CONSIDERAÇÕES FINAIS
Destarte, foi instaurado o competente Inquérito Policial nº 4.831-DF, ainda em tramitação, a fim de apurar possível conduta criminosa praticada por agentes públicos. Importar indagar, no cerne deste ensaio, sobre a conveniência e legalidade da decisão do ministro relator do Inquérito, Celso de Melo, que autorizou a divulgação do inteiro teor da gravação da reunião interministerial realizada em 22 de abril de 2020.
Após a ampla divulgação da gravação da reunião ministerial, ficou muito claro que existem conversas do investigado e demais participantes da reunião que, seguramente, não têm nenhuma relação com a prova que se pretendia produzir, além de altamente expositivas e ofensivas à intimidade e à vida privada do próprio presidente da República; e, mais que isso, conversas de outros participantes da reunião, a exemplo, de ministros, presidentes de instituições financeiras, e que seguramente nada tem a ver com os fatos, objeto das investigações.
A meu sentir, nem mesmo as escorreitas 55 laudas bem fundamentadas da decisão do ministro Celso de Melo poderiam servir de argumento para autorizar a revelação de todas as conversas da reunião que o próprio ministro assistiu antes mesmo de tomar a decisão autorizativa. Não é de interesse público ouvir impropérios de agentes públicos, e muito menos saber de determinadas particularidades de uma reunião acalorada, de ânimos exaltados de seus participantes que sem a percepção de holofotes acabam se extravasando da medida de seus pronunciamentos, muito embora, com ou sem câmeras, algumas pessoas como o presidente Bolsonaro, não têm nenhuma economia ao pronunciar o seu vernáculo popular, que o faz, diferente dos demais, autêntico e denodado, sem hipocrisias, sem apegos ao politicamente correto, e, ademais, sem tecnicismo enjoativo, fruto do cabotinismo de algumas carreiras profissionais que se esmeram no seu prolixismo, pedantismo e reprodução de frases construídas, alinhavadas e arrematadas.
Lado outro, o dispositivo da nova lei de abuso de autoridade, que tentava tipificar o crime de interpretação ou de hermeneuta, acabou não sendo aprovado, pelo contrário, o novo comando normativo previu, textualmente, a proibição do crime de hermenêutica, em seu artigo 1º, § 2º, claramente definindo que a divergência na interpretação de lei ou na avaliação de fatos e provas não configura abuso de autoridade.
A meu aviso, a decisão do ministro do STF, Celso de Melo, de estampar todo o conteúdo da gravação da reunião ministerial, não ficando adstrito tão somente àquilo que tinha verdadeiramente relação e interesse exclusivamente com a prova, foi tolamente desarrazoada e descabida, exangue e pálida, não havendo suporte legal que pudesse autorizar o afastamento ao direito a intimidade das pessoas, considerando que o exercício de qualquer função pública não autoriza cegamente que a vida privada e a imagem das pessoas sejam devastadas a troco de nada. Exercer vida pública não constitui cessão cega e autômato do direito à imagem e intimidade dos agentes públicos ainda que no exercício da função.
Nesta seara, frise-se, que o povo, quando outorga uma função pública ao agente político, o que ele quer de verdade é austeridade com o trato da coisa pública, fidelidade com o erário público, respeito à ética e à moralidade pública, sendo certo que é melhor ter um representante rude e honesto do que um burocrata fino, elegante, dissimulado, bonzinho, de paz e amor, mas no fundo corrupto.
É certo que a sua decisão tem lampejos de conformidade com o artigo 93, IX, da CF/88, tendo motivado todos os pontos, e disso ninguém duvida. Mas é sabido que se a sua decisão fosse pelo levantamento parcial do sigilo da gravação, o que seria mais razoável, autorizando tão somente trechos relacionados com a prova que se pretendia produzir, certamente, o intérprete encontraria substratos legais e jurídicos para também fundamentar a sua decisão, naquilo que rotulamos de sistema jurídico elástico, que se locomove de acordo com a visão do jurista ou do exegeta.
E, por derradeiro, é de bom alvitre frisar que os crimes anunciados pelo procurador-geral da República na sua requisição para instauração de inquérito, chegam à casa dos 40 anos e três meses de prisão, sem levar em consideração as causas de aumento de pena previstas nos tipos derivados da capitulação penal, sendo, no mínimo, risível, desprezível e ignóbil tais possibilidades jurídicas, sabendo de antemão que tudo isso não passa de devaneios jurídicos de agentes públicos cabotinos, cujo final de todas as incursões investigativas já se sabe exatamente o resultado de tudo isso.
Antes deste final, contudo, a sociedade será contemplada com novos filmes de terror e com novos roteiros, mas sempre com os mesmos ingredientes - a indústria do ódio, da peçonha e da intolerância que maltrata a toda a sociedade brasileira.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. – STF - Disponível em http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/decisao4831.pdf. Acesso em 25 de maio de 2020, às 00h06min.
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BRASIL. Constituição da República de 1988. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 25 de maio de 2020, às 16h29min.
BRASIL. Lei do Crime Organizado. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12850.htm. Acesso em 25 de maio de 2020, às 16h30min.
CONJUR. Disponível em https://www.conjur.com.br/2020-abr-24/aras-solicita-inquerito-apurar-declaracoes-moro. Acesso em 24 de maio de 2020, às 21h52min
GRECO; Rogério. SANCHES. Rogério. Abuso de Autoridade. Lei 13.869/2019. Comentada artigo por artigo. Editora JusPODIVM. 2020. Salvador. Bahia.
PORTAL G1 – GLOBO. Disponível em https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/05/05/leia-a-integra-do-depoimento-de-sergio-moro-a-policia-federal.ghtml. Acesso em 24 de maio de 2020, às 22h02min.
Notas
[1] CONJUR. Disponível em https://www.conjur.com.br/2020-abr-24/aras-solicita-inquerito-apurar-declaracoes-moro. Acesso em 24 de maio de 2020, às 21h52min.
[2] PORTAL G1 – GLOBO. Disponível em https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/05/05/leia-a-integra-do-depoimento-de-sergio-moro-a-policia-federal.ghtml. Acesso em 24 de maio de 2020, às 22h02min.
[3] STF. Disponível em http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/decisao4831.pdf. Acesso em 25 de maio de 2020, às 00h06min.
[4] GRECO; Rogério. SANCHES. Rogério. Abuso de Autoridade. Lei 13.869/2019. Comentada artigo por artigo. Editora JusPODIVM. 2020. Salvador. Bahia.