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Contrato de trabalho intermitente

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05/03/2023 às 09:00
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4. ANÁLISE DO PRECEDENTE DO PROCESSO Nº TST-RR-10454-06.2018.5.03.0097

Para realizar a análise do precedente do processo sob n.º TST-RR-10454-06.2018.5.03.0097, utilizar-se-á o mnemônico ensinado aos estudantes de direito norte americanos para estruturar seus argumentos jurídicos em discussão, seguindo o acrônico CREAC (conclusão-regra-explicação-aplicação-conclusão) citada por PRITSCH (2018, p. 135).

Segundo Pritsch (2018, p. 135) a análise se inicia com a repetição da conclusão no início e final do argumento com objetivo de:

[...] (1) a antecipar o resultado do raciocínio para que o leitor desde o início tenha em mente o ponto que o argumento pretende demonstrar, facilitando assim a compreensão; (2) permitir que o leitor apressado possa em pouco tempo absorver os principais pontos da peça, verificando as conclusões em cada um dos tópicos, decidindo por ele próprio se necessita ou não aprofundar-se, lendo o corpo de cada argumento; (3) reforçar ao final a conclusão, reunindo os dados que foram debatidos no argumento em um ideia única coesa, aproveitando ainda a persuasivisidade da última ideia lançada, que o leitor manterá por mais tempo em sua memória; (4) pleitear as tutelas pretendidas, amparadas em tal conclusão (se for uma petição), ou exarar determinações (se for uma decisão).

Desta forma, aplicando o exposto por Pritsch, ao TST-RR-10454-06.2018.5.03.0097, relativamente a letra “c” do acrônimo CREAC, ou seja a repetição da conclusão, utilizando-se o modelo por ele apresentado: “SIM, num contexto de A + B + C (fatos necessários), deve-se YYYYY PORQUE (resumo do motivo)”, temos:

Empregado contratado por contrato de trabalho em regime intermitente em companhia aberta de capital autorizado, cujo objeto social inclui comércio varejista e atacadista, em geral; importação e exportação de produtos; o acondicionamento e a embalagem de produtos entre outros) que realizava atividades que se enquadram na atividade permanente e contínua da empresa deve-se considerar o trabalho intermitente independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador, PORQUE o artigo 443 § 3º da CLT excepciona apenas os aeronautas que são abrangidos por legislação própria, não devendo excessos exegéticos restringir o âmbito da aplicação da nova modalidade contratual, uma vez que não foi decretada sua inconstitucionalidade e a restrição de sua aplicação ir de encontro ao princípio da legalidade.

A regra é conceituada por Pritsch (2018, p. 136) como:

[...] conjunto de regras aplicáveis sejam normas legislativas ou administrativas, ou trechos de rationes decidendi de casos, com o mínimo de transcrição e o máximo possível e paráfrase dos trechos relevantes das normas ou casos envolvidos, encaixando tais normas e rationes em um parágrafo harmônico e coerente que diga ao leitor qual é a regra (combinada, sintetizada das várias fontes) que se aplica ao caso atual.

Isto posto, a regra de direito aplicável ao processo em estudo, é a prevista nos artigos 433, § 3º e 452-A da CLT, advindos da Reforma Trabalhista – Lei 13.467/17, que preveem a possibilidade da contratação de empregados na modalidade intermitente, e a sua não aplicação violar o artigo 5º, II da CF, que alberga o princípio da legalidade, e o art. 93, IX, da CF, por negativa da prestação jurisdicional, tendo em vista que o Regional interpretou de forma diversa os artigos da CLT, fazendo restrições inexistentes no texto legal.

A explicação do funcionamento e interação das regras mencionadas é citada por Pritsch (2018, p. 136-137) como:

[...] a interação entre as normas positivadas e os precedentes que as interpretam, apresentar os fatos do precedente (sob uma ótica ou caracterização dos fatos em categorias de assimilação relevantes para posterior comparação com o caso atual) e o raciocínio que a Corte do precedente desenvolveu para a resolução do(s) caso(s), além de apresentar eventuais argumentos empíricos ou metajurídicos, considerações de justiça ou equidade, interesse público, política judiciária etc., tudo isso ainda sem entrelaçar tais argumentos com os fatos do novo caso concreto. Quanto aos argumentos baseados em casos, é comum que em uma a três frases se busque sucintamente elencar relevant factsconclusion – reasoning (fatos relevantes ou necessários – conclusão – motivo), que poderíamos esquematizar com a seguinte formulação: No caso fulano v. beltrano (ou número CNJ + tribunal-órgão-relator-data), ONDE A + B + C (fatos necessários), a corte DECIDIU QUE (conclusão) PORQUE (breve motivação).

Aplicando-se a esquematização proposta por Pritsch acima, temos: No caso Mazagine Luiza versus Marcos Teixeira Olegário, processo TST-RR-10454-06.2018.5.03.0097, da Quarta Turma do Tribunal Superior do Trabalho, de relatoria do Ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho, ONDE o 3º Regional reformou a sentença que havia julgado improcedente a reclamatória, por entender que o contrato intermitente “deve ser feito somente em caráter excepcional, ante a precarização dos direitos do trabalhador, e para atender demanda intermitente em pequenas empresas e que não é cabível ainda a utilização de contrato intermitente para atender posto de trabalho efetivo dentro da empresa”, a corte DECIDIU, por unanimidade, QUE houve violação do artigo 5º, II, da CF, por criar a decisão regional parâmetros e limitações inexistentes na legislação, ou seja, criou regras ao arrepio de norma legal votada e aprovada pelo Congresso Nacional.

Seguindo o mnemônico, temos agora a letra “A” relativa a aplicação do direito debatido ao caso concreto, conceituado por Pritsch (2018, p. 171) como:

[...] onde se coteja o direito explicado com os fatos presentes, verificando a subsunção dos mesmos à hipótese de incidência fática da norma legislada, ou comparando tais fatos aos fatos dos precedentes para verificar sua aplicabilidade ou distinção, ou ainda, tecendo considerações sobre o acerto ou erro das instâncias inferiores no tratamento dos fatos do caso.

O Tribunal Superior do Trabalho (TST) ao analisar o processo entendeu, por unanimidade, a possibilidade da contratação de intermitente, reformando a sentença feita pela Regional no sentido restringir o âmbito da aplicação da nova modalidade contratual, criando parâmetros e limitações além dos impostos pelo legislador, ou seja, malferindo o princípio da legalidade, erigido pelo artigo 5º, II, da CF, o qual é baluarte da segurança jurídica. Menciona inclusive que não se gera precarização, como o referido Regional expôs, por se tratar de uma nova modalidade contratual utilizada no mundo, e introduzida em nosso ordenamento a fim de conferir direitos básicos a uma infinidade de trabalhadores que se encontram na informalidade, combatendo assim o desemprego, estimulando a criação de novos postos de trabalho.

Assim, ficou, então, assentado, o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho que a modalidade de contrato intermitente prevista nos artigos 433, § 3º e 452-A da CLT, pode ser utilizada como modalidade de contratação independentemente do tipo de atividade do empregado ou do empregador, exceto para os aeronautas, regidos por legislação própria e desde que observado o valor do salário hora dos demais trabalhadores não intermitentes na empresa.


CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES

O contrato de trabalho na modalidade intermitente é uma modalidade de contrato já existente em vários países, embora com algumas características próprias, como a delimitação de remuneração mínima, que tem como característica a existência de subordinação, entretanto a prestação dos serviços não é contínua, ocorrendo alternância de períodos de trabalho e inatividade. Regras específicas foram delimitadas a este contrato, especialmente quanto a forma de convocação e pagamento deste trabalhador.

Dados divulgados pelo Ministério da Economia apontam o crescimento desta modalidade de contratação de empregados, a qual iniciou em novembro de 2017 com um saldo positivo de 3.225 vagas, após a publicação do acórdão do processo RR-10454-06.2018.5.03.0097 que considerou, por unanimidade, válida a contratação de empregados na modalidade intermitente independentemente do tipo de atividade do empregado ou do empregador, exceto para os aeronautas, regidos por legislação própria, teve aumento mensal de mais de mil vagas, reduzidas apenas nos meses iniciais da pandemia do COVID-19, ou seja abril e maio de 2020.

O contrato intermitente tem como características: a prestação de serviços de forma não contínua, com alternância de períodos de prestação de serviço e inatividade, não devendo a inatividade ser remunerada sob pena de descaracterização; não exclusividade, podendo o empregado prestar serviços a outras empresas; exigência de contrato por escrito atendendo as exigências do artigo 452-a caput da CLT e inciso II do artigo 2º da Portaria nº 349; comunicação da convocação previamente; recebimento ao final de cada prestação de serviços através de recibo discriminativo da remuneração, férias proporcionais, décimo terceiro salário proporcional, repouso semanal remunerado e adicionais legais com a apresentação dos comprovantes de recolhimento do FGTS e contribuição previdenciária; direito a usufruir de um mês de férias a cada doze meses, época em que o empregado não será convocado para prestar serviços.

A análise do precedente, conceituado por Pritsch (2018, p.20) como: “[...] resposta a um questionamento jurídico dada a um processo anterior no contexto dos respectivos fatos tidos como necessários para amparar a decisão [...].”, do processo TST-RR 10454-06.2018.5.03.0097, revelou que a regra disciplinada no artigo 443 § 3º da CLT pode ser aplicada a qualquer atividade do empregado ou do empregador, exceto para os aeronautas, conforme já determinava o texto legal devidamente votado e aprovado pelo Congresso Nacional, sendo necessária a reforma da decisão do Regional que restringia o âmbito de sua aplicação, criando parâmetros e limitações inexistentes o que malferia o princípio da legalidade previsto em nossa Constituição.

Embora os dados estatísticos tenham indicado a elevação da contratação da modalidade de contrato intermitente, estima-se que deva levar um tempo para que esta forma de contratação se torne efetivamente usual, mesmo tendo o Tribunal Superior do Trabalho entendido ser efetivamente possível sua aplicação, ainda existe insegurança face algumas lacunas de ordem prática, como a inexistência de limite mínimo e máximo da jornada de trabalho do intermitente, ausência de limite temporal de convocação, exigência do pagamento ao final de cada convocação, esta última que vai de encontro com o texto constitucional.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Sobre a autora
Isneide Oecksler Dalsenter

Bacharelada em Direito e Ciências Contábeis MBA Direito do Trabalho para Gestão de Pessoas | INPG Atuação: gerência de Departamento Pessoal em escritório de contabilidade. Contato: [email protected]

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DALSENTER, Isneide Oecksler. Contrato de trabalho intermitente. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7186, 5 mar. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/85566. Acesso em: 4 mai. 2024.

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