A Perícia Médica Judicial, o que inclui a previdenciária, está, sem dúvida, em franca ascensão. Este artigo evidenciará o fato, eliminando assim eventuais dúvidas que as discussões desencadeadas pela pandemia possam estar gerando. Para isso é preciso apresentar, ainda que sumariamente, como os peritos estamos organizados e agindo.
Através do movimento Perícia Médica Judicial (PMJ), estabelecemos estrutura nacional onde, por meio digital, discutimos diariamente os problemas enfrentados na prática pericial. Elaboramos e aperfeiçoamos soluções que, após aprovadas, são implementadas. São exemplos as propostas legislativas apresentadas ao Congresso Nacional, visando ao aperfeiçoamento das perícias na Justiça do Trabalho, que foram bem recebidas e estão em tramitação.
Enfrentamos a grave crise financeira que se abateu sobre a Justiça Federal. Por vários anos ficamos diversos meses sem nenhum recebimento, mas, mesmo assim, as perícias não foram prejudicadas. Em 2019, ficamos 11 (onze) meses sem nada receber de honorários. Desconheço classe profissional que tenha demonstrado equivalente grau de compromisso com a população brasileira.
Participamos ativamente do projeto de lei apresentado ao Congresso Nacional, que se tratava de uma lei visando à resolução desse grave problema. Conseguimos sua tramitação em regime de urgência e a sua aprovação na Câmara Federal. No Senado tivemos um revés, que cito porque revelou uma grave ameaça à Justiça brasileira. Haveremos de enfrentá-la novamente em breve. Revertemos a situação no plenário do Congresso Nacional e, de uma só vez, resolvemos a crise financeira e a grave ameaça que pairou sobre a JEF, ainda que provisoriamente. Esse será um assunto que voltaremos a tratar após superarmos os desafios atuais.
Nesse tempo o movimento PMJ evoluiu e se transformou no Instituto Brasileiro Perícias Médicas (IBPM), que hoje soma forças com a Associação Brasileira de Medicina Legal e Perícia Médica (ABMLPM), entidade que representa a especialidade médica junto ao Conselho Federal de Medicina (CFM) e a Associação Médica Brasileira (AMB). Somos a 35ª especialidade médica brasileira sob a denominação de Medicina Legal e Perícia Médica.
Através do IBPM passamos a estabelecer contatos institucionais com os diversos atores envolvidos nas lides previdenciárias, incluindo o Judiciário, que muito nos auxiliou nas conquistas acima. Os contatos institucionais estão sendo ampliados e fortalecidos. Esta agregação, as importantes conquistas já alcançadas, o inabalável compromisso com a população brasileira estão na base do fortalecimento da Perícia Médica Judicial.
Definida a estrutura que os peritos colocam à disposição da sociedade, passo a analisar os desafios impostos pela pandemia provocada pelo novo Coronavírus – Covid-19 que, ainda que complexos, não são insolúveis. Os assuntos foram separados, em função da urgência com que exigem respostas, em dois grupos que chamarei de tempo da pandemia e de futuro. Aqui tratarei do primeiro e, em próximo artigo, os problemas a serem enfrentados e superados no futuro próximo.
A Perícia Previdenciária em tempos de Pandemia.
A primeira ação quando se objetiva encontrar a solução de um problema é definir suas causas e extensão. No caso, essas respostas podem ser colocadas da seguinte maneira:
A Resolução CNJ 313/2020 produziu o maior, mais abrangente e mais intenso programa de exclusão social que se tem notícia. A conclusão soa óbvia aos peritos ao passo que pode provocar perplexidade nos operadores do direito. Quanto maior for a estranheza, maior será seu grau de certeza, pois não se espera que um leigo antecipe as consequências da medida.
É preciso agora demonstrar que foi a conduta diante da pandemia que gerou a exclusão social vivenciada por aqueles de dependem de antecipação de tutela previdenciária para sua sobrevivência, e não a pandemia propriamente dita.
Todos concordam que, se o prefeito de uma cidade pequena, alegando combater a pandemia causada pela COVID 19, suspendesse o atendimento em uma especialidade médica, cardiologia por exemplo, causaria intensa perplexidade. Por certo viria à mente de muitos, senão de todos, que a suspensão do fornecimento de serviço médico não é a forma adequada de enfrentar a crise, uma vez que, em todo o mundo, os serviços médicos continuam sendo prestados dentro das normas de biossegurança, já fartamente divulgadas pela imprensa.
A primeira dúvida que assolaria o cidadão comum é saber qual seria a fundamentação médica de tão drástica medida? E a resposta seria: nenhuma. Seria oportuno indagar se o administrador teria tido orientação técnica adequada para decidir e a resposta haveria de ser igualmente negativa pois, se é crível não esperar acerto se a decisão for tomada por leigo, não se espera esse tipo de engano da parte de um especialista.
A perplexidade da população seria tão maior quanto mais a suspensão fosse inflexível e se estendesse territorialmente, a ponto de atingir todo o Estado. Imaginemos agora que todos os Estados adotassem, ao mesmo tempo, a inusitada medida. Isso criaria um grupo de indivíduos privados de seus direitos básicos, excluídos da proteção social.
Essa foi a consequência não esperada da Res 313/2020 quando suspendeu, em todo o território nacional, no mesmo momento, as perícias médicas nos Juizados Especiais Federais. Fez isso no bojo das acertadas medidas relativas ao funcionamento do judiciário e, repito, certamente não se previu esta consequência.
Pode-se argumentar, contra essa conclusão, que as perícias não se comparam ao atendimento assistencial pois não visam ao tratamento de patologias. O argumento, entretanto, mostra-se falho. O objetivo do atendimento assistencial é a avaliação sobre se determinada patologia existe ou não e, caso exista, indicar as medidas adequadas para sua eliminação ou mitigação. Igualmente, a perícia médica verifica a presença de um dano (incapacidade) e possibilita que o segurado obtenha, se for o caso, o benefício da devida proteção social da qual, no mais das vezes, depende sua subsistência. Identificar um problema de saúde e propor os meios para sua superação, eis a semelhança.
Outros podem opor a seguinte argumentação: as perícias médicas previdenciárias estão atreladas a um processo e tem, por isso, cunho administrativo que as aproximam dos atendimentos em medicina ocupacional e dos atendimentos previdenciários. A semelhança de fato existe, porém essas duas situações foram resolvidas de forma diferente da adotada no judiciário, a saber:
A previdência social julgou ser impossível realizar as perícias previdenciárias de acordo com as normas de afastamento social considerando sua estrutura física e volume de atendimento, entretanto, o serviço somente foi interrompido junto com a implantação de rede de proteção social que garante a subsistência.
No que diz respeito à medicina ocupacional, o Executivo, em comunhão com a Associação Nacional de Medicina do Trabalho (ANANT), suspendeu a obrigatoriedade de atendimentos ocupacionais mais frequentemente associados com aglomeração. Manteve, entretanto, a obrigatoriedade do exame demissional a fim de garantir direitos trabalhistas e deu ampla liberdade ao médico do trabalho para realizar os atendimentos necessários a fim de preservar direitos, particularmente a avaliação de incapacidade laborativa objetivando indicar afastamento ou permitir o retorno ao trabalho. Os ambulatórios de medicina ocupacional mantiveram atendimentos clínicos, dentro de padrões de biossegurança, inclusive atendendo a casos de Covid-19.
Os serviços de saúde ambulatorial, atendimento médico, laboratorial, exame de imagem, dentre outros, não foram totalmente suspensos, ainda que as medidas de segurança biológica, a triagem e a conscientização da população afastassem desses serviços os casos que podem ter seus atendimentos postergados.
As perícias médicas podem, seguindo os padrões de segurança biológica, da mesma forma que todas as demais especialidades médicas, ser realizadas. Podem ser feitas tanto em consultórios particulares quanto nas sedes do JEF, onde as normas de segurança biológica possam ser aplicadas. Tal como ocorre na medicina ocupacional esta decisão só pode ser tomada considerando as condições locais.
Esta solução, por óbvio, não é minha. Esta medida é defendida pela comunidade pericial desde o início da suspensão das perícias médicas.
Outra consequência, igualmente não prevista, é a de que a suspensão das perícias médicas causaria ociosidade nos Juizados Especiais Federais, dada a dependência que o andamento processual tem das perícias.
Havemos agora de avaliar o motivo que gerou a Resolução. Entendo que isso somente ocorreu porque a medida foi tomada através da ótica judiciária. A imensidão continental do Brasil, a multiplicidade de fatores locais, os diversos ramos do judiciário abrangidos pela resolução, por certo não permitiram que “questões não diretamente administrativas” fossem avaliadas no seu contexto técnico. A situação evidencia a necessidade dos Tribunais receberem assessoria técnica fornecida pelas entidades dos médicos peritos. O fortalecimento dessa comunicação institucional certamente trará benefícios a todos.
O último aspecto desse tópico diz respeito à polemica surgida com a proposta da realização de perícias não presenciais em suas mais diferentes formas. Nesse momento, o que define a medida a ser tomada é sua aplicabilidade imediata. A proposta surgiu há setenta dias no núcleo de inteligência da paulista e até o momento não foi implementada e nem existe indício de que possa ser. Noutro sentido, a proposta tirou o foco do verdadeiro problema - a urgência - e passou a discutir qualidade ou impossibilidade de nova metodologia pericial, o que somente agrava a situação do hipossuficiente.
A nova metodologia pericial proposta será discutida no próximo artigo pois eu, apesar de ter falhado na urgência, entendo que há os que a defendem como formato rotineiro. Neste momento, entretanto, importa tão somente a medida que pode ser implementada imediatamente, particularmente quando usa metodologia mundialmente aceita.
Em resumo, temos que a realização das perícias médicas previdenciárias pode ser imediatamente retomada aliviando o sofrimento de quem há mais de dois meses está privado desse direito e, como ganho adicional, restaura a produtividade dos Juizados Especiais Federais. Essa providência foi submetida pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região à consideração do Conselho Nacional de Justiça (Pedido de Providências Reg. Nº 0003451-62.2020.2.00.0000) obtendo parecer favorável da Conselheira nos seguintes termos “não há razões para se obstar que as unidades judiciárias da 4ª Região que tenham comprovado condições para realização de perícias presenciais possam realizá-las”.
Nesse ponto, espero ter mostrado, conforme dito no início, o inabalável compromisso que os médicos peritos judiciais temos com a sociedade, a firme disposição em participar da construção de soluções para os problemas periciais, bem como a existência de estrutura capaz de subsidiar o Judiciário de informação técnica qualificada.