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Algumas anotações sobre o recurso ordinário em matéria processual penal

08/07/2020 às 18:20
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O recurso ordinário constitucional é via ordinária de impugnação e o seu efeito devolutivo é o mais amplo possível. Ali se discute matéria de direito e matéria de fato. Entenda como vem se dando seu processamento no STF e STJ.

I – O RECURSO ORDINÁRIO NO STF E NO STJ

No Supremo Tribunal Federal cabe recurso ordinário, a teor do artigo 102, II, da Constituição Federal, de decisões denegatórias de habeas corpus proferidas por tribunais superiores, como, por exemplo, o Superior Tribunal de Justiça, em única instância.

O recurso ordinário constitucional é via ordinária de impugnação e o seu efeito devolutivo é o mais amplo possível. Ali se discute matéria de direito e matéria de fato.

O Supremo Tribunal Federal ainda reconhece o ajuizamento de recurso ordinário com relação a crimes políticos, a teor da Lei 7.170/83, ainda vigente.  A competência em primeira instância é da Justiça Federal (artigo 109, IV, da CF).

Por outro lado, tem-se no artigo 105, II, do CF, que confere competência ao STJ:

I -  julgar, em recurso ordinário:

a)  os habeas corpus decididos em única ou última instância pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão for denegatória;

b)  os mandados de segurança decididos em única instância pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando denegatória a decisão;

c)  as causas em que forem partes Estado estrangeiro ou organismo internacional, de um lado, e, do outro, Município ou pessoa residente ou domiciliada no País;

O prazo para a interposição de ROC em HC é de 5 dias (art. 30 da Lei 8.039/90). Se o ROC for em MS, o prazo é de 15 dias (art. 33 da Lei 8.038/90). O recorrido também tem 15 dias, mas para oferecer contrarrazões (art. 1028, § 2º, do CPC). Entretanto, se o MS for em matéria criminal, e de competência do STF, há o enunciado n. 319 da Súmula da Corte. Alguns autores sustentam que ele continua válido.

Por sua vez, o processamento do recurso ordinário em habeas corpus ao STJ é regido pelos artigos 30 a 32 da Lei nº 8.038/90, com as normas complementares inseridas nos artigos 244 e 246 do RISTJ. Já se entendeu, outrossim, que o recurso não seria conhecido se interposto fora do prazo estabelecido no artigo 586 do CPP (JSTJ 3/259).

Como a Constituição é expressa a respeito, referindo-se apenas às decisões em “única instância”, não cabe recurso ordinário ao STF da decisão do STJ que julgar tais remédios denegados por Tribunais estaduais ou regionais.

Já se entendeu que cabe o recurso ordinário ao STJ tanto da decisão do tribunal da segunda instância que nega a ordem quanto aquela que não conhece do pedido. O não conhecimento equipara-se à denegação (JSTJ 13/153).

Com base no mesmo argumento que inspirou a Constituição anterior, a Constituição de 1988 mantém a impossibilidade de substituição do recurso ordinário constitucional por pedido originário de habeas corpus. Tal vedação se explica na distinção da ordem no caso do juiz de primeiro grau, o que leva ao não conhecimento do pedido originário (STF: RT 646:330). Também é vedado, pendente o recurso de habeas corpus no STJ, impetrar originalmente o remédio heroico no STF, o que Mirabete (Processo Penal, 1991, pág. 667) considerava aberrante ao princípio hierárquico que preside a ordem judiciário no Brasil e ao regime de sucessividade dos recursos, ínsito no estatuto processual penal do Brasil, mesmo porque a simultaneidade dos recursos pode ensejar a prolação de duas decisões conflitantes por Cortes diversas (STF: RT 648:330). Porém já se entendeu que o impedimento não existe se houve decisão denegatória do recurso ordinário constitucional pelo STJ, pois este tribunal, ao negar provimento ao pedido ou ao recurso tornou-se coato (RT 648:361).


II – O PROBLEMA DA PROCURAÇÃO DO ADVOGADO

A jurisprudência do STF, de longa data, como registrou Mirabete (obra citada), proclama a desnecessidade de procuração para o manejo de um RHC, pois, “se qualquer pessoa pode impetrar habeas corpus em favor de terceiro sem mandato deste, pode-se igualmente sem procuração recorrer da decisão denegatória.

Precedentes do STF (RT 631/389).

O STJ começou a erguer jurisprudência segundo a qual "na instância especial é inexistente recurso interposto por advogado sem procuração nos autos" (Enunciado da Súmula n. 115). No corpo do julgado, o Min. Félix Fischer traz à colação o decidido pela 6ª Turma do STJ no RHC n. 52.995/RJ, assim ementado:

- Incidente no caso o disposto no Enunciado n. 115 da Súmula desta Corte, porquanto ausente dos autos, no momento de interposição do recurso, o instrumento de mandato endereçado ao advogado subscritor da petição de recurso ordinário. Ademais, nos termos da jurisprudência desta Corte, não se admite a posterior regularização da capacidade postulatória, com a juntada tardia aos autos do instrumento de mandato. [...]

Recurso ordinário desprovido" (RHC 52.995/RJ, Sexta Turma, Rel. Min. Ericson Maranho - Des. conv. do TJ/SP, DJe de 3/2/2015).

Há, ainda, na mesma linha, o AgRg no RHC n. 52.916/SP da relatoria do Min. Gurgel de Faria (DJe 3/12/2014) e AgRg no RHC n. 40.896, rel. Min Sebastião Reis Jr. (DJe 27/6/2014).

Antiga jurisprudência do STF, da lavra do Min. Djaci Falcão é contrária a tal posição:

Se qualquer pessoa pode impetrar habeas corpus em favor de terceiro, sem mandado deste, pode-se igualmente sem procuração, recorrer da decisão denegatória. Precedentes do S.T.F RHC n. 66.144 (DJ 20/5/1998 ou na RT 631/389).

Mais recentemente, no RHC n. 121.555/PE (DJe 25/3/2014), debruçando-se sobre o tema, a Min. Rosa Weber, em decisão monocrática, averbou que a posição sufragada pelo STJ, no ponto, contraria a jurisprudência de STF, verbis:

“Embora esse posicionamento seja contrário ao predominante nesta Suprema Corte, que se orienta no sentido de “não se exigir habilitação legal para impetração originária do writ ou para interposição do respectivo recurso ordinário” (HC 86.307/SP, Rel. Carlos Britto, 1ª Turma, DJ 26.5.2006; igualmente: HC 84.719/MG, Min. Marco Aurélio, 1ª Turma, DJ 26.11.2004), a matéria de fundo do recurso foi devidamente analisada pela Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, que, ao fim, concluiu não ser hipótese de concessão de eventual ordem de ofício no habeas corpus[7].

Também o Min. Maurício Corrêa, no AgR-AgR no RE n. 273.762 (DJ 10/10/2001), em decisão monocrática, rechaçou a exigência de procuração para a interposição de RHC, disse:

(...) denegado o "writ" no tribunal de origem, aceita-se a interposição, pelo impetrante - independentemente de habilitação legal ou de representação - de recurso ordinário constitucional (HC nº 73.455, Rezek, DJ de 07.03.97, Segunda Turma; RHC nº 60.421, Moreira Alves, DJ de 22.04.83, Segunda Turma; HC nº 64.116, Sydney Sanches, DJ de 24.10.86, Primeira Turma, dentre outros).


III – O HC COMO SUBSTITUTO DE RECURSO PRÓPRIO

A doutrina entende que o habeas corpus pode ser utilizado contra decisões judicias, e quando interposto contra uma decisão judicial a qual cabe recurso próprio, será tido como sucedâneo do recurso cabível. .

Pode ser utilizado, inclusive, contra sentença penal, na parte que trata da prisão preventiva ou do direito de recorrer em liberdade.

Observo julgamento do STJ na matéria, no HC: 210661 MG 2011/0143185-6, Relator: Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Data de Julgamento: 06/06/2013, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 21/06/2013:  

HABEAS CORPUS. SUCEDÂNEO RECURSAL. INADMISSIBILIDADE. FURTO. ROMPIMENTO DE OBSTÁCULO. QUALIFICADORA CARACTERIZADA. ERESP N. 1079847/SP. 1. O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça não têm mais admitido o habeas corpus como sucedâneo do meio processual adequado, seja o recurso ou a revisão criminal, salvo em situações excepcionais. 2. A quebra do vidro do veículo da vítima, objetivando o furto do bem existente no seu interior, configura a qualificadora prevista no art. 155, § 4º, I, do CP. Jurisprudência consolidada no julgamento dos ERESP n. 1079847/SP, Terceira Seção. 3. Habeas corpus não conhecido. 

Apresentam-se, então, balizamentos para a impetração do habeas corpus como sucedâneo recursal.

A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu que o habeas corpus, quando já tiver sido interposto o recurso próprio contra a mesma decisão judicial, só será examinado se for destinado à tutela direta da liberdade de locomoção ou se contiver pedido diverso do recurso que reflita no direito de ir e vir.

Nas demais hipóteses, o colegiado entendeu que o habeas corpus não deverá ser admitido, e o exame das questões que ele apontava ficará reservado para o julgamento do recurso – ainda que a matéria discutida tenha relação indireta com a liberdade individual.

Dessa forma, a seção não conheceu de habeas corpus no qual a defesa pedia a desclassificação da conduta imputada ao réu, por estar pendente o julgamento de apelação com o mesmo pedido no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP).

O julgamento se deu no HC 482549.

Diante de tais considerações, a conclusão a que chegou o STJ é a seguinte: a interposição do recurso cabível contra o ato impugnado, e a contemporânea impetração de habeas corpus para igual pretensão, somente permitirá o exame do writ se for este destinado à tutela direta da liberdade de locomoção, ou se traduzir pedido diverso em relação ao que é objeto do recurso próprio e que reflita, mediatamente, na liberdade do paciente. Nas demais hipóteses, o habeas corpus não deve ser admitido e o exame das questões idênticas deve ser reservado ao recurso previsto para a hipótese, ainda que a matéria discutida resvale, por via transversa, na liberdade individual.

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Naquele julgamento citado do STJ foi realçado pelo relator:

“Faço lembrar que o recurso de apelação detém efeito devolutivo amplo, cujo âmbito de cognição - horizontal e vertical - permite que o Tribunal ad quem examine, com maior amplitude e profundidade, todo o conjunto fático-probatório colhido durante a instrução criminal e as questões jurídicas subjacentes. Assim, em princípio, a apelação é a via processual adequada para a impugnação de sentença condenatória recorrível, pois é esse o recurso que devolve ao Tribunal o conhecimento amplo de toda a matéria versada nos autos, permitindo a reapreciação de fatos e de provas, com todas as suas nuançes, sem a limitação cognitiva da via mandamental.

Há, outrossim, situação que merece realce: por vezes a apelação, por qualquer motivo, não é conhecida. Em tal caso, há de ser possível a utilização de habeas corpus para sanar eventual constrangimento ilegal advindo da sentença condenatória. Contudo, a utilização do writ, nessa situação, de caráter subsidiário, somente deve ser permitida depois de proferido o juízo negativo de admissibilidade da apelação pelo Tribunal ad quem, visto serem indevidas a subversão do sistema recursal e a avaliação, enquanto não exaurida a prestação jurisdicional pela instância de origem, de tese defensiva na via estreita do habeas corpus.”

Desta forma, na hipótese em que o habeas corpus possuir, além do pedido de tutela direta da liberdade coartada pela sentença, objeto(s) idêntico(s) ao da apelação, somente será admissível o conhecimento do writ, pelo Tribunal de origem, da parte relativa à prisão (isso, claro, se houver insurgência nesse sentido). Caberá ao recurso de apelação, dotado de amplo espectro cognitivo, o exame das outras questões suscitadas pela defesa.

Lembre-se que a cognição do habeas corpus é exauriente, mas seu conteúdo probatório é limitado aos termos do pedido, não substituindo um recurso ordinário, como a apelação, que, além de seu efeito suspensivo, que suspende a execução do julgado, tem amplo efeito de devolver a matéria ao juízo ad quem.


 IV   – O RECURSO ORDINÁRIO NO STF CONTRA DECISÃO MONOCRÁTICA NO STJ QUE NEGA SEGUIMENTO AO HABEAS CORPUS

Não se conhece de recurso ordinário em habeas corpus contra decisão monocrática no sentido da negativa de seguimento a habeas corpus proferida no Superior Tribunal de Justiça (RHC 114737/RN, Rel. Min. Cármen Lúcia, Segunda Turma, DJe 18/4/2013).

Incabível falar em recurso ordinário como substitutivo de agravo regimental (cabível na origem).

Nesses casos, o recurso deve ser extinto por inadequação da via eleita.

Inexistindo pronunciamento colegiado pelo Superior Tribunal de Justiça, não compete ao Supremo Tribunal Federal examinar a questão de direito implicada na impetração.

Nesse sentido, o Agravo Regimental no Recurso Ordinário em Habeas Corpus 179.354/RS.

O não exaurimento da instância antecedente com a não interposição de agravo regimental e, portanto, a ausência da análise da decisão monocrática pelo colegiado, impede o conhecimento como habeas corpus substitutivo, 

Há, pois, uma violação ao princípio da colegialidade.

No mesmo sentido, tem-se:

RHC 114.961/SP, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe 08.8.2013; RHC 115492-EDcl/PE, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe 28.8.2013; e RHC 111.935/DF, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 30.9.2013.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. Algumas anotações sobre o recurso ordinário em matéria processual penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6216, 8 jul. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/83759. Acesso em: 21 nov. 2024.

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