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Trabalho infanto-juvenil: proteção e inserção no mercado de trabalho

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3. DOS FATORES “PORTA DE ENTRADA” PARA A EXPLORAÇÃO DO TRABALHO INFANTO-JUVENIL

A “porta de entrada” para a exploração do trabalho infanto-juvenil é motivada por diferentes fatores: uns relacionam diretamente com a situação da família do menor, outros, porém, defendem a existência de motivos externos ao seio familiar.

Em síntese, a pobreza, a falta de perspectivas escolares, a aceitação natural do trabalho do menor pela sociedade e sua família, a demanda por mão de obra barata, são alguns dos fatores de entrada precoce do indivíduo no mercado de trabalho.

Pobreza e perfil familiar – Um dos fatores centrais de estímulo ao trabalho infanto juvenil é a pobreza. Em famílias de baixa renda, há maior chance de as crianças e adolescentes terem que trabalhar para complementar a renda dos pais. O auxílio na renda familiar é mais determinante na entrada no mercado de trabalho para crianças e adolescentes, com o aumento da idade, o consumo próprio passa a ter um peso maior nessa decisão (FUNDAÇÃO TELEFONICA, 2016).

Nestes casos, o trabalho – seja infantil ou infanto-juvenil – vem com o escopo de suprir as deficiências familiares no provimento e acesso ao lazer e aos bens de consumo, sendo clara manifestação da vulnerabilidade social. Ademais, outras características familiares aumentam a propensão ao trabalho infantil, tais como a grande quantidade de filhos e a baixa escolaridade dos pais.

Má qualidade da educação – Ao começar a trabalhar, o adolescente tem seus estudos prejudicados ocorrendo a sua evasão escolar; outro fator favorece o trabalho infanto-juvenil: educação de má qualidade. Se os pais ou as próprias crianças e adolescentes têm a percepção de que a escola não agrega ou que oferece poucas perspectivas de melhoras na condição de vida, aumenta a probabilidade de abandoná-la e ingressarem no mercado de trabalho precocemente. Essa situação é mais nítida no ensino médio, onde a principal causa da evasão escolar é o desinteresse dos adolescentes (FUNDAÇÃO TELEFONICA, 2016).

Em uma sociedade cuja pobreza e desigualdade social são evidentes, preocupa-se não somente a injustiça social, mas também as consequências que essas desigualdades podem acarretar aos indivíduos. Observa-se que crianças nascidas no círculo da pobreza tem maior probabilidade de se tornarem unidades familiares replicadoras dessa mesma pobreza, pois a vulnerabilidade social tende a fazer com que crianças e jovens não frequentem adequadamente a escola e tenham a necessidade de trabalhar para ajudar financeiramente em casa, fazendo com que muitos indivíduos abandonem seus sonhos de ter um futuro melhor e mais humano.

No mesmo giro, destaca-se o “falso mito” que a sociedade pregou ao dizer que é muito melhor que uma criança ou adolescente esteja trabalhando para ajudar na renda familiar do que ter que roubar ou se prostituir para sobreviver. Porém, esse pensamento é arcaico e ultrajante, já que o trabalho precoce obriga aquele menor a viver uma realidade dura e cruel desde cedo a eles imposta.

Os diversos tipos de trabalho que crianças e adolescentes desenvolvem não as educam, ao contrário, atrapalham o crescimento e a realização como ser social, além de colocarem suas vidas em risco, cuja renda auferida, geralmente, é muito abaixo do que se espera para manutenção de uma vida digna, fato que as levam a viver na miséria e opressão.

Naturalização – O modo como a sociedade enxerga o trabalho infanto-juvenil também influencia a decisão sobre entrar no mercado de trabalho; em locais onde o trabalho precoce é mal visto, famílias são desestimuladas a colocarem os filhos a trabalhar. Quando o trabalho de crianças e adolescentes são vistos como algo natural ou até mesmo positivo, não há essa barreira durante a tomada de decisão. A construção desse modo de pensar tem raízes também na desigualdade social brasileira, cuja origem advém do passado colonial escravocrata (FUNDAÇÃO TELEFONICA, 2016).

O trabalho doméstico dentro de suas próprias residências é a forma mais comum de trabalho infanto-juvenil. Nesses ambientes, as crianças e adolescentes são responsáveis por todo e qualquer tipo de limpeza doméstica e, na grande maioria dos casos, são encarregadas de cuidar de seus irmãos menores e de cozinhar.

Trabalho para a própria família – Para diminuir ou cortar gastos com a contratação de funcionários, crianças e adolescentes podem ser levados a realizar trabalhos domésticos em suas próprias casas. Assim, os pais podem realocar seu tempo desenvolvendo outras atividades. É notório o emprego dos próprios filhos em suas empresas familiares e propriedades rurais (FUNDAÇÃO TELEFONICA, 2016).

Vale mencionar que o trabalho doméstico no contexto da infância e adolescência não pode ser confundido com o fato de uma criança ajudar nas tarefas de casa ou de um jovem ajudar seus pais no comercio da família. A diferença reside na responsabilidade e sobrecarga que aquele menor possui na realização dos afazeres que lhe foram atribuídos.

Trabalho para terceiros – O trabalho infantil e infanto-juvenil também pode ser encontrado em empresas não familiares e há diversos motivos que podem levar a isso. A mão de obra de crianças é mais barata, mais administrável (por ser mais difícil que as crianças reclamem pelos seus direitos), não têm consciência dos perigos da atividade e realizam trabalhos que adultos teriam mais restrições. Situações de escassez de mão de obra (como períodos de colheita) podem levar à contratação de crianças. A informalidade do mercado é um fator importante nesse contexto de demanda de trabalho infantil. Quando a economia é formal, o trabalho de crianças e adolescentes tende a diminuir já que as empresas devem cumprir os requisitos legais de contratação e estão sujeitas a fiscalizações e sanções (FUNDAÇÃO TELEFONICA, 2016).

Entende-se que os principais motivos que desencadeiam a exploração do trabalho infanto-juvenil são: a) a má-distribuição de rendas no país; b) a falta de um programa social efetivo para o menor; c) a falta de uma legislação mais adaptada à realidade social brasileira, que facilite a contratação desses menores pelo mercado de trabalho.

Cabe informar, ainda, que não há um consenso entre os estudiosos sobre o peso que possuem os motivos que ensejam a escolha da família ou da própria criança ou adolescente no trabalho precoce. Isso porque cada realidade e contexto social têm suas próprias peculiaridades. Assim, um mesmo fator que levou um indivíduo tão jovem ao mercado de trabalho pode não ser um motivo tão relevante para outro indivíduo, que também teve suas razões particulares.


4. DA PROBLEMATICA DA MÁ DISTRIBUIÇÃO DE RENDA

Com efeito, acredita-se que a causa norteadora do problema de exploração do trabalho infantil é má distribuição de renda no país. Se o obreiro fosse realmente digno do seu salário, isto é, se o trabalho fosse mais valorizado no Brasil, a condição econômica do trabalhador, e consequentemente de sua família, seria outra, já que não haveria necessidade que o menor de idade trabalhasse para ajudar nas despesas de sua casa.

No Brasil, especialmente em municípios menores, há realidades em que todos os membros da família têm que trabalhar para garantir a sobrevivência, e, isso inclui o pai, a mãe, os filhos adolescentes, e muitas vezes, até as crianças. Tal situação advém da desvalorização do trabalho, bem como da concentração de riquezas (capital) nas mãos de poucos.

Assim, quando há trabalho disponível para todos os membros da família, é motivo de regozijo. Cerca de 80 % dos pais desses menores que trabalham nas regiões de cana-de-açúcar e sisal no nordeste afirmaram, em recente pesquisa publicada pela Folha de São Paulo, que concordam e querem esse tipo de trabalho para seus filhos, pois só assim a sobrevivência da sua família é garantida (MARQUES,1997).

 A propósito, o artigo do colunista também da Folha de São Paulo (Josias de Souza), sob o título, “NeoEscorchavam", afirma que “algo ainda aproxima o Brasil de 1997, daquela sociedade primitiva, recém-liberta da condição colonial. Há entre nós um novo tipo de escravo: o escravo da miséria. Pessoas que são submetidas a padrões de vida degradantes, ‘vendem’, sua mão-de-obra e a de seus filhos, a preços aviltantes" (MARQUES, 1997).

Correlatos a este fator, presencia-se, atualmente, uma crescente massa de desempregados que não conseguem retornar ao mercado de trabalho. Tal situação afeta diretamente a vida de suas famílias, acarretando, muitas vezes, na exploração do trabalho de seus filhos menores por questões de sobrevivência (MARQUES, 1997).

Verifica-se, pois, que falta justiça social na distribuição de riquezas. O sistema trabalhista patronal é iníquo e perverso e, decididamente, não há vontade política na concretização da equidade social de uma sociedade mais justa, existindo muita demagogia e pouca ação efetiva.


5. DAS POLITICAS PARA INTRODUÇÃO DO JOVEM INFANTO-JUVENIL NO MERCADO DE TRABALHO

Investigações sobre a juventude dão margem para um enorme leque de abordagens, pois essa é a fase de maior transformação na vida de um indivíduo, as quais são decisivas para a qualidade de sua vida adulta. Quando o tema é adolescência, a primeira ideia que surge diz respeito a rebeldia, a ausência de compromisso, a indignação, questionamentos (fundamentados ou não), protestos, vigor, alegria, hormônios sexuais, descobertas, “drogas”, consumo, vestibular, trabalho, manifestações culturais, políticas, crise, dentre outras.

Poder-se-ia gastar inúmeras linhas descrevendo características inerentes nesta etapa do desenvolvimento humano, pois são inúmeras as transformações biológicas, psicológicas e sociais nessa fase da vida. De modo geral, é neste período, que o adolescente possui duas grandes tarefas: “1) construir a sua identidade e 2) construir o seu projeto de vida. Realizar essas tarefas é um caminho cheio de desafios, no fim do qual, o adolescente termina sua transição entre a infância e a idade adulta” (COSTA, 1994, p.20).

Para a Organização Mundial de Saúde, a adolescência é uma fase em que ocorre o desenvolvimento biológico da infância até o amadurecimento sexual reprodutivo, assim como o desenvolvimento dos padrões cognitivos e emocionais da infância até a idade adulta, respeitada as particularidades culturais e sociais de cada indivíduo, e o desenvolvimento socioeconômico da pessoa em direção a sua relativa independência material e financeira, no interior da organização econômica de seu grupo (OMS apud LEVISKY, 2001).

 Nesse contexto de transição, é importante enfatizar o terceiro item supramencionado, qual seja, a independência econômica. O caminho do desenvolvimento socioeconômico da cultura pátria é marcado pela transição da escola para o mundo do trabalho. Contudo, percebe-se que o país carece de uma política nacional que universalize e equalize as iniciativas de acesso ao ensino de forma que se favoreça o surgimento digno de oportunidades de empregos a jovens, evitando, assim, a exploração indevida de seu trabalho (COSTA, 1994).

Assim, a inserção do adolescente no mundo do trabalho tem fomentado discussões complexas, pois as constantes transformações na economia global têm exigido profissionais qualificados e atualizados, conhecedores das novidades tecnológicas, com competências técnicas e grande conhecimento em suas áreas de aptidão, exigindo-se, para tanto, investimentos financeiros na sua formação.

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Porém, estas transformações econômicas segregam pequenas economias, e, em países em desenvolvimento como o Brasil, evidencia-se que a formação profissional está elitizada, submetendo jovens de classes populares a condições degradantes de trabalho. Questiona-se, desta forma, quais seriam as alternativas para que jovens vulneráveis a partir de 16 anos de idade se insiram no mercado de trabalho.

Nesse sentido, alguns trabalhos comunitários apontam que, para manter crianças, adolescentes e jovens afastados da criminalidade, faz-se necessário proporcionar-lhes acesso a emprego, acompanhamento social e psicológico, assim como atividades de esporte e lazer e boa escolarização (MARQUES, 1997).

Logo, discussões acerca de políticas voltadas para a inserção do adolescente no mercado de trabalho são imprescindíveis e urgentes, ou, esta fatia da população brasileira continuará desamparada, repetindo a trajetória de seus pais e perpetuando o ciclo de exclusão social. Em verdade, os governos, com raras exceções, pouco têm agido em ações de institucionalização de programas sociais nesse sentido (MARQUES, 1997).

Acredita-se que, com determinação e vontade política, são soluções para o problema a criação de programas que estabelecessem condições necessárias à preparação e a capacitação de menores para o exercício de atividades remuneradas, bem como a instituição de bolsas vinculadas a matrícula e frequência escolar aos menores de 12 anos, e, implantação de mais creches e barracões comunitários.

Com relação ao programa de preparação e capacitação do menor para a atividade produtiva, já existem algumas medidas nesse sentido no atual direito positivo brasileiro, quais sejam, a aprendizagem com vínculo empregatício (Sistema SENAI e SENAC) e sem vínculo empregatício (Lei n. 6.494/77 e Lei n. 8.069/90) (BRASIL, 1943; BRASIL 1990).

Quanto a aprendizagem com vínculo empregatício (CLT, arts. 428-433), considera-se que a aprendizagem deveria ser estendida a todos os ramos de trabalho que assim o exigisse e não apenas direcionada a indústria e ao comércio como é hoje. Por sua vez, a tarefa de ministrar essa aprendizagem deveria ser estendida, também, às escolas técnicas oficiais, aos Sindicatos de trabalhadores e às próprias empresas, desde que supervisionados, e não somente às classes patronais (SENAI e SENAC), como se faz atualmente.

As entidades patronais, por mais louváveis que sejam, não têm capacidade de atender a um grande número de aprendizes e existem apenas em cidades maiores. Ressalte-se que os Estados Unidos entregaram às Organizações Sindicais de empregados a preparação da mão-de-obra que controla os aprendizes, fato que desencorajou os empregadores a utilizá-los no trabalho produtivo. (MARQUES,1997).

Quanto à proposição de complementação do ensino e de aprendizagem aos alunos regularmente matriculados e que venham frequentando efetivamente as escolas, cursos vinculados a estrutura do ensino público e particular só ocorrem, hoje, nos níveis superior, profissionalizante de 9º grau e supletivo, como disposto na Lei n. 6.494/77. Tal situação alcança apenas um número muito pequeno de pessoas e em faixa etária mais elevada, não podendo, por conseguinte, ser considerado um programa social para todos (MARQUES,1997).

Já no que se refere ao sistema de pré-aprendizagem, previsto na Lei 8.069/90, convém ressaltar que a OIT expressou os seguintes dizeres: “nem todo tipo de atividade deve ser vetado as crianças pela legislação nacional, nem pelos padrões da OIT. Não se deve considerar indesejável, normalmente, o trabalho no próprio círculo familiar”. O que os instrumentos da OIT proíbem é a imposição às crianças de uma ocupação que supere seus recursos físicos e mentais ou que interfira no seu desenvolvimento educacional (OIT, 1992 apud MARQUES, 1997, p. 78).

Atendido o fim dos instrumentos da OIT e da Lei 8.069/90, pode-se considerar perfeitamente possível o trabalho educativo exercido aos maiores de 12 e menores de 14 anos, observando-se as seguintes diretrizes: a) sem caracterização de vínculo empregatício; b) prevalência do aspecto educativo sobre o produtivo (§ 1º, art. 68, da Lei 8.069/90); c) integração do trabalho educativo a um programa social executado sob a responsabilidade de entidades governamentais ou não governamentais, sem fins lucrativos, devendo esta estar registrada no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, o qual dará ciência ao Conselho Tutelar e à autoridade judiciária competente (art. 91, Lei 8.069/90); d) fiscalização pelo Judiciário, pelos Ministérios Públicos e pelos Conselhos Tutelares; e) participação do menor no programa diretamente pela entidade não governamental, ou, encaminhamento do menor às empresas ou entidades de direito público para estágio supervisionado (art. 90, II, Lei n. 8.069/90); f) jornada máxima de quatro horas diárias, sem prejudicar o comparecimento regular do menor à escola; g) remuneração do menor bolsista, nunca inferior a meio salário mínimo; h) respeito às normas especiais de proteção ao trabalho do menor (proibição de trabalho noturno, perigoso, insalubre, penoso e prejudicial a sua formação); i) seguro de vida e de acidentes pessoais (MARQUES, 1997, p. 78).

Nesta mesma visão, existe hoje os SIT (Serviço de Iniciação ao Trabalho), mantidos pelos governos municipais em convênio com entidades filantrópicas e fundações com subsídios de outras esferas governamentais, em grande parte dos municípios do Estado de São Paulo, onde são oferecidos cursos profissionalizantes aos menores, como datilografia, cabeleireiro, auxiliar de escritório, corte e costura pintura em tecido, horticultura, torneiro mecânico, artesanato, marcenaria, tricô, tapeçaria, bordado, técnico calçadista e outros (MARQUES, 1997, p. 79).

Logo, o engajamento dos governos federal, estadual e, principalmente, municipal é essencial para que tais programas sejam efetivados. Frise-se, ainda, que há regiões extremamente pobres no país, em que apenas programas governamentais de inclusão de jovens e adolescente será eficaz para resgatar os menores do trabalho proibido em condições de exploração, preservando-lhes nos bancos escolares.

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Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CUNEGUNDE, Juvercina Lina Pereira. Trabalho infanto-juvenil: proteção e inserção no mercado de trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6224, 16 jul. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/83710. Acesso em: 25 abr. 2024.

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