7. Proteção à vítima e à testemunha
A Lei de Proteção Especial às Vítimas e às Testemunhas (Lei 9.807, de 1999) abre uma possibilidade de alteração do nome completo daqueles que requererem a proteção especial da lei, desde que o Conselho Deliberativo do sistema de proteção requeira e o juízo competente assim decida, em “casos excepcionais e considerando as características e gravidade da coação ou ameaça” (artigo 9º).
Em casos assim, altera-se o nome completo da vítima ou testemunha e de seus familiares mais próximos, desde que se demonstre a necessidade disso para sua proteção. Os registros de nascimento dos indivíduos assim protegidos serão averbados. Quando encerrado o perigo (coação ou ameaça) que provocou a necessidade de alterar o sobrenome, o interessado pode requerer ao juízo para voltar a utilizar seu nome completo original, mas não é obrigado a fazê-lo, podendo seguir sua vida normalmente com o nome completo que lhe foi dado pelo sistema de proteção.
Nesses casos específicos (que ainda são muito raros) o nome completo (prenome e sobrenome) será alterado, o que é totalmente atípico, porque as regras de alteração do prenome e as do sobrenome normalmente são diferentes.
8. A retificação do sobrenome no registro
A retificação (correção) de registros públicos, como de nascimento, casamento, e suas averbações, pode ser requerida a qualquer momento.
De acordo com o artigo 110 da Lei de Registros Públicos, nos casos em que se queira retificar informação e que se possa perceber que se trata claramente de um erro de ortografia, ou um erro na transcrição de algum documento, ou outros erros semelhantes, a retificação pode ser feita no cartório a requerimento do interessado, sem necessidade de autorização judicial. Quando o erro tiver sido cometido por algum dos oficiais cartorários, a parte interessada não precisará pagar qualquer taxa ou selo. O Cartório pode encaminhar o requerimento ao Ministério Público para que opine a respeito. Trata-se de procedimento administrativo.
Nos demais casos de retificação (quando se tratar de nome esdrúxulo ou constrangedor), ou quando houver dúvida quanto ao erro, a retificação somente poderá ser realizada com autorização judicial, por requerimento da pessoa interessada (ou do Cartório, caso o pedido do interessado tenha sido negado administrativamente), com manifestação do Ministério Público e de terceiros interessados, se houver (Lei de Registros Públicos, art. 109). Caso o juízo competente entenda necessário, ou se o Ministério Público ou outros interessados requererem, o juízo pode determinar que a pessoa interessada apresente provas para justificar seu requerimento.
9. Observações finais
Ao encerrar este artigo, é necessário destacar alguns pontos do que falamos aqui, e chamar a atenção a algumas outras questões relacionadas com o tema.
Como demonstrado na introdução, o sobrenome é parte do nome, e consequentemente é parte integrante da personalidade do indivíduo. Assim, para privilegiar a dignidade da pessoa humana, o direito permite a modificação do sobrenome de várias formas, pois na sociedade complexa em que vivemos, diversas são as situações em que, se a alteração do sobrenome fosse negada, o indivíduo seria prejudicado em seus interesses e em sua dignidade humana.
É possível, inclusive, acumular vários sobrenomes ao longo da vida. Suponhamos que uma pessoa, ao casar-se, acrescenta aos seus os sobrenomes do cônjuge, e ao enviuvar ou divorciar-se, decide manter os sobrenomes adquiridos no casamento. Caso essa mesma pessoa volte a casar e queira acrescentar os sobrenomes de seu novo cônjuge poderá fazê-lo sem nenhum impedimento.
Como o sobrenome é parte essencial da personalidade do indivíduo, se uma pessoa decide manter os sobrenomes adquiridos ao longo de sua vida civil pode fazê-lo, pois também sua história de vida é parte de sua personalidade, e o sobrenome pode ser usado para refletir essa história de vida.
Além dos casos em que o sobrenome pode ser modificado, que já comentamos, há algumas situações, contudo, que não permitem modificar o sobrenome, ou nas quais não há consenso sobre se essa mudança é possível. Por exemplo:
a) Não é possível alterar o sobrenome em decorrência de mudança de sexo no registro civil. Essa mudança permite modificar apenas os prenomes, não os sobrenomes.
b) Não há consenso sobre ser possível alterar o sobrenome em função de união estável quando há um casamento ainda não dissolvido. Esse tipo de união estável paralela ainda é um tema muito controverso em vários aspectos.
c) Quanto à possibilidade de retirada de sobrenomes de pai ou mãe em decorrência de abandono afetivo, também não há um consenso ainda formado. Em geral as decisões judiciais tem autorizado essa nova hipótese, mas ainda não se formou um entendimento consolidado no país permitindo essa alteração.
d) Quando ocorre o reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva tem se tornado comum que o judiciário autorize a alteração do sobrenome do menor para incluir sobrenomes dos pais socioafetivos, mas ainda não há uma jurisprudência formada.
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e) As partículas de ligação (de, dos, da, etc.) não são regulamentadas pela lei. O STJ entende que o uso das partículas de ligação na composição do nome é livre[5].
f) Os Agnomes são termos adjetivos que servem para distinguir o indivíduos de outros que possuam o mesmo nome, como por exemplo Filho, Neto, Sobrinho, entre outros. Esses adjetivos são parte integrante do nome[6], e devem constar no registro civil. Mas não são parte do sobrenome, e não há na legislação brasileira qualquer norma que permita ou proíba sua modificação.
g) A atual Lei de Migração de 2017 modificou a Lei anterior (de 1980), e retirou a possibilidade de alterar o nome dos estrangeiros que imigram ao Brasil. Pela regra atual, o estrangeiro que estiver em processo de naturalização pode requerer a tradução ou adaptação do seu nome à língua portuguesa (artigo 71), mas não pode alterar o sobrenome.
h) Em relação a homonímia, (quando uma pessoa constatar que há várias pessoas com o mesmo nome completo) não há norma na legislação referente a isso. Mas, é possível requerer judicialmente a alteração de seu prenome ou de seu sobrenome. Caso se queira acrescentar sobrenome, o interessado somente poderia incluir um sobrenome que já seja utilizado em sua família (cônjuge, pais ou avós). Retirar algum sobrenome que já possui dificilmente resolveria o problema. Existe a tendência de conceder autorização para isso, mas ainda não há um entendimento jurisprudencial muito sólido.
Quando ocorre a modificação do sobrenome (em qualquer das hipóteses), é necessário modificar alguns documentos, como: RG, CPF, CNH, Título Eleitoral, Passaporte, e Vistos ainda válidos. Como consequência disso, será necessário alterar o sobrenome em outros documentos e cadastros, como bancos, órgãos profissionais, etc.
Também é possível averbar o registro de nascimento dos filhos quando um dos pais modifica seu sobrenome, e logo mudar o nome do pai ou da mãe em outros registros, como RG, dados da Receita Federal, etc. É aconselhável fazer essa mudança porque, ao comparar o nome do pai ou da mãe no documento do filho com os dados referentes ao pai ou à mãe (como dados da Receita Federal, da Justiça Eleitoral, entre outros), a diferença pode trazer complicações burocráticas indesejadas.
Notas
[1] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: parte geral. São Paulo: Atlas, 2016. p. 200.
[2] Deve-se reconhecer, pela lógica, que nem tudo que é definitivo é imutável.
[3] A esse respeito, veja-se a seguinte matéria, comentando decisão em que o STJ decidiu que “não é possível que apenas um dos pais, contra a vontade do outro genitor, dê ao filho do casal o sobrenome de algum antepassado que não faça parte do seu próprio nome”: https://www.migalhas.com.br/quentes/303490/inclusao-de-sobrenome-em-crianca-para-homenagear-familia-exige-justificativa-idonea
[4] Ver, a respeito, a seguinte matéria que comenta a decisão do STJ: https://www.migalhas.com.br/quentes/311615/stj-e-possivel-acrescimo-de-outro-sobrenome-de-conjuge-apos-o-casamento
[5] Veja-se, por exemplo, a seguinte matéria sobre o tema: https://www.migalhas.com.br/quentes/164488/para-stj-nome-e-mais-que-simples-denominacao
[6] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: parte geral. São Paulo: Atlas, 2016. p. 200