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Tráfico de drogas e associação para o tráfico por militares e a competência da Justiça Militar

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09/02/2021 às 15:00
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III – O CRIME DE ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA PARA O TRÁFICO

Do que foi descrito acima, tem-se que há um crime de associação para o tráfico de drogas que precisa ser apurado em todas as suas circunstâncias de autoria e materialidade.

A PF frisou que as investigações não se confundem com os processos por tráfico internacional de drogas que tramitam perante a Justiça Militar. Os investigados na operação podem responder pelos crimes de associação para o tráfico e lavagem de dinheiro, que têm penas que vão de 3 a 10 anos de prisão. 

Tem-se o crime de associação criminosa previsto na legislação especial, extravagante, e que não é crime militar.

A associação para o tráfico de drogas é uma associação para a prática das condutas tipificadas no artigo 33 (tanto no caput quanto no § 1º), bem como no artigo 34 da Lei de Drogas, que fala sobre maquinários, aparelhos, instrumentos e demais objetos destinados à fabricação de drogas, por exemplo. 

Tem-se o texto legal: 

Art. 35. Associarem-se duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1o, e 34 desta Lei: 

Pena – reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 700 (setecentos) a 1.200 (mil e duzentos) dias-multa. 

Parágrafo único. Nas mesmas penas do caput deste artigo incorre quem se associa para a prática reiterada do crime definido no art. 36 desta Lei. 

Sobre o crime do art. 35 da Lei de Drogas, destaca-se trecho do voto do ministro Teori Zavascki, nos autos do HC 124.164: 

‘O crime previsto no art. 35 da Lei 11.343/2006 está assim descrito: ‘associarem-se duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 desta Lei’. O verbo núcleo do tipo aqui é associar-se. Portanto, a caracterização da associação para o tráfico de drogas depende da demonstração do vínculo de estabilidade entre duas ou mais pessoas, não sendo suficiente a união ocasional e episódica. Não se pode transformar o crime de associação, que é um delito contra a paz pública –capaz de expor a risco o bem jurídico tutelado –, em um concurso de agentes. É com propriedade que afirma Vicente Greco Filho: Para incidência do caput do delito agora comentado, em virtude da cláusula ‘reiteradamente ou não, poder-se-ia entender que também configuraria o crime o simples concursos de agentes, porque bastaria o entendimento de duas pessoas para a prática de uma conduta punível. Parece-nos, todavia, que não será toda vez que ocorrer concurso que ficará caracterizado o crime em tela. Haverá necessidade de um animus associativo, isto é, um ajuste prévio no sentido da formação de um vínculo associativo de fato, uma verdadeira societas sceleris, em que a vontade de associar seja separada da vontade necessária à prática do crime visado. Excluído, pois, está o crime, no caso de convergência ocasional de vontades para a prática de determinado delito, que estabeleceria a coautoria. O tipo é especial em relação ao art. 288 do Código Penal (...). O conteúdo do crime, porém, é igual ao do seu similar (Tóxicos: prevenção-repressão. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, página 209). 

Assim, estabeleceu-se, na jurisprudência, o entendimento de que a diferença entre o crime em questão e o concurso eventual de agentes está na estabilidade do vínculo. Nessa linha de compreensão: ‘Habeas corpus. Processual Penal. Crime de associação para o tráfico (Lei nº 11.343/06, art. 35, caput). Trancamento da ação penal. Inépcia da denúncia e ausência de justa causa. Não ocorrência. Ausência de constrangimento ilegal. Ordem denegada. (...) 3. Verifica-se, pela simples leitura da exordial acusatória, que não há ilegalidade a merecer reparo pela via eleita, uma vez que a denúncia contém descrição mínima dos fatos imputados à ora paciente, principalmente considerando tratar-se de crime de associação para o tráfico, relativamente ao qual a existência do liame subjetivo e da estabilidade associativa deve ser apurada no curso da instrução criminal. 4. Ordem denegada’. (HC 121188, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, DJe de 03-04-2014). 

Trata-se de crime doloso, com especial fim de agir, qual seja, o de traficar drogas ou maquinários. Requer o agrupamento de pelo menos duas pessoas, com ajuste prévio e certa estabilidade de propósito. É um crime autônomo, pois, para que esteja caracterizada a associação para o tráfico, é dispensável o êxito nas práticas dos crimes dos artigos 33 e 34 da Lei de Drogas. 

A Convenção de Palermo (2000) arrola 4 (quatro) características das redes criminosas, a saber: “a) grupo estruturado, com atuação de três pessoas no mínimo; b) ação criminosa contra uma ordem legal; c) lavagem de dinheiro; d) corrupção de agentes estatais;” (Oliveira, Adriano. Tráfico de drogas e crime organizado: peças e mecanismos). 

Para a caracterização do crime de associação criminosa, é imprescindível a demonstração concreta do vínculo permanente e estável entre duas ou mais pessoas, com a finalidade de praticarem os delitos do art. 33, caput e § 1º e/ou do art. 34, da Lei de Drogas (HC 354.109/MG, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 15/9/2016, DJe 22/9/2016; HC 391.325/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 18/5/2017, DJe 25/5/2017).


IV A QUESTÃO DA COMPETÊNCIA PARA INSTRUIR E JULGAR OS CRIMES CITADOS

Há evidente conexão entre o crime praticado e previsto no artigo 290 do CPM e o crime de associação para o tráfico, crime comum previsto na legislação extravagante que trata de drogas.

Tem-se o artigo 9, II, do Código de Processo Penal Militar:

Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz:

II – os crimes previstos neste Código e os previstos na legislação penal, quando praticados: (Redação dada pela Lei nº 13.491, de 2017)

a) por militar em situação de atividade ou assemelhado, contra militar na mesma situação ou assemelhado;

b) por militar em situação de atividade ou assemelhado, em lugar sujeito à administração militar, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil;

c) por militar em serviço ou atuando em razão da função, em comissão de natureza militar, ou em formatura, ainda que fora do lugar sujeito à administração militar contra militar da reserva, ou reformado, ou civil; (Redação dada pela Lei nº 9.299, de 8.8.1996)

d) por militar durante o período de manobras ou exercício, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil;

e) por militar em situação de atividade, ou assemelhado, contra o patrimônio sob a administração militar, ou a ordem administrativa militar;

f) revogada. (Redação dada pela Lei nº 9.299, de 8.8.1996) 

Em 13 de outubro de 2017 foi sancionada pelo Poder Executivo da União a Lei nº 13.491/2017, de vigência imediata (art.3º), a qual promoveu mudanças na redação do art.9º do Código Penal Militar (Decreto-Lei nº 1.001/1969). Em suma, as alterações redefiniram o conceito de certos crimes militares em tempos de paz, estabelecendo um aparente alargamento da matéria de competência da Justiça Militar dos Estados e da Justiça Militar da União. 

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Vem a discussão: qual será a sorte da competência para instruir e julgar tais crimes, o militar e o comum. 

Veja-se a lição que se colhe do Ministério Público do Paraná, Centro de Promotorias(Competência da Justiça Militar e Lei nª 13.491/17):

“Enquanto a redação anterior alçava à condição de crime militar (impróprio ou de tipificação indireta) apenas os crimes previstos no CPM que possuíssem idêntica definição na lei penal comum, a alteração promovida pela Lei nº 13.491/2017 busca elastecer o conceito de crime militar para todas as figuras típicas delitivas previstas na legislação brasileira, independentemente de previsão correspondente na parte especial do CPM. 

Contudo, manteve-se a previsão de que somente haverá crime militar quanto presente uma das hipóteses das alíneas do inciso II do art.9º, as quais foram integralmente preservadas. Para além disso, a alteração no texto do inciso II impactou automaticamente a definição de crime militar do inciso III, na medida em que este define como sendo crime militar os delitos praticados por militares da reserva, ou reformados, ou civis, contra instituição militar, considerando-se como tais justamente os casos dos incisos I e II, sempre que presente uma das circunstâncias das alíneas do inciso III.” 

A competência da Justiça Militar se dará, a princípio, quando o crime, ainda que não esteja previsto na parte especial do Código Penal Militar, for praticado em uma das circunstâncias delineadas nas alíneas do inciso II do art.9º: a) por militar em situação de atividade ou assemelhado, contra militar na mesma situação ou assemelhado; b) por militar em situação de atividade ou assemelhado, em lugar sujeito à administração militar, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil; c) por militar em serviço ou atuando em razão da função, em comissão de natureza militar, ou em formatura, ainda que fora do lugar sujeito à administração militar contra militar da reserva, ou reformado, ou civil; d) por militar durante o período de manobras ou exercício, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil; e) por militar em situação de atividade, ou assemelhado, contra o patrimônio sob a administração militar, ou a ordem administrativa militar. 

Para Rodrigo Foureaux (A Lei 13.491/17 e a ampliação da competência da Justiça Militar), a Súmula 90 do STJ perdeu a razão de ser e a alteração legislativa põe fim à duplicidade de processos que os militares enfrentam na justiça militar e justiça comum, pelo mesmo fato. Os fatos devem ser julgados, exclusivamente, pela justiça militar. 

A Súmula 90 do STJ tem a seguinte redação:

Compete à Justiça Estadual Militar processar e julgar o policial militar pela prática do crime militar, e à Comum pela prática do crime comum simultâneo àquele. Referências: CF/1988, art. 125, § 4º. CPP, art. 79, I. Procedentes: CC 762-MG (3ª S, 1º.03.1990 — DJ 19.03.1990) CC 1.077-SP (3ª S, 07.06.1990 — DJ 06.08.1990) CC 2.686-RS (3ª S, 05.03.1992 — DJ 16.03.1992) CC 3.532-SP (3ª S, 19.11.1992 — DJ 08.03.1993) CC 4.271-SP (3ª S, 05.08.1993 — DJ 06.09.1993) Terceira Seção, em 21.10.1993 DJ 26.10.1993, p. 22.629. 

Analisando a íntegra desses julgados, constata-se que o fundamento para a divisão de processos está no art. 79, inciso I, do CPP, que assim dispõe: Art. 79. A conexão e a continência importarão unidade de processo e julgamento, salvo: I - no concurso entre a jurisdição comum e a militar. 

Fora desses limites a competência para instruir e julgar o caso seria da competência originária da Justiça Comum Federal a teor do artigo 109, IV e V, da Constituição Federal.

Entendo, pois, que esse é o entendimento que deve ser dado a essa questão jurídica.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. Tráfico de drogas e associação para o tráfico por militares e a competência da Justiça Militar. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6432, 9 fev. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/88336. Acesso em: 2 nov. 2024.

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