentença”.

No ano de 2017, o Ministro Marco Aurélio, relator do HC 138.088/RJ, 1ª Turma, voltou a discutir o tema, inaugurando a nova orientação: “A ideia de prescrição está vinculada à inércia estatal e o acórdão que confirma a sentença condenatória, justamente por revelar pleno exercício da jurisdição penal, é marco interruptivo do prazo prescricional, nos termos do art. 117, IV, do Código Penal”.

O precedente se consolidou no âmbito da 1ª Turma em seguidos julgamentos e de votações unânimes dos Ministros Marco Aurélio, Luiz Fux, Rosa Weber, Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes[18].

Em julgado realizado no ano de 2020, consignou-se:

1. A prescrição é, como se sabe, o perecimento da pretensão punitiva ou da pretensão executória pela inércia do próprio Estado. No art. 117 do Código Penal que deve ser interpretado de forma sistemática todas as causas interruptivas da prescrição demonstram, em cada inciso, que o Estado não está inerte. 2. Não obstante a posição de parte da doutrina, o Código Penal não faz distinção entre acórdão condenatório inicial e acórdão condenatório confirmatório da decisão. Não há, sistematicamente, justificativa para tratamentos díspares. 3. A ideia de prescrição está vinculada à inércia estatal e o que existe na confirmação da condenação é a atuação do Tribunal. Consequentemente, se o Estado não está inerte, há necessidade de se interromper a prescrição para o cumprimento do devido processo legal. 4. Agravo regimental provido. (STF. Primeira Turma Ag.Reg. no Recurso Extraordinário 1.237.572-RO. Relator Ministro Marco Aurélio. DJe 07.02.2020).

Os ministros destacaram dentre outros argumentos, que a interrupção da prescrição no acórdão confirmatório afasta o abuso do direito de defesa, consistente na manipulação dos instrumentos recursais sucessivos, para o fim de dar causa a prescrição punitiva.

8.2.2 Causa suspensiva: não cumprido ou não rescindido o acordo de não persecução penal

O acordo de não persecução penal foi previsto originalmente na Resolução nº 181 e 183 do CNMP, e, no Ministério Público Militar pela Resolução nº 101 do CSMPM.

Posteriormente a Lei Anticrime inseriu o artigo 28-A ao Código de Processo Penal, porém não alterou o Código de Processo Penal Militar, embora o tenha feito em outros pontos (art.16-A). Hoje há questionamentos sobre sua aplicabilidade na Justiça Militar.

O STM em julgado por unanimidade[19], em tempo posterior às modificações da Lei Anticrime, entendeu por sua não aplicação, ao argumento de que o acordo está circunscrito ao âmbito do processo penal comum, não sendo possível invocá-lo subsidiariamente ao Código de Processo Penal Militar, sob pena de violação ao princípio da especialidade, por envolver valores da hierarquia e disciplina militar.

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O reconhecimento da causa suspensiva decorre logicamente da prévia consagração do instituto na Justiça Militar da União, cuja conclusão já caminhou por sua inadmissibilidade perante o Superior Tribunal Militar. A problemática não se encontra na admissibilidade da causa suspensiva da prescrição, mas na admissibilidade do próprio instituto, razão suficiente para concluir, neste momento, por sua inadmissibilidade na Justiça Militar.

8.2.3. Causa suspensiva: pendência de embargos de declaração ou de recursos aos Tribunais Superiores

A hipótese em inovação, busca corrigir problemática frequente nos Tribunais Superiores, ao permitir afastar o uso abusivo do exercício do direito recursal, complementando a causa interruptiva já reconhecida pelo STF, quando do acórdão confirmatório de condenação.

A causa em questão deve evoluir para ser admitida na Justiça Militar, visto não vulnerar qualquer aspecto peculiar da vida militar.

A tese até então fixada em precedentes do Supremo Tribunal Federal[20], seguido pelo Superior Tribunal Militar[21], assentava-se que “a interposição de recurso extraordinário, inadmitido na origem, não tem o condão de impedir a formação da coisa julgada”. Em outras palavras, até então, a prescrição da execução da pena, possuía eficácia retroativa à data final do prazo de interposição do recurso extraordinário, quando inadmitido na origem (STM).

Haveria um contrassenso lógico, com incidência precária sobre o mesmo lapso temporal, da prescrição punitiva e executória.

Por um lado, o Estado não poderia dar início a execução da pena, porque não transitado em julgado a condenação, a incidir o reconhecimento da prescrição punitiva caso fosse configurada, e, por outro, a prescrição executória já teria iniciado sua contagem, sem poder iniciar a execução da pena e quando finalmente reconhecido a impertinência recursal, a contagem do lapso prescricional ocorreria de forma retroativa, contado da data final concedido à defesa para interposição do recurso extraordinário.

A defesa, pretendendo forçar o reconhecimento da prescrição punitiva ou mesmo executória, competiria tão somente interpor recurso extraordinário e do seu indeferimento, o recurso de agravo, intercalando embargos de declaração e demais recursos da Corte Suprema, para o fim de causar a extinção da punibilidade pela prescrição, devido ao tempo despendido pelo processamento de tais recursos perante o STM e STF. Situação que não denota qualquer omissão do Estado.

Com a modificação legislativa não mais restará espaço para atuações abusivas e protelatórias nos recursos, pois a prescrição punitiva estará suspensa na pendência de embargos de declaração ou de recursos aos Tribunais Superiores, quando reconhecidamente inadmissíveis.

A alteração legislativa é consentânea com a consolidação do entendimento de vedação da execução provisória da pena pelo Supremo Tribunal Federal[22]. Se não há mais a execução provisória da pena, não se pode reconhecer a prescrição da pretensão executória ficta e retroativa, por abuso do direito de defesa recursal.

Não há qualquer razão lógica ou sistemática que permita sua não aplicação à Justiça Militar.

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Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Anderson Batista. Causas interruptivas e suspensivas da prescrição punitiva no direito penal militar:: lei anticrime e precedentes do Supremo Tribunal Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6170, 23 mai. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/81069. Acesso em: 25 dez. 2024.

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