Capa da publicação STF e abuso de autoridade: divulgação da reunião ministerial foi legítima?
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A Suprema Corte e o crime de abuso de autoridade:

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27/05/2020 às 14:10
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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Destarte, foi instaurado o competente Inquérito Policial nº 4.831-DF, ainda em tramitação, a fim de apurar possível conduta criminosa praticada por agentes públicos. Importar indagar, no cerne deste ensaio, sobre a conveniência e legalidade da decisão do ministro relator do Inquérito, Celso de Melo, que autorizou a divulgação do inteiro teor da gravação da reunião interministerial realizada em 22 de abril de 2020.

Após a ampla divulgação da gravação da reunião ministerial, ficou muito claro que existem conversas do investigado e demais participantes da reunião que, seguramente, não têm nenhuma relação com a prova que se pretendia produzir, além de altamente expositivas e ofensivas à intimidade e à vida privada do próprio presidente da República; e, mais que isso, conversas de outros participantes da reunião, a exemplo, de ministros, presidentes de instituições financeiras, e que seguramente nada tem a ver com os fatos, objeto das investigações.

A meu sentir, nem mesmo as escorreitas 55 laudas bem fundamentadas da decisão do ministro Celso de Melo poderiam servir de argumento para autorizar a revelação de todas as conversas da reunião que o próprio ministro assistiu antes mesmo de tomar a decisão autorizativa. Não é de interesse público ouvir impropérios de agentes públicos, e muito menos saber de determinadas particularidades de uma reunião acalorada, de ânimos exaltados de seus participantes que sem a percepção de holofotes acabam se extravasando da medida de seus pronunciamentos, muito embora, com ou sem câmeras, algumas pessoas como o presidente Bolsonaro, não têm nenhuma economia ao pronunciar o seu vernáculo popular, que o faz, diferente dos demais, autêntico e denodado, sem hipocrisias, sem apegos ao politicamente correto, e, ademais, sem tecnicismo enjoativo, fruto do cabotinismo de algumas carreiras profissionais que se esmeram no seu prolixismo, pedantismo e reprodução de frases construídas, alinhavadas e arrematadas.

Lado outro, o dispositivo da nova lei de abuso de autoridade, que tentava tipificar o crime de interpretação ou de hermeneuta, acabou não sendo aprovado, pelo contrário, o novo comando normativo previu, textualmente, a proibição do crime de hermenêutica, em seu artigo 1º, § 2º, claramente definindo que a divergência na interpretação de lei ou na avaliação de fatos e provas não configura abuso de autoridade.

A meu aviso, a decisão do ministro do STF, Celso de Melo, de estampar todo o conteúdo da gravação da reunião ministerial, não ficando adstrito tão somente àquilo que tinha verdadeiramente relação e interesse exclusivamente com a prova, foi tolamente desarrazoada e descabida, exangue e pálida, não havendo suporte legal que pudesse autorizar o afastamento ao direito a intimidade das pessoas, considerando que o exercício de qualquer função pública não autoriza cegamente que a vida privada e a imagem das pessoas sejam devastadas a troco de nada. Exercer vida pública não constitui cessão cega e autômato do direito à imagem e intimidade dos agentes públicos ainda que no exercício da função.

Nesta seara, frise-se, que o povo, quando outorga uma função pública ao agente político, o que ele quer de verdade é austeridade com o trato da coisa pública, fidelidade com o erário público, respeito à ética e à moralidade pública, sendo certo que é melhor ter um representante rude e honesto do que um burocrata fino, elegante, dissimulado, bonzinho, de paz e amor, mas no fundo corrupto.

É certo que a sua decisão tem lampejos de conformidade com o artigo 93, IX, da CF/88, tendo motivado todos os pontos, e disso ninguém duvida. Mas é sabido que se a sua decisão fosse pelo levantamento parcial do sigilo da gravação, o que seria mais razoável, autorizando tão somente trechos relacionados com a prova que se pretendia produzir, certamente, o intérprete encontraria substratos legais e jurídicos para também fundamentar a sua decisão, naquilo que rotulamos de sistema jurídico elástico, que se locomove de acordo com a visão do jurista ou do exegeta.

E, por derradeiro, é de bom alvitre frisar que os crimes anunciados pelo procurador-geral da República na sua requisição para instauração de inquérito, chegam à casa dos 40 anos e três meses de prisão, sem levar em consideração as causas de aumento de pena previstas nos tipos derivados da capitulação penal, sendo, no mínimo, risível, desprezível e ignóbil tais possibilidades jurídicas, sabendo de antemão que tudo isso não passa de devaneios jurídicos de agentes públicos cabotinos, cujo final de todas as incursões investigativas já se sabe exatamente o resultado de tudo isso.

Antes deste final, contudo, a sociedade será contemplada com novos filmes de terror e com novos roteiros, mas sempre com os mesmos ingredientes -  a indústria do ódio, da peçonha e da intolerância que maltrata a toda a sociedade brasileira.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. – STF - Disponível em http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/decisao4831.pdf. Acesso em 25 de maio de 2020, às 00h06min.

BRASIL. Lei de Abuso de Autoridade. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13869.htm. Acesso em 25 de maio de 2020, às 16h25min.

BRASIL. Código penal brasileiro. Disponível  em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm. Acesso em 25 de maio de 2020, às 16h27min.

BRASIL. Constituição da República de 1988. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 25 de maio de 2020, às 16h29min.

BRASIL. Lei do Crime Organizado. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12850.htm. Acesso em 25 de maio de 2020, às 16h30min.

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CONJUR. Disponível em https://www.conjur.com.br/2020-abr-24/aras-solicita-inquerito-apurar-declaracoes-moro. Acesso em 24 de maio de 2020, às 21h52min

GRECO; Rogério. SANCHES. Rogério. Abuso de Autoridade. Lei 13.869/2019. Comentada artigo por artigo. Editora JusPODIVM. 2020. Salvador. Bahia.

PORTAL G1 – GLOBO. Disponível em  https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/05/05/leia-a-integra-do-depoimento-de-sergio-moro-a-policia-federal.ghtml. Acesso em 24 de maio de 2020, às 22h02min.


Notas

[1] CONJUR. Disponível em https://www.conjur.com.br/2020-abr-24/aras-solicita-inquerito-apurar-declaracoes-moro. Acesso em 24 de maio de 2020, às 21h52min.

[2] PORTAL G1 – GLOBO. Disponível em  https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/05/05/leia-a-integra-do-depoimento-de-sergio-moro-a-policia-federal.ghtml. Acesso em 24 de maio de 2020, às 22h02min.

[3] STF. Disponível em http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/decisao4831.pdf. Acesso em 25 de maio de 2020, às 00h06min.

[4] GRECO; Rogério.  SANCHES. Rogério. Abuso de Autoridade. Lei 13.869/2019. Comentada artigo por artigo. Editora JusPODIVM. 2020. Salvador. Bahia.

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Sobre o autor
Jeferson Botelho Pereira

Jeferson Botelho Pereira. Ex-Secretário Adjunto de Justiça e Segurança Pública de MG, de 03/02/2021 a 23/11/2022. É Delegado Geral de Polícia Civil em Minas Gerais, aposentado. Ex-Superintendente de Investigações e Polícia Judiciária de Minas Gerais, no período de 19 de setembro de 2011 a 10 de fevereiro de 2015. Ex-Chefe do 2º Departamento de Polícia Civil de Minas Gerais, Ex-Delegado Regional de Governador Valadares, Ex-Delegado da Divisão de Tóxicos e Entorpecentes e Repressão a Homicídios em Teófilo Otoni/MG, Graduado em Direito pela Fundação Educacional Nordeste Mineiro - FENORD - Teófilo Otoni/MG, em 1991995. Professor de Direito Penal, Processo Penal, Teoria Geral do Processo, Instituições de Direito Público e Privado, Legislação Especial, Direito Penal Avançado, Professor da Academia de Polícia Civil de Minas Gerais, Professor do Curso de Pós-Graduação de Direito Penal e Processo Penal da Faculdade Estácio de Sá, Pós-Graduado em Direito Penal e Processo Penal pela FADIVALE em Governador Valadares/MG, Prof. do Curso de Pós-Graduação em Ciências Criminais e Segurança Pública, Faculdades Unificadas Doctum, Campus Teófilo Otoni, Professor do curso de Pós-Graduação da FADIVALE/MG, Professor da Universidade Presidente Antônio Carlos - UNIPAC-Teófilo Otoni. Especialização em Combate à corrupção, crime organizado e Antiterrorismo pela Vniversidad DSalamanca, Espanha, 40ª curso de Especialização em Direito. Mestrando em Ciências das Religiões pela Faculdade Unida de Vitória/ES. Participação no 1º Estado Social, neoliberalismo e desenvolvimento social e econômico, Vniversidad DSalamanca, 19/01/2017, Espanha, 2017. Participação no 2º Taller Desenvolvimento social numa sociedade de Risco e as novas Ameaças aos Direitos Fundamentais, 24/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Participação no 3º Taller A solução de conflitos no âmbito do Direito Privado, 26/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Jornada Internacional Comjib-VSAL EL espaço jurídico ibero-americano: Oportunidades e Desafios Compartidos. Participação no Seminário A relação entre União Europeia e América Latina, em 23 de janeiro de 2017. Apresentação em Taller Avanco Social numa Sociedade de Risco e a proteção dos direitos fundamentais, celebrado em 24 de janeiro de 2017. Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad Del Museo Social Argentino, Buenos Aires – Argentina, autor do Livro Tráfico e Uso Ilícitos de Drogas: Atividade sindical complexa e ameaça transnacional, Editora JHMIZUNO, Participação no Livro: Lei nº 12.403/2011 na Prática - Alterações da Novel legislação e os Delegados de Polícia, Participação no Livro Comentários ao Projeto do Novo Código Penal PLS nº 236/2012, Editora Impetus, Participação no Livro Atividade Policial, 6ª Edição, Autor Rogério Greco, Coautor do Livro Manual de Processo Penal, 2015, 1ª Edição Editora D´Plácido, Autor do Livro Elementos do Direito Penal, 1ª edição, Editora D´Plácido, Belo Horizonte, 2016. Coautor do Livro RELEITURA DE CASOS CÉLEBRES. Julgamento complexo no Brasil. Editora Conhecimento - Belo Horizonte. Ano 2020. Autor do Livro VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. 2022. Editora Mizuno, São Paulo. articulista em Revistas Jurídicas, Professor em Cursos preparatórios para Concurso Público, palestrante em Seminários e Congressos. É advogado criminalista em Minas Gerais. OAB/MG. Condecorações: Medalha da Inconfidência Mineira em Ouro Preto em 2013, Conferida pelo Governo do Estado, Medalha de Mérito Legislativo da Assembléia Legislativa de Minas Gerais, 2013, Medalha Santos Drumont, Conferida pelo Governo do Estado de Minas Gerais, em 2013, Medalha Circuito das Águas, em 2014, Conferida Conselho da Medalha de São Lourenço/MG. Medalha Garimpeiro do ano de 2013, em Teófilo Otoni, Medalha Sesquicentenária em Teófilo Otoni. Medalha Imperador Dom Pedro II, do Corpo de Bombeiros, 29/08/2014, Medalha Gilberto Porto, Grau Ouro, pela Academia de Polícia Civil em Belo Horizonte - 2015, Medalha do Mérito Estudantil da UETO - União Estudantil de Teófilo Otoni, junho/2016, Título de Cidadão Honorário de Governador Valadares/MG, em 2012, Contagem/MG em 2013 e Belo Horizonte/MG, em 2013.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, Jeferson Botelho. A Suprema Corte e o crime de abuso de autoridade:: Ministro cometeu abuso de autoridade ao autorizar divulgação da gravação integral da reunião interministerial?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6174, 27 mai. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/82521. Acesso em: 29 mar. 2024.

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