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A dinâmica dos precedentes judiciais e a segurança jurídica

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20/08/2020 às 14:20
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7. INSTRUMENTOS DE SUPERAÇÃO DOS PRECEDENTES – OVERRIDING E OVERRULING

Uma vez que determinado precedente não mais se enquadrar no ordenamento jurídico, este poderá ser superado. Dentre outras razões, a superação faz-se necessária quando determinado precedente for de encontro à regra ou princípio posteriormente acrescentado ao ordenamento jurídico, bem como quando aquela norma-precedente não mais espelhar o momento social vivido.

Importante ressaltar que na superação do procedente não está sendo revisitada a causa que lhe deu origem, ou revendo decisão já atingida pela coisa julgada. O que ocorre é uma inovação jurisdicional quanto a aplicação de uma fonte do direito – norma-precedente - frente à outros casos que se seguirem à reformulação.

Além disso, verifica-se que a superação de um precedente não viola em momento algum o dever de integridade da jurisprudência. Pelo contrário, apenas ressalta a coesão necessária às decisões judiciais, uma vez que sua não aplicação exige amplo esforço argumentativo. Destarte, entende-se a superação como característica inerente ao sistema adotado pelo Novo Código de Processo Civil, determinante para impedir o engessamento judicial.

Isto posto, viu-se neste estudo a existência de duas modalidades de precedentes judiciais no tocante ao seu poder de vinculação: os persuasivos e os vinculantes. Na primeira hipótese, o precedente não obriga o julgador a acompanhar o entendimento ali firmado, podendo este julgar de forma diferente daquela.

Logo, o julgador não precisa de nenhum procedimento especial para superar o precedente persuasivo. Todavia, ainda que não vinculado por lei, o julgador deve investir ampla fundamentação para sua superação, demonstrando por quais motivos vai romper aquele entendimento, em virtude dos deveres de integridade e coesão impostos pelo ordenamento processual.

Já no caso dos precedentes vinculantes, não basta apenas fundamentação para superar a norma-precedente que se impõe. Para tanto, será necessário procedimento específico, com amplo contraditório e participação social, em razão do poder atribuído àquela norma. Emerge, neste diapasão, as duas principais técnicas para superação de força vinculante: o overriding e o overruling.

A primeira técnica de superação conhecida como overriding oportuniza ao julgador a superação parcial do precedente, em virtude de uma alteração legal ou principiológica no ordenamento jurídico, ou mesmo em razão da adaptação do direito à realidade social.

Sobre o overriding aduz Didier (2015, p.507):

Há overriding quando o tribunal apenas limita o âmbito de incidência de um precedente, em função de superveniência de uma regra ou princípio legal. No overriding, portanto, não há superação total do precedente, mas apenas uma superação parcial. É uma espécie de revogação parcial”

Desta forma, o overriding não implica na extinção da norma-precedente superada, mas sim em uma reformulação dos limites desta. Por exemplo, aquele precedente pode ser superado pelo diagnóstico de que não se enquadra a determinado caso. Da mesma forma, ocorre a superação parcial quando apenas parcela de seu texto normativo é reconhecido como inaplicável em uma nova conjuntura legal e social. Em ambos os casos, a consequência é que aquela parcela do precedente superada deixará de vincular decisões futuras, mantendo-se os demais efeitos gerados.

Neste mesmo sentido, o precedente também pode ser reformado totalmente. Ocorre assim o chamado overruling, segunda hipótese de superação de norma-precedente vinculante.

Corresponde, portanto, à técnica através da qual “um precedente perde sua força vinculante e é substituído (overruled) por outro precedente.” (DidierJr., 2015, p. 454).  Desta maneira, aquele precedente perde sua aplicação, deixando de ser paradigma para casos futuros por não ser mais suficiente para solucioná-los mediante transformações sociais, políticas e jurídicas. Desta maneira, a partir da decisão que revogá-lo, surge um novo precedente considerado mais adqueado ao caso concreto.

Essa modalidade de superação do precedente vinculante pode ser observada na cultura de common law de forma expressa ( express overruling) ou tácita ( implied overruling). No primeiro caso, a alteração do precedente ocorre a partir de uma decisão de um Tribunal que, após o exercício do contraditório e da ampla defesa, adote um novo posicionamento acerca de determinado tema sobre o qual já existia um precedente, revogando-o.

Em sua modalidade tácita, o tribunal apenas aceita aplicação de uma nova corrente, sem, contudo, manifestar-se diretamente acerca do precedente já firmado e abandonado naquela decisão. Importante mencionar que essa modalidade não é aceita no Brasil, visto o dever do julgador em enfrentar todas as hipóteses jurídicas suscitadas ao caso. Assim, na hipótese de superação implícita, a decisão deverá ser considerada não fundamentada, nos termos do art. 489, §1º, VI, CPC/15.

Tudo isso se deve em virtude do Princípio da Segurança Jurídica, viés principal do sistema de precedentes judiciais. Por isso, importante mostrar como esse princípio norteia todo o ordenamento jurídico, como também o porquê de sua proteção.


8. O PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA

O novo modelo processual constitucional iniciou no Brasil uma nova fase marcada pela pluralidade de conceitos vagos e princípios com força normativa, hábeis a garantir uma mutabilidade constante do Direito. Por essa razão, aumentou sobre o Poder Judiciário o dever de uma atuação positiva frente aos processos, com ampla fundamentação das decisões proferidas.

Ademais, como já repisado neste estudo, o modernidade trouxe consigo um aumento no número de relações jurídicas e uma proliferação das ações judiciais. Consequentemente, muitas causas repetitivas passaram a ser submetidas aos Tribunais, exigindo desses maior integridade e coesão nas decisões proferidas.

Desponta, para tanto, o sistema de precedentes como meio de gerar segurança jurídica ao judiciário, equilibrando as decisões proferidas sobre casos semelhantes, e, consequentemente, facilitando a compreensão do Direito pela sociedade.

Para tanto, a própria Constituição Federal prevê a Segurança Jurídica em seu art. 5º, XXXVI, através da proteção aos institutos do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada.

Sobre o direito adquirido, este consiste na garantia constitucional pela qual um direito incorpora-se ao patrimônio do seu titular quando preenchidos os requisitos necessários para o seu exercício regular. Desta forma, protege-se o titular do direito de futuras alterações normativas que possam levar à mitigação ou extinção daquele direito.

No que tange ao ato jurídico perfeito, sua importância revela-se pela preservação dos atos e negócios jurídicos praticados em consonância ao ordenamento jurídico vigente no momento de sua concepção.

Por fim, nos termos do art. 502, CPC/15, “denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso”. Assim, corresponde à imutabilidade da norma jurídica individualizada ao caso concreto, garantindo estabilidade para a decisão judicial.

Ademais, além da previsão positivada no art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal de 1988, que garante valor normativo à Segurança Jurídica, esta também deve ser interpretada como valor fundante à aplicação dos precedentes judiciais.  (Cramer, 2016, p.54)

Neste sentido, Ávila (2009) examina a Segurança Jurídica frente a três acepções distintas: fato, valor e norma-princípio. Assim, como fato, busca-se a previsibilidade dos resultados jurídicos decorrentes de seus comportamentos. Como valor, a segurança jurídica salvaguarda o direito como espelho da sociedade. E, por fim, no aspecto norma-princípio, apresenta-se como fonte de direito hábil a direcionar a vontade do legislador e do julgador.

Por todo o exposto, entende-se que três são as vertentes principais dos precedentes judiciais em virtude da segurança jurídica. Primeiro, busca-se a previsibilidade das decisões, pela qual os indivíduos consigam pressupor como o Estado irá analisar seus conflitos, podendo agir em conformidade com os entendimentos já fixados. Desta forma, evita-se a surpresa de decisões diferentes à casos semelhantes.  (Cramer, 2016. P. 14)

Segundo, conexo à previsibilidade, encontra-se a estabilidade das decisões judiciais no sistema de precedentes judiciais. Através do uso dos precedentes como fonte de direitos, busca-se uma hermenêutica comum a diferentes órgãos jurisdicionais frente à casos semelhantes, garantindo integridade e coesão da ordem jurídica.

Por fim, a terceira vertente consubstancia-se na proteção da confiança, através da qual, além da previsibilidade futura da decisão a ser proferida, o agente terá segurança de que a norma que respaldou seu direito será levada em conta independente de nova interpretação.

 Sobre este último aspecto, importante observar a aplicação dos precedentes judiciais no tempo a partir de sua criação, alteração e revogação.


9. A MODULAÇÃO DOS EFEITOS NA SUPERAÇÃO DOS PRECEDENTES

Uma das principais características do sistema de precedentes é sua capacidade de refletir o momento social vivido, fato que impede um engessamento da estrutura judicial. Para tanto, utiliza-se de técnicas de interpretação e aplicação, como o distinguishing, e técnicas de superação, como o overruling e o overriding.

Nesses dois últimos casos o que ocorre é a superação do precedente, seja parcial ou total, no qual a norma ali presente perde seu efeito vinculante. Assim, entende-se que aquela solução dada a um caso concreto – que originou a norma-precedente - deixou de ser satisfativa para o Direito, seja por razões legais ou por razões sociais, políticas e econômicas. Todavia, importante constatação refere-se à eficácia temporal dos efeitos jurídicos gerados pela superação do precedente, o que passa a ser analisado neste momento frente a todo estudo até aqui produzido.

Importante destacar que este assunto consiste em um dos mais complicados na aplicação dos precedentes, em detrimento da falta de “padronização decisória ligada ainda à falta de argumentação detalhada nas decisões que modulam ou não a revogação do precedente.” (DidierJr., 2015, p.503)

Por isso, o objetivo não é encontrar uma solução única e perfeita a ser aplicada a todos os casos, mas sim apresentar de forma dialética os dois principais efeitos aduzidos na doutrina: eficácia retroativa e eficácia prospectiva.

Incialmente, para Cramer (2016, p.153), “em regra, a superação total ou parcial do precedente tem efeitos retroativos, isto é, alcança situações futuras, presentes e passadas”. Condiz, então, o autor, com a regra aplicada no sistema puro de common law, no qual a norma estabelecida no precedente é aplicada à fatos jurídicos que ocorreram antes mesmo da prolação da referida decisão que formou o precedente.

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Isso se deve porque a superação de um precedente indica a incongruência de sua norma frente ao restante do ordenamento. Assim, seja a incoerência de cunho legal ou social, a confiança na ratio decidendi torna-se fragilizada, perdendo sua característica de espelhar a sociedade. Logo, deve-se abandonar a antiga norma, atribuindo aos fatos a nova interpretação formulada.

Ademais, teme-se que a aplicação de efeitos meramente prospectivos fira o Princípio do Acesso ao Judiciário. Isso ocorreria ao passo que, superado um precedente a partir de um caso concreto, à esta mesmo lide não seriam aplicados seus efeitos.

Neste caso, aduz Macêdo (2016, p.312):

Parece que a decisão deve retroagir, ao menos, para aplicar-se ao caso sob julgamento, como reflexo próprio da dinâmica processual: os sujeitos precisam de estímulo para argumentar no sentido da superação dos precedentes. Ademais, o sistema jurídico realmente deve evitar inconsistências, mas algumas incoerências são aceitáveis diante de razões práticas – o que torna suportável o tratamento diferenciado do sujeito que conseguiu a decretação da superação do precedente judicial.

Entretanto, a adoção de uma eficácia retroativa pode ferir sérios pressuposto do direito brasileiro. Tal reflexo ocorreria em virtude do dever do Poder Judiciário de proteger as expectativas legítimas geradas em seus jurisdicionados que se basearam nas normas emitidas pelos Tribunais para escolherem suas condutas frente a um fato ou negócio jurídico.

Afim de elucidar tal posicionamento, importante, primeiramente, relembrar a natureza jurídica atribuída ao precedente. Neste sentido, definiu-se o precedente como uma norma jurídica fonte de direitos, hábil a influenciar o julgador na resolução dos conflitos, bem como aos jurisdicionados em suas relações jurídicas.

Por conseguinte, impõe-se um raciocínio sistemático do ordenamento quando este alude acerca das fontes do direito, aproximando-as, quando necessário, para sua interpretação. Neste sentido, em consonância à Constituição Federal, prevê o art. 6º da Lei de Introdução às normas do direito brasileiro que “a lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada”. Portanto, da mesma forma que uma inovação legislativa, a alteração de um precedente judicial também deve respeitar atos e negócios jurídicos já formalizados.

Ademais, defendeu-se aqui a Segurança Jurídica como princípio basilar para aplicação dos precedentes. Desta forma, a adoção da retroatividade como regra implicaria em uma quebra dos pressupostos de estabilidade e, principalmente, de previsibilidade e de não surpresa, visto que o jurisdicionado perderia o parâmetro para sua conduta, retornando o Judiciário à sua característica de loteria.[15]

Por isso, no processo de ponderação entre a razão que levou à superação do precedente e o Princípio da Segurança Jurídica, o julgador pode alcançar a conclusão de que a superação da norma é necessária para atualização do Direito, mas que, a proteção da confiança do jurisdicionado no momento em que exerceu sua conduta também deve ser juridicamente tutelada (Macêdo, 2016, p.311).

Neste diapasão, mediante a impossibilidade de encontrar uma eficácia temporal única aos efeitos da reforma de precedentes, o próprio Código de Processo Civil de 2015, em seu art. 927, §3º, traz que “na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica”.

Para tanto, Ravi Peixoto enumera os elementos que devem ser levados em consideração no momento de modulação dos efeitos.  Primeiro, o julgador deve atentar-se à possibilidade do novo precedente surpreender o jurisdicionado que tenha agido de boa-fé, confiando na aplicação do precedente que respaldou sua conduta. Segundo, e dever do magistrado em minorar os prejuízos da parte que teve o precedente favorável revogado. Terceiro, deve ser buscado algum direito fundamental que justifique a modulação da eficácia temporal, seja retroativa ou prospectiva. Quarto, e último, a possibilidade de que a moldagem de situação de transição seja feita pelo Poder Legislativo. (Peixoto, 2018)

Nesses termos, ficará a cargo do julgador decidir sobre a aplicação temporal do precedente reformado. Para tanto, no que tange a casos semelhantes em geral, deverá levar em conta a relevância jurídica daquele precedente, a jurisprudência formada em seu entorno, e sua influência sobre as condutadas assumidas na sociedade. Diante disso, poderá modular a aplicação temporal da nova norma-precedente, seja de forma retroativa aos casos concretos já realizados ou se somente alcançará casos futuros.

Já no que tange ao caso sub judice, o julgador deverá considerar o quanto aquele precedente reformado foi determinante para que o jurisdicionado assumisse a posição no litígio. Essa informação será extraída dos autos, a partir do exercício do contraditório, e demandará fundamentação específica do julgador na ponderação das razões da reforma com o princípio da segurança jurídica.

Por fim, como meio de solucionar a problematização em torno da modulação dos efeitos emerge a técnica denominada de signaling, por meio da qual “o tribunal, percebendo a desatualização de um precedente, anuncia que poderá modificá-lo, fazendo com que ele se torne incapaz de servir como base para a confiança dos jurisdicionados.’ (DidierJr., 2015, p.505).

Por meio deste procedimento, o julgador já delimita a modulação temporal dos efeitos para quando aquele precedente vier a ser efetivamente superado. Entende-se que tal técnica encontra-se em perfeita consonância ao ordenamento jurídico brasileiro, ao passo que, inclusive, condiz com os deveres de integridade e coerência atribuída ao judiciário.[16]

Ademais, o uso do signaling pode intensificar os debates na sociedade sobre o precedente que virá a ser revogado, arrecadando argumentos para a manutenção do entendimento ou sua superação. Ademais, podem ser realizadas audiências públicas, com ampla participação, nos termos do art. 927, §2º, do Código de Processo Civil.

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Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CORREA, Matheus Guelber. A dinâmica dos precedentes judiciais e a segurança jurídica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6259, 20 ago. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/84721. Acesso em: 4 nov. 2024.

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Artigo científico apresentado como Trabalho de Conclusão de Curso junto à Universidade Federal de Juiz de Fora.

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