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Trabalho infanto-juvenil: proteção e inserção no mercado de trabalho

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6. DA NECESSIDADE DE LEGISLAÇÃO ADEQUADA PARA INCLUSÃO DO INFANTO-JUVENIL NO MERCADO DE TRABALHO

A educação infantil e infanto-juvenil é direito constitucional de todas as crianças e adolescentes que vivem no Brasil. A Emenda Constitucional nº 59/2009 alterou os incisos I e VII do artigo 208 da Constituição, determinando a obrigatoriedade da educação básica dos 4 aos 17 anos de idade. Consequentemente, a matrícula tornou-se obrigatória a partir da pré-escola, sendo o acesso à creche um direito de todas as crianças de 0 a 3 anos e dever do poder público a ampliação de sua oferta gradativamente (BRASIL, 2009).

Os novos marcos legais, políticos e pedagógicos da educação infantil, a mudança da concepção de deficiência, a consolidação do direito da pessoa com deficiência à educação e a redefinição da educação especial, em consonância com os preceitos da educação inclusiva, constituíram-se nos principais fatores que impulsionaram importantes transformações nas práticas pedagógicas. Assim, considerando que a educação infantil é a porta de entrada da educação básica, seu desenvolvimento inclusivo tornou-se o alicerce dos sistemas de ensino para todos (SANTOS, 2016).

Desta maneira, a existência de uma legislação mais adequada, que envolvesse a realidade social regional, facilitaria a contratação desses menores pelo mercado de trabalho, pois, se por um lado, os empregadores não cumprem a legislação vigente com relação aos menores, por outro, também é verdade, que os encargos sociais, são muito elevados.

Basta atentar-se ao grande número dos famosos “guarda-mirins”, espalhados em quase todas as cidades brasileiras, trabalhando em situação irregular (com aparência de legalidade). Indaga-se, assim, o motivo de não se estabelecer, por exemplo, um salário diferenciado para o menor que ingressa no mercado de trabalho? Por exemplo, meio salário mínimo aos maiores de 14 anos e menores de 16 anos de idade, e 75 % do salário mínimo aos que possuem entre 16 a 18 anos de idade. Isto facilitaria a contratação de menores (normalmente, sem experiência profissional) fora dos grandes centros urbanos (MARQUES, 1997).

Não se pode esquecer, porém, das demais garantias e direitos ao menor previstas em lei. Além disso, é importante que seja estabelecido um limite máximo para a contratação de menores, utilizando-se como base a relação do número total de empregados na empresa (MARQUES,1997, p. 79).

Como estabelecido no Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8.069/1990, em seu Artigo 4º, caput, é dever da família, da comunidade, da sociedade e do poder público, assegurar, com absoluta prioridade, o direito à profissionalização (BRASIL, 1990).

Embora este assunto gere amplas discussões, já que ao tempo em que adolescentes podem ser alvo de abusos no ambiente de trabalho, é de grande relevância que jovens entre os quatorze e dezoito anos, diante da presente conjuntura, comecem a vivenciar, capacitar-se e assimilar, de maneira gradativa e não danosa, como é a vida cotidiana no trabalho.

Assim, a fim de  salvaguardar o direito do adolescente, o trabalho aos maiores de 14 anos e menores de 16 anos são tratados no “Estatuto da Criança e do Adolescente” (Lei 8.069 de 1.990), em seu capítulo V, do “Direito à profissionalização e à Proteção no Trabalho” , bem como na “Consolidação das Leis Trabalhistas” (Decreto-Lei nº 5.452 de 1.943), em seu capítulo IV, “Da Proteção do Trabalho do Menor”.

Mas, essa temática é tratada na própria Constituição Federal de 1988, em seu Artigo 7º, inciso XXXIII, em que se proíbe, expressamente, aos menores de dezesseis anos, a realização de qualquer trabalho, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos, bem como proibição aos menores de dezoito anos de qualquer trabalho noturno, perigoso ou insalubre (BRASIL, 1988). Sendo assim, constitucionalmente permite-se que a partir de 14 anos o indivíduo comece a laborar, mas sob a condição de aprendiz, ideia esta que fora reforçada pela CLT (Dec. 5.452/43) em seu art. 403 (BRASIL, 1943).

A função de Aprendiz é estabelecida por meio de um contrato especial, ajustado por escrito e por prazo determinado (pelo máximo de dois anos), no qual o empregador se compromete a assegurar ao maior de quatorze e menor de vinte e quatro anos, devidamente inscrito em programa de aprendizagem, formação técnico-profissional metódica compatível com o desenvolvimento físico, moral e psicológico. O aprendiz, por sua vez, se obriga a executar, com zelo e diligência, o que for necessário ao cumprimento de sua tarefa.

A validade da função de aprendiz está condicionada a existência da assinatura da Carteira de Trabalho e Previdência Social do menor como aprendiz, o qual deve, ainda, estar devidamente matriculado e ser assíduo à escola (no caso de ainda não ter finalizado o Ensino Médio), bem como estar inscrito em programa de aprendizagem sob a orientação de entidade qualificada em formação técnico-profissional metódica, conforme disposto no art. 428 caput, §§ 1º e 3º da CLT. (BRASIL, 1943).

Sendo esta a única forma de o jovem exercer sua atividade profissional, o art. 62 do ECA estabelece como aprendizagem “a formação técnico-profissional ministrada segundo as diretrizes e bases da legislação de educação em vigor”, complementado pelo § 4º, do art. 428, da CLT, ao estabelecer que entende-se por formação técnico-profissional “atividades teóricas e práticas, metodicamente organizadas em tarefas de complexidade progressiva desenvolvidas no ambiente de trabalho” (BRASIL, 1990; BRASIL, 1943).

Tal formação trazida pelo ECA deve obedecer ao acesso e à frequência obrigatória do ensino regular, devendo a atividade profissional estar compatível com o desenvolvimento do aprendiz e com o horário especial para a realização das atividades, conforme disposto no art. 63 do ECA (BRASIL, 1990).

A frequência escolar do aprendiz foi considerada como requisito imprescindível pelo legislador para que o menor pudesse exercer atividade remunerada. Tanto que o art. 433, inciso III da CLT, traz como motivo de extinção do contrato a ausência injustificada à escola que implique em perda do ano letivo.

Importante anotar, ainda, que pelo art. 427, caput, da CLT, o empregador é obrigado a conceder o tempo necessário para que o aprendiz frequente as aulas, devendo a empresa dispor de local apropriado para que seja ministrada instrução primária nos casos em que a escola esteja a uma distância maior que dois quilômetros, bem como o empregador tenha, em seu quadro de funcionários, mais de 30 menores analfabetos, é o que dispôs o parágrafo único do mesmo art. (BRASIL, 1943).

Ademais, a CLT traz especial proteção aos trabalhadores menores de 18 anos de idade ao obrigar o empregador a seguir regras consoante os bons costumes e a decência pública, bem como de higiene, saúde e segurança do trabalho. Essa obrigação está disposta no art. 425 do referido diploma legal (LORENZETTI, 2016).


7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

É evidente que o processo de concretização dos direitos fundamentais de crianças e adolescentes no Brasil precisa superar práticas históricas de disciplinamento, correção e opressão praticadas através do trabalho infantil.

A Constituição da República Federativa do Brasil, bem como o Estatuto da Criança e do Adolescente, trouxeram a oportunidade de reconhecimento da criança como pessoa em condição peculiar de desenvolvimento. Além disso, estabeleceram limites de idade mínima para que o menor de idade exerça atividade remunerada no mercado de trabalho, bem como as regras e condições a serem seguidas pelo empregado e empregador para que tais trabalhos sejam considerados lícitos.

Isso porque a incorporação dos instrumentos de proteção contra a exploração do trabalho infantil tende a oferecer mudanças consideráveis, produzindo uma nova cultura de eliminação do trabalho precoce, e, consequentemente, de proteção aos direitos humanos dos pequeninos no Brasil. Contudo, ainda se faz necessária a participação popular na fiscalização, execução e controle das políticas públicas de proteção ao trabalho do menor de idade que já estabelecidas em diversas normas no Brasil, a fim de se efetivar os direitos das crianças e adolescentes.

 Vale dizer, porém, que a percepção da importância dos espaços de participação da sociedade civil e da comunidade nessa temática ainda é precária, pois a maioria das decisões são extremamente centralizadas ou submetidas ao controle burocrático e clientelístico dos representantes governamentais.

Do mesmo modo, o sistema de justiça, através dos representantes do Poder Judiciário, muitas vezes, tendem a não valorizar o espaços de democracia participativa como centro estratégico de decisões sobre políticas públicas para a infância, fortalecendo o modelo antigo no qual as políticas frequentemente são judicializadas, um modelo que falta efetividade dos direitos fundamentais.

Faz-se necessário, assim, aprofundar os estudos sobre a relevância da participação da sociedade na erradicação do trabalho infantil como forma de garantir o pleno exercício dos direitos fundamentais de crianças e adolescentes, buscando a formação de uma sociedade menos injusta e desigual.

Ademais, admite-se que o menor precisa ser preparado para o trabalho remunerado, sendo introduzido gradativamente no mercado através de políticas que garantam o seu crescimento como ser social, isto é, garantam que esses menores continuem estudando e se profissionalizando.

E, isto somente será possível através de medidas exequíveis de curto prazo. Do contrário, indaga-se: “qual será a ‘carreira’ de um menor marginalizado pelo Estado e pela sociedade?”. Em resposta, acredita-se que não seja um futuro muito promissor, pois as pequeninas criaturas que na infância sofreram as mais duras penas da vida, no futuro, quando adultas, sofrerão as penas da lei.


REFERÊNCIAS

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CUNEGUNDE, Juvercina Lina Pereira. Trabalho infanto-juvenil: proteção e inserção no mercado de trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6224, 16 jul. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/83710. Acesso em: 10 mai. 2024.

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