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Gestação por substituição: evolução das resoluções sobre o tema

19/09/2020 às 17:00
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O artigo destaca as mudanças que ocorreram ao longo das resoluções do Conselho Federal de Medicina sobre gestação por substituição, mais conhecida como barriga de aluguel.

INTRODUÇÃO

O presente artigo visa apresentar, de forma cronológica, a evolução das resoluções do Conselho Federal de Medicina acerca do tema Gestação por Substituição, além de mostrar como está o andamento dos projetos de lei sobre o assunto.

RESOLUÇÕES DO CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA

O tema “gestação por substituição” ficou conhecido no Brasil no início da década de 1990. Naquele, foi exibida a telenovela Barriga de Aluguel, pela Rede Globo de Televisão, e dela deu-se a popularização do tema. Vários anúncios de jornal traziam casos de mulheres que estavam “alugando sua barriga” para a experiência, ato, até então, não normatizado, conforme a reportagem “Mineira quer alugar útero por US$ 10 mil”, do Folha de São Paulo[1]. Os juristas, desde a época, já criticavam a falta de regulamentação brasileira, conforme a reportagem citada, como o juiz da 2ª Vara de Família de Belo Horizonte, José Carlos Moreira Diniz, 41 anos à época. Ele afirmou à reportagem que não havia nenhuma lei que tratasse sobre inseminação artificial no Brasil. Ele considerava "atrasada" a legislação. "Nossa lei não acompanha a evolução científica", afirmou. Diniz ainda completou que não poderia afirmar se é certo ou errado alugar o útero. "Mas isso pode ser questionado e a Justiça terá que examinar", disse.

A regulamentação veio, mas por meio do Conselho Federal de Medicina. A resolução nº 1.358/1992, que adotava normas éticas para utilização das técnicas de reprodução assistida, trazia em seu conteúdo norma que regula a gestação de substituição, porém bastante genéricas, conforme vê-se a seguir:

VII - SOBRE A GESTAÇÃO DE SUBSTITUIÇÃO (DOAÇÃO TEMPORÁRIA DO ÚTERO) As Clínicas, Centros ou Serviços de Reprodução Humana podem usar técnicas de RA para criarem a situação identificada como gestação de substituição, desde que exista um problema médico que impeça ou contra-indique a gestação na doadora genética. 1 - As doadoras temporárias do útero devem pertencer à família da doadora genética, num parentesco até o segundo grau, sendo os demais casos sujeitos à autorização do Conselho Regional de Medicina. 2 - A doação temporária do útero não poderá ter caráter lucrativo ou comercial.

A resolução nº 1.358/1992 ditou as regras da gestação de substituição por 18 anos. Em 2010, o Conselho Regional de Medicina editou nova resolução, a de número 1.957. Segundo a ementa, “a Resolução CFM nº 1.358/92, após 18 anos de vigência, recebeu modificações relativas à reprodução assistida, o que gerou a presente resolução, que a substitui in totum”. Porém, em relação à gestação de substituição, nada foi alterado. O mesmo texto da resolução nº 1.358 foi mantido nessa. O regramento só seria alterado, de fato, com a edição, três anos mais tarde, da resolução nº 2.013/13 pelo mesmo Conselho Federal de Medicina.

A resolução de 2013 ampliou o regramento sobre a gestação de substituição. Uma alteração importante em relação às resoluções anteriores é o grau de parentesco entre a gestante de substituição e os autores do projeto parental, que foi aumentado. Antes, exigia-se parentesco de até segundo grau. Nessa resolução, o grau de parentesco é o quarto grau. Outra mudança significativa é a de que agora o parentesco exigido pode ser entre a gestante de substituição e qualquer dos autores do projeto parental. Nas últimas resoluções, a regra geral era o parentesco com a mãe que doaria o material genético. Por fim, a regra do parentesco não mais conta com outra possibilidade senão a do parentesco familiar; antes, os demais casos eram avaliados pelos Conselhos Regionais de Medicina, medida que não cabe mais na resolução de 2013.

           Um ponto em comum a todas as resoluções é a proibição do caráter comercial da gestação de substituição, ou seja, somente a forma altruística é permitida. A Resolução de 2013 seguiu, nesse ponto, um costume consolidado no Brasil, além de entrar em sintonia com as interpretações dos dispositivos constitucionais e civilistas aplicáveis ao tema.

Há, ainda, mais duas novidades: o limite de idade (50 anos) e um parecer médico positivo sobre sua adequação clínica e emocional para atuar como gestante de substituição.

A resolução 2013 passou a vigorar com esse texto:

VII - SOBRE A GESTAÇÃO DE SUBSTITUIÇÃO (DOAÇÃO TEMPORÁRIA DO ÚTERO)

As clínicas, centros ou serviços de reprodução humana podem usar técnicas de RA para criarem a situação identificada como gestação de substituição, desde que exista um problema médico que impeça ou contraindique a gestação na doadora genética ou em caso de união homoafetiva.

1 - As doadoras temporárias do útero devem pertencer à família de um dos parceiros num parentesco consanguíneo até o quarto grau (primeiro grau – mãe; segundo grau – irmã/avó; terceiro grau – tia; quarto grau – prima), em todos os casos respeitada a idade limite de até 50 anos.

2 - A doação temporária do útero não poderá ter caráter lucrativo ou comercial.

3 - Nas clínicas de reprodução os seguintes documentos e observações deverão constar no prontuário do paciente:

- Termo de Consentimento Informado assinado pelos pacientes (pais genéticos) e pela doadora temporária do útero, consignado. Obs.: gestação compartilhada entre homoafetivos onde não existe infertilidade;

- relatório médico com o perfil psicológico, atestando adequação clínica e emocional da doadora temporária do útero;

- descrição pelo médico assistente, pormenorizada e por escrito, dos aspectos médicos envolvendo todas as circunstâncias da aplicação de uma técnica de RA, com dados de caráter biológico, jurídico, ético e econômico, bem como os resultados obtidos naquela unidade de tratamento com a técnica proposta;

- contrato entre os pacientes (pais genéticos) e a doadora temporária do útero (que recebeu o embrião em seu útero e deu à luz), estabelecendo claramente a questão da filiação da criança;

- os aspectos biopsicossociais envolvidos no ciclo gravídico-puerperal;

- os riscos inerentes à maternidade;

- a impossibilidade de interrupção da gravidez após iniciado o processo gestacional, salvo em casos previstos em lei ou autorizados judicialmente;

- a garantia de tratamento e acompanhamento médico, inclusive por equipes multidisciplinares, se necessário, à mãe que doará temporariamente o útero, até o puerpério;

- a garantia do registro civil da criança pelos pacientes (pais genéticos), devendo esta documentação ser providenciada durante a gravidez;

- se a doadora temporária do útero for casada ou viver em união estável, deverá apresentar, por escrito, a aprovação do cônjuge ou companheiro.

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Em 2015, nova resolução é editada, revogando, assim, a resolução nº 2013, de 2013. A resolução nº 2121, de 2015, modificou em alguns pontos a resolução de 2013.

As novidades introduzidas em 2013, quais sejam, o limite de idade (50 anos) e a impossibilidade de não familiares participarem da experiência de gestação de substituição, foram retiradas do texto. Além disso, algumas informações que devem constar no prontuário do paciente foram modificadas e agora contemplam aspectos biopsicossociais, riscos envolvidos no ciclo gravídico-puerperal, e aspectos legais da filiação, este último com um tópico em separado, reforçando a informação. O relatório médico com o perfil psicológico (que atesta adequação clínica e emocional) agora é exigido de todos os envolvidos, não somente pela doadora temporária do útero.

A garantia de tratamento e acompanhamento médico à mãe que doará temporariamente o útero era uma observação que deveria constar no prontuário da paciente, porém, na resolução de 2013, não havia a designação de quem deveria garantir tais tratamentos e acompanhamentos. Na resolução de 2015 veio expresso que tal garantia se dá por parte dos pacientes contratantes de serviços de reprodução assistida.

Em 2017, em novo processo de revisão da resolução sobre reprodução assistida, foi editada a resolução nº 2168. Como mudança, atualizou-se o termo “doação de útero” para “cessão de útero”. Porém, as novidades mais importantes se deram nos pontos 1 e 3.5 da resolução, pois foi estendida a possibilidade de cessão temporária para descendentes, e também pessoas solteiras passam a ter direito de se utilizarem da cessão temporária de útero. O restante das normas seguiu o mesmo entendimento da resolução anterior. Esse é o regulamento vigente atualmente.

O texto atualmente em vigor é esse:

VII - SOBRE A GESTAÇÃO DE SUBSTITUIÇÃO (CESSÃO TEMPORÁRIA DO ÚTERO) 

As clínicas, centros ou serviços de reprodução assistida podem usar técnicas de RA para criarem a situação identificada como gestação de substituição, desde que exista um problema médico que impeça ou contraindique a gestação na doadora genética, em união homoafetiva ou pessoa solteira.

1. A cedente temporária do útero deve pertencer à família deum dos parceiros em parentesco consanguíneo até o quarto grau (primeiro grau - mãe/filha; segundo grau - avó/irmã; terceiro grau tia/sobrinha; quarto grau - prima). Demais casos estão sujeitos à autorização do Conselho Regional de Medicina.

2. A cessão temporária do útero não poderá ter caráter lucrativo ou comercial.

3. Nas clínicas de reprodução assistida, os seguintes documentos e observações deverão constar no prontuário da paciente:

3.1. Termo de consentimento livre e esclarecido assinado pelos pacientes e pela cedente temporária do útero, contemplando aspectos biopsicossociais e riscos envolvidos no ciclo gravídico-puerperal, bem como aspectos legais da filiação;

3.2. Relatório médico com o perfil psicológico, atestando adequação clínica e emocional de todos os envolvidos;

3.3. Termo de Compromisso entre o(s) paciente(s) e a cedente temporária do útero (que receberá o embrião em seu útero), estabelecendo claramente a questão da filiação da criança;

3.4. Compromisso, por parte do(s) paciente(s) contratante(s)de serviços de RA, de tratamento e acompanhamento médico, inclusive por equipes multidisciplinares, se necessário, à mãe que cederá temporariamente o útero, até o puerpério;

3.5. Compromisso do registro civil da criança pelos pacientes (pai, mãe ou pais genéticos), devendo esta documentação ser providenciada durante a gravidez;

3.6. Aprovação do cônjuge ou companheiro, apresentada por escrito, se a cedente temporária do útero for casada ou viver em união estável.

Não há nenhuma lei em sentido estrito que trate do assunto. Há alguns projetos de lei, porém suas tramitações estão em pausa há mais de dez anos.

O projeto de lei mais recente, o de nº 1.184/2003, de autoria do então senador Lúcio Alcântara, possui 27 artigos, encontrando-se, atualmente, na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC). Nele, proíbe-se a prática da gestação por substituição, sem nenhuma exceção, em seu artigo 3º, indo em contramão ao disposto na resolução de 1992.


[1] PEIXOTO, Paulo. Mineira quer alugar útero por US$ 10 mil. Folha de São Paulo, Belo Horizonte, 25 de junho de 1992. Disponível em: < https://acervo.folha.com.br/leitor.do?numero=11735&anchor=4788080&origem=busca&originURL=&pd=fbfc94f807e0ac08f4b235bdd4010661>. Acesso em 26 de ago. de 2020.

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Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CRUZ, Victor Lopes. Gestação por substituição: evolução das resoluções sobre o tema. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6289, 19 set. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/85491. Acesso em: 22 dez. 2024.

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Artigo escrito com base no tema de trabalho de conclusão de curso.

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