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O fordismo e sua crise no contexto das transformações político-econômicas do capitalismo

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5. CONCLUSÃO

Conforme se viu ao longo deste artigo, o fordismo foi muito mais do que a revolução tecnológica que ele proporcionou, foi principalmente um fenômeno responsável por profundas transformações na sociedade e no estado, o que nos permite conceituá-lo como uma totalidade que compreende um modo de produção e um modo de regulação com ele compatível, que caracterizaram um regime de acumulação capitalista também peculiar; mas que igualmente inclui um modo peculiar de viver e pensar, que teve o seu auge mais ou menos no período de 1945 a 1970.

Todavia, o regime de acumulação capitalista próprio da era fordista entrou em crise a partir dos anos 1970, caracterizado por baixas taxas de lucro e pelos elevados custos do estado de bem-estar. Para o combate dessa crise, a partir dos anos 1980, o capitalismo foi reestruturado com base na orientação liberal-produtivista, que teve como elementos fundamentais, dentre outros, medidas de enfraquecimento do estado de bem-estar, liberalização das economias, criação de um mercado global em finanças sob o controle americano e da União Europeia, reestruturação da produção mediante novos modos de produção flexíveis capazes de neutralizar os sindicatos e com isto a principal via de reivindicação de direitos dos trabalhadores, tudo isso sendo coadjuvado pelo uso das novas tecnologias da informação.

Nos primeiros anos, a reestruturação flexível dava indícios de um novo período de pujança, entretanto, o novo sistema proporcionou uma concentração e centralização do capital sem precedentes na história, passando o capital a convergir cada vez mais para o engrandecimento das corporações transnacionais, que passaram a se sobrepor aos estados nacionais, já combalidos também pelas reformas que reduziram seu papel. A impotência dos estados-nações os submete aos interesses das grandes corporações, criando-se um enorme abismo que separa os detentores do capital do restante das populações. A precarização do trabalho, o desemprego e a pobreza se tornaram uma realidade comum até nos países de capitalismo avançado; e o meio-ambiente sofre ataques sem precedentes, pondo em risco a sobrevivência mesma da espécie humana.

Os estudiosos do assunto estão atônitos e mal conseguem descrever os novos fenômenos, dada a velocidade com que se processam. Não obstante isso, alguns especialistas arriscam-se nos palpites. Segundo Lipietz (1991, p. 89), por exemplo, a alternativa surgirá conforme nossa resposta para os itens que a crise nos impõe: crise do trabalho, crise do modelo de consumo, crise do Estado-providência e crise das relações internacionais. Consoante esse mesmo autor,

“(...) como nos anos 30, a questão das soluções para a crise é fundamentalmente política. Não se trata mais de determinar 'a' política econômica conforme as regras do jogo já fornecidas. Trata-se de escolher novas regras: novos princípios de organização do trabalho, novas normas na orientação e no uso social da produção, novos hábitos e novos modos de regulação. Trata-se de entrar em acordo quanto a novas promessas, novos projetos. Inventar um novo 'grande compromisso'” (LIPIETZ, 1991, p. 51).

Pochmann (2011) tem pensamento semelhante ao de Lipietz e defende que

“Três questões de novo tipo encerram a complexa engrenagem capitalista: a resolução da consolidação do novo centro dinâmico global, a conformação de outra relação do Estado diante do avanço do processo de hipermonopolização do capital e a regulação do novo paradigma produtivo assentado na expansão do trabalho imaterial”

Na explicação da Escola da Regulação, o modo de regulação fordista-keynesianista é incompatível com o regime de acumulação flexível. É premente a necessidade de ser encetado um novo modo de regulação, ou seja, um novo pacto social. Mas, tal como aconteceu na passagem do regime de acumulação concorrencial para o monopolista/fordista, isto não é uma tarefa fácil e muito menos rápida. Outrossim, não é certo que transformações de grande envergadura ocorrerão necessariamente de forma pacífica. Além do mais, como assinala  Pochmann (2011), “os atores políticos de uma nova ordem que protagonizariam a reforma do Estado forte e regulador seguem ainda desconhecidos”. Esperanças podem ser depositadas nos movimentos sociais recém-surgidos.


REFERÊNCIAS:

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Notas

[1] De acordo com Arienti (2002, p. 6), Jessop denomina essa categoria também de “modo de regulação social da economia” ou, ainda, “modo de socialização”.

[2] Um modo de regulação é constituído de elementos que a Escola da Regulação denomina de “formas estruturais”, a saber: 1) forma de adesão ao sistema internacional – estabelece a forma de inserção no comércio internacional, podendo ser na forma de livre-circulação (divisão internacional do trabalho) ou através de acordos comerciais regulados pelos órgãos competentes (OMC/GATT); 2) padrão monetário – estabelece um padrão de pagamentos internacionais, como, p. ex., o padrão outo-libra e o padrão ouro-dólar; 3) forma de concorrência: estabelece a relação entre as empresas, podendo ser livre-concorrencial ou monopolista (concorrência administrada); 4) forma de Estado – estabelece a forma de intervenção estatal, que pode ser regulatória (Estado liberal) ou direta (Estado intervencionista); e 5) relação salarial – estabelece a forma de organização do trabalho, podendo ser concorrencial, taylorista, fordista, toyotista e assim por diante.

[3] Também denominado de “paradigma tecnológico” ou “modelo de industrialização”, o “Modelo de organização do trabalho” é o conjunto dos princípios gerais que governam a organização do trabalho e sua evolução durante o período de supremacia do modelo.

[4] O termo “fordismo” foi empregado pelo líder comunista italiano Antonio Gramsci em suas notas sobre “americanismo e fordismo”, nos “Cadernos do Cárcere”, no ano de 1934. Nessas notas, Gramsci levou em consideração, entre outros, o livro do socialista belga Hendrik de Man, “Zur Psychologie des Sozialismus”, de 1926, no qual esse autor que não discute diretamente o fordismo. Há também indicativo de que o termo “fordismo” foi empregado na Europa no início dos anos vinte, portanto antes de De Man e Gramsci, por Friederich von Gottl-Ottlilienfeld, no livro “Fordism? Pafapharasis über Verhältnis von Wirtschaft und Technischer Vernunft bei Henri ford and Frederick W. Taylor”, em 1924; como também por H. Sinzheimer em “L'Europe e l'idea de democrazia economica”, em 1925 (GAMBINO, 2004, p. 27).

[5] Ou seja, de conformidade com os conceitos regulacionistas: irão forjar-se novos modos de regulação adequados a novas formas de produção.

[6] Como se verá a seguir, diversos movimentos têm sido deflagrados contra as condições atuais geradas pelo atual regime de acumulação capitalista. Se é fato que as reivindicações desses movimentos ainda não são claras, todavia um dado novo e comum é percebido em todos eles: a mobilização autônoma (sem mediação de sindicatos nem de políticos) e instantânea, sendo as redes sociais (facebook, twetter etc.) o principal instrumento da mobilização.

[7] Os casos árabes devem ser vistos à parte, considerando a manipulação dos países ricos (notadamente os EUA) sobre eles, ambicionando o acesso às suas reservas petrolíferas.

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Sobre o autor
Marco Aurélio Lustosa Caminha

Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 22ª Região. Ex-Procurador Regional do Trabalho. Professor Associado de Direito na Universidade Federal do Piauí. Mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco. Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino (Buenos Aires, Argentina). Doutor em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Maranhão.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAMINHA, Marco Aurélio Lustosa. O fordismo e sua crise no contexto das transformações político-econômicas do capitalismo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6411, 19 jan. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/88029. Acesso em: 23 abr. 2024.

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