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OMS: mocinha ou vilã?

Falhas na condução da crise sanitária mundial provocada pela pandemia do novo coronavírus - covid-19

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A Organização Mundial de Saúde (OMS) é uma agência internacional especializada em saúde que, ao que parece, deixou bastante a desejar no atual cenário de pandemia.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) é uma agência internacional especializada em saúde, subordinada à Organização das Nações Unidas, fundada em 7 de abril de 1948, nos termos do art. 57 da Carta das Nações Unidas. No Brasil, a Constituição da "Organização Mundial de Saúde” foi aprovada pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo n.º 6, de 14 de fevereiro de 1946. A representação brasileira junto à OMS é realizada pela Missão Permanente do Brasil junto à Organização das Nações Unidas.

Para que possa cumprir seu objetivo de conduzir todos os povos ao nível de saúde mais elevado possível (art. 1), a OMS conta com o apoio de países (Estados Membros) que são representados por, no máximo, três delegados, um dos quais é designado pelo Estado Membro para a Chefia da Delegação. Os delegados são escolhidos entre as pessoas mais qualificadas por sua competência técnica em tudo que se refere à saúde e, de preferência, entre os representantes da administração nacional de saúde do Estado Membro (artigo 11).

A necessidade de escolha de pessoas qualificadas para atuar na Organização Mundial de Saúde tem relação com algumas funções da OMS, dentre as quais: a) auxiliar os Governos, à sua solicitação, a reforçar seus serviços de saúde; b) prestar assistência técnica adequada, e, nos casos de emergência, prestar a ajuda necessária a pedido dos Governos ou mediante sua aceitação; c) estimular e levar avante a ação tendente a suprimir as doenças epidêmicas, endêmicas e outras; d) promover a cooperação entre os grupos científicos e profissionais que contribuem para a melhoria das condições de saúde (art 2).

Cada Estado Parte tem por obrigação avaliar os eventos que ocorrerem dentro de seu território, e notificar a OMS, dentro de 24 horas a contar da avaliação de informações de saúde pública, sobre todos os eventos em seu território que possam se constituir numa emergência de saúde pública de importância internacional, bem como informará sobre as medidas adotadas em resposta a tais eventos. Além disso, qualquer Estado Parte que tiver evidências de um evento de saúde pública inesperado ou incomum, independentemente de sua origem ou fonte, que possa constituir uma emergência de saúde pública de importância internacional, fornecerá todas as informações de saúde pública relevantes à OMS (art. 6° e  7º da Constituição da OMS).

Ao receber informações sobre um evento que possa constituir uma emergência de saúde pública de importância internacional, a OMS oferecerá sua colaboração ao Estado Parte em questão para avaliar o potencial de propagação internacional de doenças, possível interferência com o tráfego internacional, e adequação das medidas de controle. Tais atividades podem incluir a colaboração com outras organizações normativas, bem como a oferta de mobilização de assistência internacional, com o propósito de apoiar as autoridades nacionais na condução e coordenação de avaliações nos locais afetados. Quando solicitado pelo Estado Parte, a OMS fornecerá informações referentes a oferta de assistência internacional.

Da leitura desses artigos da Constituição da Organização Mundial de Saúde, percebe-se que, não apenas a China falhou no envio de informações sobre o novo Coronavírus – Covid-19, como muitos alegam, mas a própria OMS falhou, e permanece falhando, na condução da crise sanitária causada pelo novo vírus.

A criação da Organização Mundial de Saúde foi criada com base na solidariedade entre os povos e visava a promover a cooperação internacional, tal como a Organização das Nações Unidas. Em função da confiança depositada na OMS, falhas na sua gestão podem implicar em graves crises sanitárias a nível mundial, o que não deve ser tolerada pelos Estados Parte.

Apesar disso, analisando-se os procedimentos adotados pela Organização Mundial de Saúde, sob a direção do político e gestor de saúde Tedros Adhanom Ghebreyesus, pode-se observar as seguintes falhas graves na condução da pandemia do Coronavírus – Covid-19: a) demora na declaração da pandemia; b) falta de dados científicos para recomendação de máscaras e sugestão de quarentenas; c) falha na coordenação e promoção da cooperação entre os grupos científicos e profissionais que contribuem para a melhoria das condições de saúde.


DEMORA NA DECLARAÇÃO DA PANDEMIA PELO NOVO CORONAVÍRUS

Como é de conhecimento de todos, a Organização Mundial de Saúde somente declarou pandemia em razão do novo coronavírus – Covid-19, no dia 11 de março, apesar da perceptível gravidade do vírus e do intenso tráfego de pessoas entre a China (possível localização do foco inicial da doença) e resto do mundo.

Para que possamos afirmar que houve demora na declaração de pandemia, tomaremos como exemplo a cronologia dos procedimentos adotados pela OMS durante a pandemia causada pelo Influenzavírus A, subtipo H1N1.

Em 2009, durante a pandemia causada pelo vírus H1N1 - Influenza, a Organização Mundial de Saúde, tinha à frente de seus trabalhos a diretora-geral Margareth Chan e médio keiji Fukuda, diretor-geral adjunto, que antes de entrar na OMS, trabalhou em Unidade de Epidemiologia, Setor de Influenza dos Centros dos EUA para Controle e Prevenção de Doenças.

Naquele ano, a OMS declarou que o H1N1 se tornou um caso de “Emergência de Saúde Pública de Âmbito Internacional” em 25 de abril de 2009, comunicando que os países deveriam acentuar a vigilância em relação à propagação do vírus. Dois dias depois, em 27 de abril de 2009, a mesma organização elevou o nível de alerta pandêmico para 4, significando a verificação de transmissão pessoa a pessoa, com risco de surtos localizados. Logo a seguir, no dia 29 de abril, OMS elevou para 5 o nível de alerta, confirmando que há a transmissão da doença entre pessoas em pelo menos dois países com um risco de pandemia iminente. Por fim, no dia 11 de junho o nível de alerta subiu ao máximo (nível 6) e foi decretada a pandemia, uma vez confirmada sua presença em vários continentes.

No dia da declaração de pandemia pelo H1N1, um total de 27.737casos foram comunicados à OMS por parte de 74 países, com 141 mortes. Assim, em questão de 47 dias, a OMS saiu do nível 4 para 6, visando poupar o maior número de vidas possível.

"Queremos que seja muito bem entendida a mensagem. Se declaramos a fase 6 de pandemia, isso significa que o vírus se estende e que há contágios estáveis em comunidades em países de várias regiões”, afirmou o médico epidemiologista keiji Fukuda.

Além da pandemia H1N1, o mundo passou por sérios riscos com o coronavírus da síndrome respiratória do Oriente Médio - MERS-Cov (2014) e o Síndrome respiratória aguda grave - SARS (2002), ambos extremamente letais, mas nos dois casos não houve o descuido verificado no tratamento dado ao novo Coronavírus.

A pandemia pelo COVID-19, no entanto, seguiu um caminho diferente e tortuoso. Nada parecido com o ocorrido em 2009, quando pode ter havido excesso de zelo pelas vidas humanas.

O novo Coronavirus - Covid-19 chegou ao conhecimento do público em dezembro de 2019, quando o médico chinês Li Wenliang enviou uma mensagem aos seus colegas médicos alertando sobre um vírus com sintomas semelhantes ao da Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS, na sigla em inglês). Dizia ser outro coronavírus mortal. A China ainda não havia comunicado à OMS o seu aparecimento (ou já teria e a OMS escondeu a gravidade?)

Mesmo diante da controvérsia inicial em relação a divulgação do vírus, a OMS não aprofundou em investigações para saber de datas exatas e números de casos. Até hoje, o mundo ainda procura descobrir datas do início de circulação do vírus.

O fato é que o estado de alerta somente foi declarado no dia 30 de janeiro de 2020, quando já havia 7.834 casos confirmados, sendo 7.736 na China. Ao todo, 170 pessoas tinham perdido a vida com o surto na China (ainda os dados não fossem precisos). Além disso, já havia casos em 19 países, com transmissão entre humanos na China, Alemanha, Japão, Vietnã e Estados Unidos da América. 

No dia 10 de fevereiro, dez dias após o reconhecimento do estado de alerta, os dados confirmados já apontavam para 40.235 casos e 909 mortes por coronavírus na China; 319 casos confirmados em outros 24 países, de acordo com a própria OMS, incluindo 135 casos confirmados em um único navio cruzeiro japonês.

Apesar da perceptível aceleração de número de casos e vítimas no início de fevereiro, somente um mês depois da decretação do estado de alerta, quando o número de casos fora da China havia aumentado 13 vezes e o número de países afetados triplicado, a OMS reconheceu crise sanitária gravíssima. Quando foi declarada a pandemia, no dia 11 de março, havia mais de 118 mil casos ao redor do mundo e 4.291 mortes.

Não bastassem esses números de comprovam imprudência, é de conhecimento do público que, já no dia 29 de fevereiro, quase duas semanas antes da declaração da pandemia pelo novo coronavirus, o primeiro-ministro japonês, Shinzō Abe, solicitou a cooperação do público para conter o que chamou de “difícil batalha” contra o surto do novo coronavírus, que a OMS ainda não reconhecia.

Não poderíamos deixar de mencionar, ainda, que, em fevereiro, percebendo o potencial de letalidade e velocidade de contágio, o Ministério de Saúde Pública do Uruguai elaborou e divulgou seu plano nacional de contingência para profissionais de saúde e de monitoramento de portos, fronteiras e aeroportos. O Uruguai não menosprezou os números, tal como fez a atual direção da OMS.

Desse modo, observa-se que houve, no mínimo, imprudência por parte da atual equipe técnica da Organização Mundial de Saúde na condução da crise sanitária mundial, visto que esperaram um número elevado de mortes para tomar atitudes mais sérias quanto ao novo coronavírus.


CONTRAINDICAÇÃO DE USO DE MÁSCARAS NO INÍCIO DA PANDEMIA E RECOMENDAÇÃO DE QUARENTENA.

Cabe à Organização Mundial de Saúde prestar assistência técnica adequada e, nos casos de emergência, prestar a ajuda necessária a Estados Partes que assim solicitem e aceitem, além de estimular ação tendente a suprimir as doenças epidêmicas e outras e promover a cooperação entre os grupos científicos e profissionais que contribuem para a melhoria das condições de saúde. Tendo em vistas suas funções, esperava-se que a OMS fosse um receptáculo de conhecimento e boas condutas.

Ocorre que, sem bases científicas, a Organização Mundial de Saúde, no início da pandemia, informava que as máscaras protetoras não garantiriam proteção e recomendava quarentena como forma de reduzir incidência de casos.

Sabe-se, no entanto, que, até o presente momento a OMS não tem comprovações de que o vírus pode ser transmitido pelo ar e, com a máxima certeza, a indicação de quarentena e não uso de máscara foi amparada em suposições e não em pesquisas científicas. Algo que não se admite que um órgão de tamanha importância mundial.

Depois de um longo período menosprezando o uso de máscara, no dia 06 de junho de 2020, a médica epidemiologista Maria Van Kerkhove, especialista técnica da OMS, informou que os representantes do órgão estariam aconselhando os governos a encorajar o público em geral a usar uma máscara. Até aquele momento, no o posicionamento da OMS era de o uso de máscaras daria uma falsa sensação de segurança e privaria os profissionais médicos de equipamentos de proteção muito necessários. Segundo a organização, a proteção da boca e nariz só fazia sentido para quem cuidasse de enfermos, não sendo recomendado seu uso em massa.

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Com esse comportamento, os representantes da Organização Mundial de Saúde demonstram agir de má-fé. É absurdamente contraditório afirmar que os profissionais de saúde, que trabalham em lugares onde a carga viral é elevada, deveriam se proteger com máscaras e, ao mesmo tempo, afirmar que o uso do equipamento daria uma falsa sensação de segurança a pessoas comuns.

É certo que o uso de máscara pela população em geral poderia provocar falta para profissionais de saúde. Mas por que as máscaras não teriam utilidade para pessoas comuns? Estar com o rosto livre para receber espirros seria mais saudável? Com certeza a máscara sozinha não evitará contaminação, se a população não receber orientação de uso e se não fizer higiene constante das mãos. Mas é certo que o rosto exposto não estará melhor protegido. Países onde a população tem o hábito de usar máscara por higiene ou para filtrar o ar, como Japão e Coreia do Sul, possuem um número menor de contaminados por habitantes proporcionalmente.

Não bastasse essa evidente contradição, reafirma-se que a equipe técnica da OMS ainda não apontou um estudo sobre transmissão do vírus pelo ar passados sete meses desde o início da pandemia.

Do mesmo modo se deu a recomendação de quarentena, sem estar amparados em estudos sobre a transmissão do vírus pelo ar. Algo fundamental para verificar a possibilidade de contaminação dentro de lugares fechados.

De acordo com o art. 1 do Regulamento Sanitário Internacional da Organização Mundial de Saúde, de 23 de maio de 2005, aprovado, no Brasil, pelo Decreto Legislativo nº 395, de 2009, "quarentena" significa a restrição das atividades e/ou o separação de pessoas suspeitas de pessoas que não estão doentes ou de bagagens, contêineres, meios de transporte ou mercadorias suspeitos, de maneira a evitar a possível propagação de infecção ou contaminação.

Como já mencionado, sem que houvesse nenhuma confirmação de que o vírus não seria transmitido pelo ar, os atuais técnicos da OMS recomendaram a restrição de circulação de pessoas, não levando em consideração o risco de haver contaminação dentro de casa, tal como acontece com algumas doenças.

Os números atuais da pandemia começam a provar que a simples quarentena não é um método de evitar mortes, quando o número de contaminados já estiver elevado. Muito pelo contrário, isolamentos feitos na Europa não evitaram que o número de mortos nos países que a adotaram fosse igual ou semelhante ao de países que não adotaram a quarentena, como é o caso da Suécia. Ainda que alguns afirmem que a Suécia tratou o seu povo como gado, o fato é que a Suécia obteve resultado semelhante ao de países que usaram somente quarentena como método profilático.

No dia 04 de julho, a Universidade John Hopkins informava que a Suécia tinha cerca de 5.420 mortos para uma população de mais de 11 milhões de habitantes. Esse percentual de vítimas fatais é semelhante ao de alguns países que fizeram quarentena rigorosa. (lockdown). A título de exemplo, o Reino Unido possuía mais de 44 mil vítimas do covid-19 para uma população de 66 milhões de habitantes. A Espanha contava com mais de 28 mil vítimas para 46 milhões habitantes e a Itália com quase 35 mil vítimas para pouco mais 60 milhões de habitantes.

Também ficou provado que estar em asilos, presídios ou qualquer lugar fechado onde haja um número elevado de pessoas não irá representar segurança, enquanto houver residentes mantendo contato com o mundo exterior.

Recentemente, pesquisadores solicitaram para que a OMS confirme que existe possibilidade a transmissão do vírus pelo ar, especialmente em lugares fechados. Se confirmada a transmissão pelo ar especialmente em lugares fechados, as quarentenas (já recomendas) só teriam tido efeito desejado, se as pessoas tivessem permanecido dentro de casa com máscara ou outros equipamentos de proteção.

Quando lidamos com o meio ambiente e a proteção dos animais, adotamos o princípio da precaução, quando não temos comprovações científicas para amparar tomadas de decisões. Muito mais cautela devemos adotar com relação ao ser homem. Assim, não se mostra aceitável que a OMS não tenha tido acesso, ou não tenha coordenado uma pesquisa sobre transmissão do vírus pelo ar, quando sugeriram quarentenas na Europa.  

Quando os dirigentes da Organização Mundial de Saúde agiram sem o amparo de pesquisas científicas, assumiram o risco de provocar muitas mortes ao redor do mundo. O conhecimento traz consigo maior responsabilidade e esperava-se maior cuidado por parte dos técnicos da OMS.

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Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Josabette Monica Gomes. OMS: mocinha ou vilã?: Falhas na condução da crise sanitária mundial provocada pela pandemia do novo coronavírus - covid-19. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6223, 15 jul. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/83837. Acesso em: 23 nov. 2024.

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