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Da descabida vedação imposta pelo CPC ao parcelamento da dívida em fase de cumprimento de sentença

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30/06/2020 às 15:35
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3. Da interpretação do art. 916, § 7º do CPC quanto à possibilidade de parcelamento da dívida em fase de cumprimento de sentença em caso de anuência do credor

Como se viu, a jurisprudência e a doutrina têm entendido que a regra do artigo 916, § 7º do Código de Processo Civil deve ser seguida.

Entretanto, os Tribunais Pátrios, apoiando-se na doutrina, têm autorizado o parcelamento do débito no cumprimento de sentença caso haja concordância do credor, já que tal situação corresponderia a uma transação realizada no decorrer do processo judicial.

Esse também é o entendimento do doutrinador Daniel Amorim Assumpção Neves, veja:

"De qualquer forma, admissível será um acordo no cumprimento de sentença, nos moldes do artigo 916 do Novo CPC, ao menos no tocante às condições de pagamento, mas nesse caso não haverá uma moratória legal, mas uma mera transação a respeito da forma de pagamento da dívida".[8]

Trata-se de, portanto, de uma interpretação extensiva do artigo 916, §7º, do CPC, com fundamento relevante no princípio da cooperação processual, insculpida no artigo 6º do Diploma Processual, que assim dispõe: “Art. 6º Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”.

Assim, se ambas as partes estão de acordo nos termos e condições de pagamento, não haveria razão para impedir tal avença.

Vale rememorar, ainda, o artigo 190 do CPC, que trata a respeito do negócio jurídico processual, o qual prevê a possibilidade de mudanças no procedimento pelas partes envolvidas na lide, para ajustá-lo às especificidades da causa, in verbis:

"Art. 190. Versando o processo sobre direitos que admitam auto composição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo."

Portanto, tendo em vista que o atual Código de Processo Civil autoriza a flexibilização procedimental nos processos em que se admita a auto composição, deve prevalecer a autonomia das partes no caso concreto para que a tutela seja real e efetiva.

Inclusive, há julgados que privilegiam essa possibilidade. A título ilustrativo, vale citar acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, ao permitir o parcelamento em sede de cumprimento de sentença mediante concordância expressa do credor:

"AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. Cumprimento de sentença. Nova sistemática estabelecida pelo CPC (Lei nº 13.105/2015). Parcelamento do débito, com depósito inicial de 30%, com amparo no art. 916, do CPC/2015. Concordância do credor. Decisão que determinou a realização de depósito do valor remanescente, acrescido de multa e honorários advocatícios de 10%, cada. Necessidade de reforma. Possibilidade de parcelamento em sede de cumprimento de sentença mediante concordância expressa do credor. Princípio da cooperação processual. Não cabimento de multa e honorários. Interpretação extensiva do art. 916, § 7º, CPC/2015. Decisão reformada. Recurso provido.".[9] (grifou-se e destacou-se)

A melhor interpretação da norma não é a que segue a literalidade do texto, mas a que considera o contexto, a essência, a teleologia empregada na redação do Código de Processo Civil. Sendo o recebimento do crédito um direito disponível do credor, a sua expressa anuência em recebê-lo de modo parcelado deve ser levada em consideração.

Esse é o modelo cooperativo, em que o Magistrado desempenha um papel extremamente relevante, não apenas para que o processo termine em tempo razoável, mas também para que o conflito seja solucionado de modo satisfatório para ambas as partes.

É necessário fazer uso dos instrumentos adequados para a satisfação do direito material, mitigando o formalismo da interpretação legal em prol da solução da lide. O processo, concebido como instrumento para a realização da Justiça Social, não pode ser reduzido a mera técnica, mas deve ser considerado uma ferramenta para concretizar valores constitucionais.


Conclusão

Por tudo o que se viu anteriormente, entendemos que a vedação trazida pelo parágrafo 7º do artigo 916 do CPC não é razoável, sob pena de, ao se pretender a justiça de um, resultar na injustiça a tantos outros. A Justiça não pode ser feita exacerbadamente em prol do individualismo. A Justiça é, antes de tudo, solidária.

Ademais, a possibilidade de parcelamento visa estimular ao cumprimento espontâneo da obrigação, mediante a facilitação das condições para que a dívida seja adimplida em sua totalidade.

Cabe reforçar que o pleito de parcelamento incutiu-se em nosso ordenamento jurídico pela necessidade de instrumentalizar a execução e permitir a menor onerosidade da execução, tornando-a menos agressiva possível ao devedor e o mais efetiva possível ao credor, justamente para proteger a ambos, permitindo ao devedor que não se lhe imponha prestação impossível de cumprir, garantindo de mesma forma que o credor seja ressarcido, inclusive com imposição de multas, em caso de descumprimento.

Na prática, o parcelamento da dívida traz efetividade ao procedimento executório, mormente em casos nos quais o devedor realmente não possua condições de arcar com o débito executado.

A jurisprudência já está caminhando no sentido de autorizar o parcelamento mediante anuência do credor, em respeito aos princípios processuais da economia, celeridade, razoável duração do processo, boa-fé e cooperação, deixando de lado a interpretação literal, buscando os objetivos da execução para satisfazer o interesse do exequente. Afinal, a efetividade do processo como instrumento de tutela de direitos é considerado um dos principais desideratos do Novo Código de Processo Civil.

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Referências bibliográficas

Livros:

JÚNIOR, Humberto Theodoro. Novo Código de Processo Civil Anotado. 20ª ed. São Paulo: Forense, 2016.

JUNIOR, Nelson Nery Júnior; NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao Código de Processo Civil. 16ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016.

NEGRÃO, Theotonio e outros. Novo Código de Processo Civil e Legislação Processual em Vigor. 47ª ed. São Paulo: Saraiva, 2016.

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil. 8ª ed. Salvador: Juspodivm, 2016.

ROQUE, André Vasconcelos et al. Execução e recursos: comentários ao CPC 2015. São Paulo: Método, 2017.

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.) et al. Breves Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015.

Jurisprudência:

STJ – Recurso Especial: 1264272/RJ, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 15/05/2012, QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 22/06/2012.

TJPR – Agravo de Instrumento: 1641807, Relator: Desembargador RUY CUNHA SOBRINHO, Data de Julgamento: 09/05/2017, 1ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: DJe 22/05/2017.


Notas

[1] JÚNIOR, Humberto Theodoro. Novo Código de Processo Civil Anotado. 20ª ed. São Paulo: Forense, 2016, p. 992.

[2] WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.) et al. Breves Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 2.047.

[3] ROQUE, André Vasconcelos et al. Execução e recursos: comentários ao CPC 2015. São Paulo: Método, 2017, p. 519.

[4] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil. 8.ed. Salvador: Juspodivm, 2016.

[5] STJ – Recurso Especial: 1264272/RJ, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 15/05/2012, QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 22/06/2012.

[6] JUNIOR, Nelson Nery Júnior; NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao Código de Processo Civil. 16ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 1810.

[7] NEGRÃO, Theotonio e outros. Novo Código de Processo Civil e Legislação Processual em Vigor. 47ª ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 819.

[8] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil. 8.ed. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 1157.

[9] TJPR – Agravo de Instrumento: 1641807, Relator: Desembargador RUY CUNHA SOBRINHO, Data de Julgamento: 09/05/2017, 1ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: DJe 22/05/2017.

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Sobre o autor
Marcus Filipe Freitas Coelho

Mestre em Direito Ambiental (com bolsa CAPES) pela Universidade Católica de Santos (2017-2018). Especialista em Direito e Gestão de Contratos (2021). Especialista em Direito Médico e Hospitalar (2021). Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo (2016). Autor do livro Direito à Moradia e Inclusão Social: Regularização fundiária urbana e a responsabilidade dos Municípios (2022). Advogado com experiência profissional na área Societária, especificamente em startups, e na área Cível, abrangendo o contencioso e o consultivo nas especificações do Direito Empresarial, Contratual e Arbitral. Foi Assessor de Apoio para Assuntos Jurídicos do Exército Brasileiro, atuando no Comando Militar do Sudeste (CMSE) no assessoramento jurídico com foco na área de Direito Público, Direito Penal e Direito Militar (2023-2024). Atuou como conciliador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo no Juizado Especial Cível - Anexo UniSantos (2018-2023).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COELHO, Marcus Filipe Freitas. Da descabida vedação imposta pelo CPC ao parcelamento da dívida em fase de cumprimento de sentença. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6208, 30 jun. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/83571. Acesso em: 25 abr. 2024.

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