A imagem das pessoas faz parte do rol dos direitos atinentes à personalidade que são definidos como sendo irrenunciáveis e intransmissíveis de todo indivíduo que possui o controle sobre seu corpo, nome, aparência e outros aspectos constitutivos de sua identidade. É de sabença geral que os direitos de personalidade são vinculados ao direito da dignidade da pessoa humana, previsto no artigo 1º, III, da Constituição da República, o que se torna necessário para o desenvolvimento das potencialidades morais, físicas e psíquicas de toda a pessoa. (Prof. Jeferson Botelho)
RESUMO. O presente texto tem por finalidade precípua analisar a autorização para a divulgação da gravação integral do vídeo atinente à reunião ministerial do presidente da República realizada em 22 de abril de 2020, autorizada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal, Celso de Melo, e possível conduta criminosa prevista no artigo 28 da nova Lei de Abuso de Autoridade.
Palavras-chave. Direito penal; reunião interministerial; divulgação; abuso de autoridade; configuração.
Resumen. El presente texto tiene por objeto analizar la autorización para la difusión de la grabación completa del vídeo relacionado con la reunión ministerial del Presidente de la República celebrada el 22 de mayo de 2020, autorizada por el Ministro del Tribunal Supremo Federal, Celso de Melo, y las posibles conductas delictivas previstas en el artículo 28 de la nueva Ley de Abuso de Autoridad.
Palabras clave. Derecho penal; reunión interministerial; divulgación; abuso de autoridad; Configuración.
1 INTRODUÇÃO
A história do Brasil, sempre dinâmica em sua essência, é contada e escrita a partir de inúmeros acontecimentos sociais, às vezes reproduzida de acordo com as lentes filosóficas, sociológicas e ideológicas de cada historiador. Sem dúvidas, o governo do atual presidente Jair Messias Bolsonaro tem sido marcado por incessantes conflitos políticos, presença de dualidade ideológica, manifestações de rua, celeumas em torno de trocas de ministros, sendo certo que a maioria dos problemas enfrentados pelo governo tem colorido dicotômico, em função da política de combate à pandemia da covid-19, crise planetária que ocupa as manchetes de jornais do mundo e, também, por questões vinculadas aos familiares e amigos do presidente, alguns detentores de função pública, investidos por mandatos ou cargos comissionados.
Em meio à crise sanitária, outra questão que praticamente dividiu as atenções do Coronavírus, foi sobre o súbito e inesperado pedido de exoneração do ex-ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Fernando Moro, que, durante entrevista coletiva, informou suas razões de saída do ministério, dentre as quais, suposta interferência do presidente na autonomia e independência investigativa da Polícia Federal, notadamente, na Superintendência do Rio de Janeiro.
Considerando a extrema gravidade das imputações, o procurador-geral da República, Augusto Aras, requisitou ao Supremo Tribunal Federal a abertura de inquérito policial para apurar os fatos narrados pelo agora ex-ministro Sérgio Moro, no anúncio de saída do Ministério da Justiça e da Segurança Pública. O pedido do PGR foi distribuído ao ministro Celso de Mello.
Na peça exordial, o PGR apontou como justa causa, suporte mínimo probatório, possíveis crimes de falsidade ideológica, coação no curso do processo, advocacia administrativa, prevaricação, obstrução de justiça, corrupção passiva privilegiada, denunciação caluniosa e crime contra a honra.
Em sua requisição, o PGR Augusto Aras, com fundamento no art. 21, XV, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, apresentou transcrição de inteiro teor da entrevista do ex-ministro Sérgio Moro, destacando os seguintes trechos (CONJUR)[1]:
“[...] Em todos esse período tive apoio o presidente em vários desses projetos, outros nem tanto, mas a partir do segundo semestre do ano passado passou a haver uma insistência do presidente da troca do comando da Polícia Federal. Isso inclusive foi declarado publicamente. Houve primeiro o desejo de trocar o superintendente do Rio. Sinceramente não havia nenhum motivo para essa mudança. Mas conversando com o superintendente, ele queria sair do cargo por questões pessoais. Então nesse cenário concordamos eu e o diretor geral em promover essa troca com uma substituição técnica, de um indicado da polícia(...)”
“[...] Eu tinha notícia quando assumi de que pelo menos havia rumores de que a PRF tinha algumas superintendências por indicações políticas. Escolhi o diretor geral, ele pode testemunhar o que eu disse pra ele. Foi ‘escolha tecnicamente, o que não é aceitável são essas indicações políticas’. Claro que existem indicações positivas, mas quando se começam a preencher esses cargos técnicos principalmente de polícia, com questões político partidárias, realmente o resultado não é bom para a corporação inclusive. O presidente no entanto também passou a insistir na troca do diretor geral. Eu sempre disse, ‘presidente não tem nenhum problema em trocar o diretor-geral, mas preciso de uma causa’ e uma causa normalmente relacionada a insuficiência de desempenho, um erro grave. No entanto o que eu vi durante esse período e até pelo histórico do diretor que é um trabalho bem feito[...]”
“[...] Não é uma questão do nome. Tem outros bons nomes para assumir o cargo de diretor da PF. Há outros delegados igualmente competentes. O grande problema de realizar essa troca r que haveria uma violação de uma promessa que me foi feita, de que eu teria carta branca. Em segundo lugar não haveria causa para essa substituição e estaria claro que estaria havendo ali uma interferência política na polícia federal, o que gera um abalo da credibilidade não minha, mas minha também, mas do governo e do compromisso maior que temos que ter com a lei. E tem um impacto também na própria efetividade da polícia federal, ia gerar uma desorganização. Não aconteceu durante a Lava Jato, a despeito de todos os problemas de corrupção dos governos anteriores. Houve até um episódio que foi nomeado um diretor no passado, com intuito de interferência política e não deu certo ficou pouco mais de três meses a própria instituição rejeitou essa possibilidade. O problema é que nas conversas com o presidente e isso ele me disse expressamente, que o problema não é só a troca do diretor-geral. Haveria intenção de trocar superintendentes, novamente o do rio, outros provavelmente viriam em seguida como o de Pernambuco, sem que fosse me apresentado uma razão para realizar esses tipos de substituições que fossem aceitáveis[...]”
“[...] Ontem conversei com o presidente houve essa insistência. Falei que seria uma interferência política. Ele disse que seria mesmo. Falei que isso teria um impacto pra todos que seria negativo. mas para evitar uma crise durante uma pandemia, não tenho vocação para carbonário, muito pelo contrário acho que o momento é inapropriado para isso eu sinalizei então vamos substituir o Valeixo por alguém que represente a continuidade dos trabalhos, alguém com perfil absolutamente técnico e que fosse uma sugestão minha também, mas na verdade nem minha, da polícia federal. Eu sinalizei com o nome do atual diretor executivo, Disney Rosseti. Nem tenho uma grande familiaridade, mas é uma pessoa de carreira de confiança. E como falei essas questões não são pessoais, tem que ser decididas tecnicamente. Fiz essa sinalização, mas não obtive resposta[...]
“[...] O presidente me disse mais de uma vez, expressamente, que queria ter uma pessoa do contato pessoal dele que ele pudesse ligar, colher informações, colher relatórios de inteligência, seja diretor-geral, superintendente e realmente não é o papel da polícia federal prestar esse tipo de informação. As investigações tem que ser preservadas. Imaginem se durante a própria lava jato, o ministro, diretor-geral ou a então presidente Dilma ficassem ligando para o superintendente em Curitiba para colher informações sobre as investigações em andamento. A autonomia da PF como um respeito a aplicação a lei seja a quem for isso é um valor fundamental que temos que preservar dentro de um estado de direito O presidente me disse isso expressamente, ele pode ou não confirmar, mas é algo que realmente não entendi apropriado. Então o grande problema não é quem entra mas porque alguém entra. e se esse alguém, a corporação aceitando substituição do atual direto, com o impacto que isso vai ter na corporação, não consegue dizer não pro presidente a uma proposta dessa espécie, ficou na dúvida se vai conseguir dizer não em relação a outros temas. Há uma possibilidade que Valeixo gostaria de sair, mas isso não é totalmente verdadeiro. O ápice de qualquer delegado da PF r a direção geral. E ele entrou com uma missão. Claro que depois de tantas pressões para que saísse, ele de fato manifestou a mim ‘olha talvez seja melhor eu sair para diminuir essa cisma e nós conseguimos realizar uma substituição adequada’, mas nunca isso voluntariamente, mas decorrente dessa pressão que não é apropriada. O presidente também me informou que tinha preocupação com inquéritos em curso no STF e que a troca também seria oportuna da Polícia Federal por esse motivo. Também não é uma razão que justifique a substituição e é até algo que gera uma grande preocupação. Enfim, eu sinto que tenho o dever de tentar proteger a pf e por esses motivos, ainda busquei uma solução alternativa para evitar uma crise política durante a pandemia. Acho que o foco deveria ser o combate a pandemia, mas entendi que não poderia deixar de lado esse meu compromisso com o estado de direito. A exoneração fiquei sabendo pelo DOU. Não assinei esse decreto. Em nenhum momento isso foi trazido ou o diretor geral apresentou um pedido formal de exoneração. Depois me comunicou que ontem a noite recebeu uma ligação dizendo que ia sair a exoneração a pedido, e se ele concordava. Ele disse ‘ como é que vou concordar com alguma coisa, vou fazer o que’. O fato é que não existe nenhum pedido que foi feito de maneira formal. Sinceramente fui surpreendido, achei que foi ofensivo a via que depois a Secom informou que houve essa exoneração a pedido mas isso de fato não é verdadeiro[...]”
O Procurador-Geral da República, ainda em sua peça vestibular requisitória, informa a que “a dimensão dos episódios narrados, especialmente os trechos destacados, revela a declaração de Ministro de Estado de atos que revelariam a prática de ilícitos, imputando a sua prática ao Presidente da República o que, de outra sorte, poderia caracterizar igualmente o crime de denunciação caluniosa”.
Ao final da requisição, o PGR aponta, em tese, os delitos de falsidade ideológica (art. 299 do Código Penal), coação no curso do processo (art. 344 do CP), advocacia administrativa (art. 321 do CP), prevaricação (art. 319 do CP), obstrução de Justiça (art. 2º, § 2º, da Lei nº 12.850/2013) corrupção passiva privilegiada (art. 317, § 2º, do CP) ou mesmo denunciação caluniosa (art. 339 do Código Penal), além de crimes contra a honra (arts. 138 a 140 do CP).
E assim, a todo esse passeio metafórico pela legislação penal, codificada ou não, é possível citar as seguintes condutas ilícitas:
Falsidade ideológica
Art. 299 - Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante: Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, se o documento é público, e reclusão de um a três anos, e multa, de quinhentos mil réis a cinco contos de réis, se o documento é particular. Parágrafo único - Se o agente é funcionário público, e comete o crime prevalecendo-se do cargo, ou se a falsificação ou alteração é de assentamento de registro civil, aumenta-se a pena de sexta parte.
Corrupção passiva
Art. 317 - Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.
§ 1º - A pena é aumentada de um terço, se, em consequência da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo dever funcional.
§ 2º - Se o funcionário pratica, deixa de praticar ou retarda ato de ofício, com infração de dever funcional, cedendo a pedido ou influência de outrem:
Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.
Prevaricação
Art. 319 - Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal:
Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.
Advocacia administrativa
Art. 321 - Patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a administração pública, valendo-se da qualidade de funcionário:
Pena - detenção, de um a três meses, ou multa.
Parágrafo único - Se o interesse é ilegítimo:
Pena - detenção, de três meses a um ano, além da multa.
Coação no curso do processo
Art. 344 - Usar de violência ou grave ameaça, com o fim de favorecer interesse próprio ou alheio, contra autoridade, parte, ou qualquer outra pessoa que funciona ou é chamada a intervir em processo judicial, policial ou administrativo, ou em juízo arbitral:
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa, além da pena correspondente à violência.
Denunciação caluniosa
Art. 339. Dar causa à instauração de investigação policial, de processo judicial, instauração de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabe inocente:
Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa.
§ 1º - A pena é aumentada de sexta parte, se o agente se serve de anonimato ou de nome suposto.
§ 2º - A pena é diminuída de metade, se a imputação é de prática de contravenção.
Calúnia
Art. 138 - Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos, e multa.
§ 1º - Na mesma pena incorre quem, sabendo falsa a imputação, a propala ou divulga.
§ 2º - É punível a calúnia contra os mortos.
Difamação
Art. 139 - Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação:
Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.
Injúria
Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:
Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.
§ 1º - O juiz pode deixar de aplicar a pena:
I - quando o ofendido, de forma reprovável, provocou diretamente a injúria;
II - no caso de retorsão imediata, que consista em outra injúria.
§ 2º - Se a injúria consiste em violência ou vias de fato, que, por sua natureza ou pelo meio empregado, se considerem aviltantes:
Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa, além da pena correspondente à violência.
§ 3o Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência:
Pena - reclusão de um a três anos e multa.
Lei nº 13.850/2013.
Art. 2º Promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa:
Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa, sem prejuízo das penas correspondentes às demais infrações penais praticadas.
§ 1º Nas mesmas penas incorre quem impede ou, de qualquer forma, embaraça a investigação de infração penal que envolva organização criminosa.
2 DO INQUÉRITO POLICIAL
Instaurada a fase investigativa, artigo 4º a 23 do Código de Processo Penal, foram designados delegados da Polícia Federal e Procuradores da República, os quais têm a incumbência de investigar autoria e materialidade dos crimes apontados.
Ato contínuo, o ministro Celso de Mello, do STF (Supremo Tribunal Federal), determinou que o ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sérgio Moro fosse ouvido no prazo de até cinco dias no inquérito policial sobre as acusações feitas por ele contra o presidente Jair Bolsonaro.
Inquirido, o ex-ministro Sérgio Fernando Moro prestou longas declarações no curso das investigações, afirmando dentre outros fatos que numa reunião ministerial realizada em 22 de abril de 2020, o presidente da República, Jair Bolsonaro, teria se manifestado pela interferência na Polícia Federal no Rio de Janeiro.
Alguns trechos das declarações prestadas pelo ex-ministro, Sérgio Fernando Moro, merecem destaque, a saber:
“[...] QUE durante o período que esteve à frente do Ministério da Justiça e Segurança Pública, houve solicitações do Presidente da República para substituição do Superintendente do Rio de Janeiro, com a indicação de um nome por ele, e depois para substituição do Diretor da Polícia Federal, e, novamente, do Superintendente da Polícia Federal no Estado do Rio de Janeiro, que teria substituído o anterior, novamente com indicação de nomes pelo presidente[...];
QUE a mensagem tinha, mais ou menos o seguinte teor: “Moro você tem 27 Superintendências, eu quero apenas uma, a do Rio de Janeiro”[...]”;
“[...] QUE perguntado se havia desconfiança em relação ao Diretor VALEIXO, o Declarante respondeu que isso deve ser indagado ao Presidente; QUE o próprio Presidente cobrou em reunião do conselho de ministros, ocorrida em 22 de abril de 2020, quando foi apresentado o PRÓ-BRASIL, a substituição do SR/RJ, do Diretor Geral e de relatórios de inteligência e informação da Polícia Federal[...]” (G1 - GLOBO)[2]