Resumo: O presente artigo abordará a vedação imposta pelo Código de Processo Civil de 2015 ao parcelamento da dívida na fase de cumprimento de sentença. De acordo com o art. 916, § 7º do CPC, não há que se falar na possibilidade de moratória do executado decorrente de título executivo judicial. Por sua vez, a jurisprudência entende que o parcelamento do débito em fase de cumprimento de sentença somente poderá ser admitido em caso de anuência do credor, considerando que a execução se processa, sempre, conforme o seu interesse. Entretanto, ao nosso ver, o óbice ao parcelamento imposto pelo atual Diploma Processual Civil colide com o próprio sistema processual civil, com o princípio da cooperação das partes e da razoável duração do processo, além de confrontar com o artigo 805, que garante o princípio da menor onerosidade ao devedor, que se aplica subsidiariamente no cumprimento de sentença (artigo 771, CPC).
Palavras-chave: Cumprimento de sentença. Dívida. Parcelamento.
Sumário: Introdução. 1. Da impossibilidade de parcelamento da dívida decorrente da execução de título judicial de sentença. 2. Da necessária relativização à vedação imposta pelo art. 916, § 7º do CPC. Conclusão. Referências bibliográficas.
Introdução
Sob a égide do Código de Processo Civil de 1973, muito se discutia se a possibilidade do parcelamento da dívida do executado aplicava-se exclusivamente ao processo de execução de título extrajudicial ou se também era aplicável ao cumprimento da sentença.
Como a lei era omissa a tal respeito, no dia a dia forense cada juiz praticamente admitia ou não a aplicação do instituto conforme lhe parecia mais adequado ao caso concreto.
Ocorre que o atual Código de Processo Civil pôs fim a tal discussão, já que o artigo 916, § 7º é expresso ao indicar que o parcelamento da dívida não se aplica ao cumprimento de sentença, ou seja, não há que se falar na possibilidade de moratória do executado decorrente de título executivo judicial.
Há entendimento no sentido de que o parcelamento do débito em fase de cumprimento de sentença somente poderá ser admitido em caso de anuência do credor, considerando que a execução se processa, sempre, conforme o seu interesse.
Contudo, conforme se analisará adiante, discordamos da vedação imposta pelo Código de Processo Civil quanto à impossibilidade de parcelamento da dívida em fase de cumprimento de sentença.
1. Da impossibilidade de parcelamento da dívida decorrente da execução de título judicial
O atual Código de Processo Civil, em seu artigo 916, dispõe que:
"Art. 916. No prazo para embargos, reconhecendo o crédito do exequente e comprovando o depósito de trinta por cento do valor em execução, acrescido de custas e de honorários de advogado, o executado poderá requerer que lhe seja permitido pagar o restante em até 6 (seis) parcelas mensais, acrescidas de correção monetária e de juros de um por cento ao mês."
Ocorre que, o parágrafo 7º do referido dispositivo veda o parcelamento da dívida na fase de cumprimento de sentença do julgado: “§ 7º O disposto neste artigo não se aplica ao cumprimento da sentença”.
De acordo com Humberto Theodor Júnior:
"[...] não teria sentido beneficiar o executado condenando por sentença judicial com novo prazo de espera, quando já se valeu de todas as possibilidades de discussão, recursos e delongas do processo de conhecimento. Seria um novo pesado ônus para o exequente, que teve de percorrer a longa e penosa via crusis do processo condenatório, ter ainda de suportar mais seis meses para tomar as medidas judiciais executivas contra o executado renitente. O NCPC é bastante claro ao dispor, expressamente, no § 7º do artigo 916 que o parcelamento não se aplica ao cumprimento de sentença".[1]
A propósito, observa Antonio Adonias Aguiar Barros que
"[...] o §7º fulmina a controvérsia que existia na doutrina e na jurisprudência sobre a aplicação do favor legal ao cumprimento de sentença, vedando-o expressamente. De um lado, é inócuo/impossível que o executado reconheça o crédito do exequente no cumprimento de sentença, pois a obrigação já se encontra certificada por título judicial, constituído com a observância do devido processo legal, oportunizando-se o amplo debate e os recursos para revisão/invalidação da decisão exequenda. Também não há vantagem para o exequente, que já teve que suportar o ônus do tempo decorrente do processamento da demanda de conhecimento, ao passo que uma das justificativas do parcelamento é exatamente a abreviação da atividade jurisdicional. Além disso, todo o regramento do cumprimento de sentença é composto por mecanismos voltados a compelir o executado a cumprir a obrigação (a exemplo da multa do §1º do art. 523), relevando-se incompatível com o benefício previsto pelo art. 916".[2]
Como se viu, aqueles que defendem a vedação ao parcelamento do débito na fase de cumprimento do julgado, sustentam que, tratando-se de título executivo judicial, o exequente já teve que aguardar todo o trâmite da fase de conhecimento, o que não seria razoável exigir que esperasse por mais seis meses em caso de parcelamento.[3]
Outro argumento invocado é o de que o executado poderia, durante a fase de conhecimento, ter chego a uma autocomposição com o exequente. Assim, defendem que o legislador considerou que nesse cenário deveria preponderar a exigência da efetividade da tutela executiva.
Entretanto, conforme se verá adiante, entendemos que a vedação imposta pelo Diploma Processual Civil é de todo descabida.
2. Da necessária relativização à vedação imposta pelo art. 916, § 7º do CPC
O artigo 805 do Código de Processo Civil dispõe que “quando por vários meios o exequente puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o executado”.
Se a parte pleiteia o parcelamento da quantia executada, ainda que seja em fase de cumprimento de sentença, não há dúvidas de que tal meio é o mais eficaz e menos gravoso para o cumprimento da obrigação.
O Julgador, diante desse caso, deve atender ao requerimento feito pelo devedor. O artigo 8º do Código de Processo Civil preleciona que:
"Art. 8º Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência."
Quanto à necessidade de atendimento aos fins sociais e às exigências do bem comum, ensina Daniel Amorim Assumpção Neves:
"Ao prever que o juiz, ao aplicar o ordenamento jurídico, atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, deve se compreender que os fins sociais do processo são a concretização do acesso à ordem jurídica justa, enquanto o bem comum deve ser compreendido como a preservação do Direito por meio do processo".[4]
A literalidade não é a melhor das exegeses das normas. O art. 916 do CPC, está inserido no Livro II – Do Processo de Execução -, no Título III – Dos Embargos à Execução -, sabidamente meio de defesa na execução dos títulos extrajudiciais.
O cumprimento de sentença, de outro norte, nada mais é que a execução do título judicial, na esteira do comando do art. 523 e seguintes do CPC, sujeitas, as duas formas de busca de satisfação de crédito ao princípio da menor onerosidade ao devedor, já insculpido no CPC/1973.
Logo, relativizar a norma significa dar luzes ao caso concreto, a fim de harmonizar, de um lado, os direitos do credor, e, de outro, o direito do devedor à menor onerosidade, cumprindo, no entanto, a obrigação por inteiro.
Cabe destacar, ademais, que o credor não sofrerá qualquer prejuízo com o pagamento parcelado, nos moldes do art. 916, haja vista para que o saldo sofrerá a incidência de atualização monetária, mês a mês, além de juros de 1% (um por cento) ao mês, superior essa remuneração, como sabido, a qualquer daquelas disponíveis no mercado financeiro, tendo, como princípio de pagamento, recebido, no ato do parcelamento, 30% (trinta por cento) do valor atualizado.
Essa visão tem embalado os Tribunais Pátrios a conceder o parcelamento durante o cumprimento de sentença. Os fundamentos principais são o princípio da razoável duração do processo e o princípio da cooperação processual.
Ademais, importante esclarecer que se o devedor oferta o pagamento da dívida, ainda que de forma fracionada, dentro do prazo do adimplemento voluntário, não se pode aplicar a multa pelo não pagamento.
Esse entendimento foi exarado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, no julgamento do Agravo de Instrumento 1.580.095-4, julgado aos 8/2/2017, em votação unânime, tendo como relator o Desembargador Dalla Vecchia, integrante da 11ª Câmara Cível. O mesmo entendimento foi adotado, também por unanimidade, pela 1ª Câmara Cível do TJPR, nos autos do AI 1.641.807-8. Igualmente, a 18ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná admitiu aplicação subsidiária do artigo 916 do CPC, em cumprimento de sentença, a despeito da aparente vedação legal. Justificou-se a decisão no sentido de que se deve “buscar o resultado útil do processo, a efetividade da tutela, não havendo prejuízo para o agravante, que receberá de forma parcelada, mas com as devidas correções, como preceitua o artigo 916 do CPC”.
O Superior Tribunal de Justiça, na vigência do Código de processo Civil de 1973, se posicionou favorável a aplicação do parcelamento, no julgamento do REsp nº 1264272/RJ, de Relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão, cujo trecho do julgado, segue:
"[...] 2. A efetividade do processo como instrumento de tutela de direitos é o principal desiderato das reformas processuais engendradas pelas Leis 11.232/2005 e 11.382/2006. O art. 475-R do CPC expressamente prevê a aplicação subsidiária das normas que regem o processo de execução de título extrajudicial, naquilo que não contrariar o regramento do cumprimento de sentença, sendo certa a inexistência de óbice relativo à natureza do título judicial que impossibilite a aplicação da norma em comento, nem mesmo incompatibilidade legal.
Portanto, o parcelamento da dívida pode ser requerido também na fase de cumprimento da sentença, dentro do prazo de 15 dias previsto no art. 475-J, caput, do CPC.
3. Não obstante, o parcelamento da dívida não é direito potestativo do devedor, cabendo ao credor impugná-lo, desde que apresente motivo justo e de forma fundamentada, sendo certo que o juiz poderá deferir o parcelamento se verificar atitude abusiva do exequente, uma vez que tal proposta é-lhe bastante vantajosa, a partir do momento em que poderá levantar imediatamente o depósito relativo aos 30% do valor exequendo e, ainda, em caso de inadimplemento, executar a diferença, haja vista que as parcelas subsequentes são automaticamente antecipadas e é inexistente a possibilidade de impugnação pelo devedor, nos termos dos §§ 2º e 3º do art. 745-A.
4. Caracterizado o parcelamento como técnica de cumprimento espontâneo da obrigação fixada na sentença e fruto do exercício de faculdade legal, descabe a incidência da multa calcada no inadimplemento (art. 475-J do CPC), sendo certo que o indeferimento do pedido pelo juiz rende ensejo à incidência da penalidade, uma vez configurado o inadimplemento da obrigação, ainda que o pedido tenha sido instruído com o comprovante do depósito, devendo prosseguir a execução pelo valor remanescente. [...]".[5] (grifou-se e destacou-se)
Não há razão jurídica razoável para a dicotomia de tratamento na execução de título extrajudicial ou judicial, deferindo-se a um o parcelamento pelo adimplemento voluntário e ao outro não. A bem da razão e da lógica, a aplicação analógica ao cumprimento de sentença da benesse concedida em execuções de título não deveria depender da anuência do credor. É manifesta a necessidade de uma reforma legislativa. A obrigação que se consubstancia no título extrajudicial não é melhor ou pior que aquela fundada no título judicial, e vice-versa.
Vale relembrar que o próprio CPC delimita, no artigo 805, o princípio da menor onerosidade ao devedor, consoante já analisado, havendo, ainda, a regra do artigo 771, CPC, que expressamente dispõe sobre a aplicabilidade das regras da execução de título extrajudicial ao “cumprimento de sentença”.
Portanto, a restrição contida no §7º do artigo 916 do CPC, por injustificada, tem sido repelida por parte da doutrina e jurisprudência, vide os Comentários ao Código de Processo Civil, da lavra de Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery:
"O parcelamento da dívida escapa à regra de aplicação subsidiária das normas de execução ao cumprimento de sentença, não podendo ser utilizado nesta instância. Porém, não há nenhuma razão clara do legislador, nem tampouco da lei, que justifique essa posição".[6]
Theotonio Negrão e outros, na obra Novo Código de Processo Civil e Legislação Processual em Vigor, também adotam referido entendimento:
"O parcelamento da dívida não é direito potestativo do devedor, cabendo ao credor impugná-lo, desde que apresente motivo justo e de forma fundamentada, sendo certo que o juiz poderá deferir o parcelamento se verificar atitude abusiva do exequente, uma vez que tal proposta é lhe bastante vantajosa, a partir do caso de inadimplemento, executar a diferença, haja vista que as parcelas subsequentes são automaticamente antecipadas e é a possibilidade de impugnação pelo devedor".[7]
Assim, o art. 916, § 7º, do CPC, não pode ser interpretado de maneira isolada e desconsiderar uma norma fundamental da magnitude do princípio da cooperação e da razoável duração do processo, para que o litígio tenha um fim mais rápido e atinja o seu objetivo principal, que é pacificar.
Deve-se sopesar a ausência de prejuízos para a parte e, ainda, que, embora a execução deva ser feita em benefício do credor, é necessário ponderar tal regramento, com o princípio da menor onerosidade da execução, ou seja, a execução, sempre que possível, deve ser feita de forma menos gravosa também ao devedor.
Importante, também, levar em consideração que o parcelamento acaba sendo uma alternativa quando já houveram várias tentativas frustradas de constrição dos bens do executado e o valor do débito supera de modo considerável a capacidade financeira do devedor.
Imprescindível ter em mente que diversos executados são pessoas jurídicas e a atividade operacional das empresas é permeada de desafios diários, pois os recursos financeiros são revertidos em prol de suas atividades.
Muitas empresas não têm como enfrentar o débito em uma única parcela. Fazê-lo, ainda que por empréstimos bancários ou outro meio de financiamento, traria restrições operacionais gravosas, implicando em maior endividamento da pessoa jurídica e restritividade efetiva às suas tarefas diárias.
Eventual pagamento de forma imediata traria enorme prejuízos não só às suas atividades, como também a todos os seus colaboradores, impondo-lhes restrições sérias, inclusive com o atraso no pagamento de salários e outras verbas trabalhistas. Todas essas limitações em prol de uma única execução. Dezenas de pessoas poderiam ser prejudicadas para a satisfação de uma única pessoa.
Forçoso consignar, que o parcelamento do débito visa privilegiar a preservação da sociedade empresarial, como proteção da atividade econômica e assim, indiretamente, a própria coletividade, quando o devedor se tratar de pessoa jurídica.
Podemos, ainda, interpretar o § 7º do artigo 916 do CPC, como inconstitucional sob a ótica do acesso à jurisdição (art. 5º, XXXV da CF), em especial nos casos em que demonstrada a dificuldade de arcar com o pagamento integral do débito em prejuízo irreversível ao devedor.