5. CLASSIFICAÇÃO DOS PRECEDENTES JUDICIAIS
Como já amplamente explicitado neste trabalho, o precedente judicial consiste em uma norma geral de aplicação ampla, que se traduz em uma regra ou princípio quando interpretado. Ou seja, uma norma que nasce da interpretação e fundamentação de um caso concreto – ratio decidendi, mas que produz efeitos além daquele processo, devendo ser observado em futuras decisões de lides semelhantes.
Nesta esteira, o precedente judicial mostra-se como fonte de direito, hábil a ser utilizado pelo julgador na fundamentação de sua decisão. Destarte, para entender as diferentes formas de atuação do precedente, necessário atentar-se para sua classificação.
Para isso, nas lições de Michele Taruffo, os precedentes podem ser classificados a partir de sua origem, verificando o tribunal de criação; com também podem ser classificados a partir de sua eficácia, analisando o seu poder de vinculação sobre julgamentos posteriores.[13]
5.1 - Precedentes Verticais e Precedentes Horizontais
Nesta classificação, os precedentes serão analisados a partir de qual degrau do Poder Judiciário este foi emitido, bem como sua capacidade de influenciar as decisões futuras em uma perspectiva vertical e horizontal. (Cramer, 2016, p.113)
Como Precedente Vertical, entende-se aquele proferido pelos tribunais superiores, no caso, pelo STF e pelo STJ. Destarte, em razão da posição assumida por essas cortes no sistema jurisdicional pátrio, suas decisões possuem natural poder de se tornarem precedentes frente às estruturas inferiores do Poder Judiciário.
Desta forma, as instâncias que se encontram no topo do nosso sistema possuem o dever de criarem seus precedentes, visto a previsão de integridade e coesão jurisdicional previsto no artigo 926 do Código de Processo Civil de 2015. Ainda, essa prerrogativa também deve ser atribuída aos demais tribunais nas ações que lhe couberem, vinculando-os internamente e às suas instâncias.
Por conseguinte, emergem os Precedentes Horizontais, entendidos como aqueles que devem ser observados apenas pelo Tribunal que os criou. Desta forma, possuem apenas vinculação interna, respeitando suas diferentes instâncias.
Em resumo, os Tribunais Superiores podem criar precedentes tanto horizontais quanto verticais, ou seja, com vinculação tanto interna quanto aos demais Tribunais. Em contrapartida, os Tribunais de Segunda Instância apenas podem vincular a si próprio, e às suas instâncias inferiores.
Apesar do exposto, esse poder de vinculação não depende apenas da hierarquia judicial. Assim, para exercer vinculação futura, necessário encontrar respaldo no sistema jurídico. Dessa necessidade nasce a separação entre precedentes vinculantes e persuasivos.
5.2 - Precedentes Persuasivos e Precedentes Vinculantes
Neste tópico, analisa-se o precedente quanto à sua força para determinar que outros julgadores acompanhem o entendimento ali firmado. Dessa maneira, os precedentes serão classificados como persuasivos e vinculantes.
Sobre esses reflexos no ordenamento jurídico, de forma geral, assim descreve Câmara (2017, p. 556):
Os precedentes vinculantes, como a própria denominação indica, são de aplicação obrigatória, não podendo o órgão jurisdicional a ele vinculado, em casos nos quais sua eficácia vinculante se produza, deixar de aplicá-lo e decidir de forma contrária, Já os precedentes não vinculantes são meramente argumentativos, e não podem ser ignorados pelos órgãos jurisdicionais, os quais, porém, podem decidir de modo distinto, desde que isto se faça através de um pronunciamento judicial em que se encontre uma fundamentação específica para justificar a não aplicação do precedente.
Portanto, apreende-se como persuasivo (não-vinculante) o precedente que não cria nos demais julgadores um dever de adesão àquele entendimento anteriormente exarado, mas pode ser usado como fonte de direitos para respaldar a argumentação por qualquer uma das partes no processo. [14]
Desta forma, a persuasão corresponde ao efeito mínimo gerado por um precedente. Ou seja, ainda que não obrigue um novo julgador a acompanhar a tese firmada, o precedente persuasivo deve ser enfrentado por uma forte carga de fundamentação, que deixe clara as razões que afastaram sua aplicação.
Ademais, ainda que não tenha sua vinculação respaldada em uma regra – como será explicado mais a frente – os princípios que regem o Processo Civil exigem do magistrado um dever de coesão e integridade em suas decisões frente ao órgão que representa. Portanto, vinculam este quanto ao seu dever de observação, seja para acompanhar ou para afastar a sua aplicação, quando suscitados em uma argumentação, conforme indica artigo 489, §1º, do CPC/15:
Art. 489. São elementos essenciais da sentença:
omissis
§ 1o Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:
omissis
IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;
V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;
VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.
Pelo exposto, os precedentes persuasivos não obrigam o julgador a repetir a tese antes adotada, todavia determina que esta seja debatida na fundamentação da decisão. Já em outro ponto, um passo a frente dos persuasivos estão os precedentes vinculantes, os quais, além do dever de serem observados na construção do entendimento, devem ser acompanhados obrigatoriamente pela decisão. Em outras palavras, Didier entende que:
A norma jurídica geral (tese jurídica, ratio decidendi) estabelecida na fundamentação de determinados decisões judiciais tem o condão de vincular decisões posteriores, obrigando que os órgãos jurisdicionais adotem aquela mesma tese jurídica na sua própria fundamentação. (DidierJr., 2015,p.455)
Todavia, diferente do sistema de common law, no qual os precedentes são percebidos como a principal fonte de direito, no sistema de civil law, a vinculação do precedente origina-se de uma regra positivada. Ou seja, no sistema nacional o precedente só terá efeito vinculante se alguma regra prevista no ordenamento atribuir-lhe esse poder/dever.
Para isto, verifica-se no Código de Processo Civil que os precedentes vinculantes estão concentrados nos incisos do art. 927, conforme se vê:
Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão:
I - as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;
II - os enunciados de súmula vinculante;
III - os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;
IV - os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional;
V - a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.
É obrigatório, portanto, que o julgador acompanhe os precedentes formados na esfera dos incisos previstos no art. 927, do CPC/15, quando enquadrados no caso concreto, sob pena de nulidade da decisão.
Neste ponto se encontra a principal diferença entre os precedentes persuasivos e os vinculantes. No caso dos Persuasivos, o juiz deverá levá-lo em conta para sua decisão, visto a coesão e a integridade das decisões judiciais. Todavia, caso discorde de sua aplicação, poderá afastá-lo mediante uma forte carga argumentativa. Já no caso dos precedentes vinculantes, o juiz não poderá deixar de aplicá-lo apenas a partir de sua convicção. Para tanto, o julgador deverá adotar uma das técnicas de superação ou distinção dos precedentes, o que passa a ser estudado em sequência.
6. A DINÂMICA DOS PRECEDENTES JUDICIAIS
Como até aqui foi defendido, o uso do sistema de precedentes judicias proporciona um sentimento de maior segurança jurídica e isonomia nas decisões jurisdicionais, bem como transmite a sensação de um sistema mais estável, integro e coerente. Todavia, muitos temem que, como consequência, este sistema se torne rígido e imutável, e que a figura do juiz seja reduzida no momento do julgamento. Logo, frente a esses problemas, o próprio Direito criou instrumentos de adequação do precedente à realidade social através da atuação positiva dos magistrados.
Nesta esteira, técnicas de redação, superação e interpretação protegem o sistema de precedentes de um engessamento temporal, proporcionando sua evolução de acordo com as transformações sociais. Através desses métodos, busca-se afastar as desigualdades de tratamento, as injustiças e as arbitrariedades realizadas por julgadores que fogem aos parâmetros meramente legais.
Da mesma forma, os procedimentos adotados permitem a renovação dos precedentes que se encontrarem em vigor, afastando a possibilidade de aplicação de precedentes que não se enquadram ao momento histórico vivido. Para tanto, a existência desse equilíbrio entre segurança jurídica, isonomia de tratamento e transformação do direito, acompanha o dever de um elevado nível de fundamentação nas decisões judiciais, tanto para formação, quanto para manutenção e alteração do precedente.
Como primeiro instrumento de dinamicidade dos precedentes tem-se o distinguishing. Neste, o julgador compara o caso concreto que está analisando com aquele que pretende enquadrar no precedente judicial, para, somente depois, analisar a norma-precedente ali criada. Trata-se, portanto, tanto de procedimento para aplicação do precedente, como também de resultado.
Fala-se em distinguishing quando houver distinção entre o caso concreto (em julgamento) e o paradigma, seja porque não há coincidência entre os fatos fundamentais discutidos e aqueles que serviram de base à ratio decidendi (tese jurídica) constante do precedente, seja porque, a despeito de existir uma aproximação entre eles, alguma peculiaridade no caso em julgamento afasta a aplicação do precedente. (DidierJr., 2015, p.491)
Através do distinguishing, o sistema de precedentes busca resguardar o Princípio da Isonomia, pois diferencia a norma aplicada a partir das dissimilitudes do caso concreto. Ademais, garante ao juiz liberdade na formação de sua convicção, ao passo que o enquadramento será feito por este, assemelhando-se a uma escolha legislativa.
Por conseguinte, realizado o procedimento do distinguishing, e tendo como resultado a distinção entre o caso em análise e o precedente, três são as hipóteses a serem tomadas pelo julgador.
No primeiro caso, não havendo nenhum precedente que se enquadre naquela situação, o caso será inédito (hard case), e deverá ser enfrentado pelo julgador a partir das demais fontes de direito conhecidas. No segundo caso, não havendo o enquadramento perfeito em razão de circunstâncias peculiares, pode o julgador utilizar-se das demais fontes normativas, afastando a aplicação do precedente. Terceiro, se o enquadramento não for perfeito por pequenos detalhes, pode o julgador, através de ampla fundamentação, aplicar o precedente de forma extensiva ao caso concreto.
Portanto, o distinguishing corresponde ao método utilizado para a comparação e interpretação do caso concreto frente ao precedente, ao passo que também corresponde à divergência encontrada.
Logo, uma vez que enquadrado o caso concreto dentro dos fatos que originaram o paradigma, o precedente pode ser aplicado. Todavia, existem casos em que, ainda que perfeita a subsunção do fato ao precedente paradigma, o magistrado não concordará com o entendimento ali firmado. Nesses casos, o precedente deverá ser superado, o que ocorrerá através dos procedimentos de overriding e overruling.