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Tráfico de drogas e associação para o tráfico por militares e a competência da Justiça Militar

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09/02/2021 às 15:00

Resumo:


  • A Polícia Federal iniciou a Operação Quinta Coluna para investigar o uso de aeronaves da Força Aérea Brasileira no tráfico de drogas para a Espanha, focando também na lavagem de dinheiro obtido com os crimes.

  • O sargento Manoel Silva Rodrigues foi detido em 2019 com 39 quilos de cocaína, e as investigações apontam para uma associação criminosa envolvendo outros militares, incluindo um tenente e um tenente-coronel.

  • A ministra Maria Elizabeth Rocha, do Superior Tribunal Militar, defende penas mais duras para militares envolvidos em tráfico de drogas, propondo a atualização do Código Penal Militar para alinhar as punições à Lei das Drogas, que prevê penas mais severas para civis.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Pode o traficante comum ter pena superior ao policial militar condenado por tráfico de drogas?

I – O FATO

Segundo o site do Estadão, em 2 de fevereiro de 2021, a Polícia Federal deflagrou, na manhã daquele dia, a Operação Quinta Coluna para aprofundar as investigações sobre uma suposta associação criminosa que usou aeronaves da Força Aérea Brasileira para enviar drogas para a Espanha. As apurações miram, ainda, a lavagem de ativos obtidos em razão dos crimes. 

As investigações revelaram que outras pessoas se associaram ao sargento Manoel Silva Rodrigues, de forma estável e permanente, para a prática do crime de tráfico ilícito de drogas, tendo sido apresentado à Justiça elementos que indicam pelo menos mais uma remessa de entorpecente para Espanha’. O militar foi detido em 2019 na Espanha com 39 quilos de cocaína quando viajava como parte da tripulação de apoio do presidente Jair Bolsonaro 

Agentes cumprem 15 mandados de busca e apreensão e duas ordens de restrição de comunicação e saída do Distrito Federal contra 10 investigados. Entre os alvos da ação estão a esposa de Manoel, um tenente e um tenente-coronel. Militares da FAB também participam das atividades. 

A ministra Maria Elizabeth Rocha, do Superior Tribunal Militar (STM), disse considerar “gravíssimo” o caso do sargento da Força Aérea Brasileira (FAB), Manoel Silva Rodrigues, preso na Espanha sob a acusação de transportar 39 quilos de cocaína, e que a sua punição deve ser “rigorosa”, se comprovada a culpa no episódio. Coordenadora de um grupo de trabalho que apresentou ao Congresso uma proposta de atualização do Código Penal Militar, a ministra defende penas mais duras para integrantes das Forças Armadas envolvidos no tráfico de drogas. Atualmente, a punição máxima é de cinco anos de prisão, enquanto a Lei das Drogas prevê pena de até 15 anos para casos envolvendo civis. 

Disse a ministra ao Estadão, em seu site, no dia 29 de junho de 2019:  

“Estou convicta sobre a necessidade de alteração do Código Penal Militar para apenar com rigor o tráfico de entorpecentes. É inconcebível que um militar trafique dentro de um quartel, um local onde se encontram homens armados, investidos do monopólio da força legítima pelo Estado”, afirmou Maria Elizabeth ao Estado. “De um militar se exige a defesa da Pátria, dos poderes constituídos e da lei e da ordem, por isso uma conduta tão grave deve ser apenada com rigor. Lamentavelmente, a lei vigente só autoriza ao magistrado uma condenação máxima de 5 anos.” 

No caso, há algo de mais grave, segundo foi publicado pelo site Metrópolis, que abaixo transcrevo:

“Os militares da Força Aérea Brasileira (FAB) investigados pela Polícia Federal por integrarem associação criminosa que usa aeronaves do governo para enviar drogas para a Europa possuem ligação com Michele Tocci, conhecido como o Barão do Ecstasy. Todos foram alvo da Operação Quinta Coluna, deflagrada nesta terça-feira (2/2). Além do tráfico, o grupo é suspeito de lavagem de dinheiro.” 


II – O ARTIGO 290 DO CÓDIGO PENAL MILITAR(CPM)

Vejamos o art 290, CPM, verbis: 

"Receber, preparar, produzir, vender, fornecer, ainda que gratuitamente, ter em depósito, transportar, trazer consigo, ainda que para uso próprio, guardar, ministrar ou entregar de qualquer forma a consumo substância entorpecente, ou que determine dependência física ou psíquica, em lugar sujeito à administração militar, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: 

Tem-se no parágrafo 1° e incisos, in verbis: 

"Na mesma pena incorre, ainda que o fato incriminado ocorra em lugar não sujeito à administração militar. 

I – O militar que fornece, de qualquer forma, substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica a outro militar; 

III- quem fornece, ministra ou entrega, de qualquer forma, substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica a militar em serviço, ou em manobras ou exercício;" 

Pena – reclusão, até cinco anos." 

Trata-se de crime de ação múltipla, de natureza formal, permanente, que exige o dolo como elemento do tipo.  

A Lei 11.343, de 23 agosto de 2006, em seu artigo 33, estabelece pena de reclusão de cinco a quinze anos para o tráfico de drogas. 

"Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: 

Pena – reclusão 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa." 

Um agente, condenado pela prática de tráfico de drogas no interior de uma OM, pelo art 290 do CPM, pode vir a ser contemplado com a suspensão condicional da pena (sursis). Para tanto, basta que seja primário e de bons antecedentes e venha a ser apenado com até dois anos de reclusão. Basta que a mesma punição possa vir a ser sofrida por um simples usuário, reincidente, preso em flagrante, portando drogas (a pena em abstrato do crime do art 290 do CPM é de 01 a 05 anos de reclusão).  

Sobre isso, bem acentuou Luciano Moreira Gorrilhas (O artigo 290 do Código Penal Militar e a nova lei de drogas, publicação Jus Navigandi):  

“a) Um militar, fora de lugar sujeito à Administração Militar, ao fornecer substância entorpecente para outro militar, praticará, em tese, crime de natureza militar. Todavia, caso nosso protagonista venha a ministrar ou vender a aludida droga para um colega de caserna cometerá crime de natureza comum. Decerto, estas modalidades referidas (vender e ministrar) não foram previstas na norma penal em destaque (inciso I do § 1° do art 290 CPM). 

b) Um militar ou um civil, em lugar não sujeito à Administração Militar, vende substância entorpecente para militar de serviço, ou em manobra ou em exercício militar. 

Aplica-se, aqui, o mesmo raciocínio supra, ou seja, o crime é comum ante a inexistência de expressa tipicidade. Vale dizer, não figura o verbo "vender" dentre os mencionados núcleos do subtipo descrito no inciso III do § 1° do artigo 290 do CPM. 

Outro tópico que demanda reflexão é quanto a inserção topográfica do art 290 do CPM no capítulo dos crimes contra a saúde (Bem jurídico tutelado). Nos parece, salvo melhor entendimento, que o supracitado tipo penal estaria melhor encartado no capítulo destinado aos crimes contra à Administração Militar. De fato, sobressai-se dentre as elementares do delito em discussão a locução "em lugar sujeito à Administração Militar". Ou seja, os diversos comportamentos descritos nos tipos (onze verbos) somente serão reprimidos se executados em lugar sujeito à Administração Militar. De observar-se que esta é a nota marcante do artigo 290 do CPM. Assim, fica nítido que o legislador realçou com cores fortes o aspecto do locus delicti commissi, enquanto que a saúde pública ficou, ao que nos parece, relegada a plano secundário. 

Com efeito, fica difícil acolher a tese de perigo à saúde alheia, vale dizer, possibilidade de propagação da droga, nos casos, por exemplo, em que um militar ou civil (em lugar sujeito à administração militar) é surpreendido portando um cigarro de maconha com menos de um grama. Nesses casos, temos que o usuário estará apenas atentando contra sua própria saúde (autolesão), pois bastará acender a aludida "bagana" para que o conteúdo da substância tóxica em questão se pulverize em frações de segundo. Nestes casos, pergunta-se: houve perigo da difusão do aludido entorpecente? 

Nesse diapasão, caso, por suposição, estivesse o artigo 290 CPM inserto nos crimes contra à Administração Militar, resultariam eliminadas todas as discussões acerca da aplicabilidade do princípio da insignificância nas apreensões envolvendo pequenas (ínfimas) quantidades de substâncias entorpecentes. Decerto, tornar-se-ia despiciendo o debate acerca do assunto em referência, notadamente, levando-se em linha de conta que tanto as grandes como as pequenas apreensões efetuadas em lugar sujeito à Administração Castrense atentariam, de igual modo, contra a ordem administrativa militar. Hoje, como sabemos, considerando o atual bem jurídico tutelado (saúde pública), existem jurisprudências nos dois sentidos: umas acolhendo o princípio da bagatela nos crimes envolvendo tóxico, outras repudiando este instituto de política criminal.” 

No Estado Democrático de Direito pode o traficante comum ter pena superior ao policial militar condenado por tráfico de drogas? Claro que não, pois o que se estaria a desafiar é o paradigma da razoabilidade. A desproporcionalidade parece mais que evidente.  

A proposta do grupo de trabalho coordenado pela ministra era adequar a legislação militar à Lei das Drogas de 2006: aumentaria a pena para tráfico de drogas (para até 15 anos) e abrandava a do consumo próprio (de seis meses a um ano para quem oferecesse droga para consumir com outra pessoa). “O uso de entorpecentes deve ser tratado como uma questão de saúde pública. O tráfico como uma questão de polícia e, posteriormente, de incriminação penal. A sanção deve ser rigorosa, pois está em jogo o bem estar social”, afirmou a ministra.  

Na época, a proposta do grupo de trabalho - de penas mais duras para militares envolvidos em tráfico de drogas - foi entregue ao deputado federal Carlos Zarattini (PT-SP). O texto, no entanto, não avançou, a exemplo de outras propostas que tratam sobre o endurecimento de penas para os militares. “Isso tem de ser corrigido, mas até hoje não é uma prioridade, nem do Congresso, nem dos militares, nem do Executivo”, afirmou Zarattini ao Estado.  

Fala-se, aqui, por sinal, em uma efetividade social.  

A efetividade significa, portanto, a realização do Direito, o desempenho concreto de sua função social. Ela traduz a materialização, no mundo dos fatos, dos preceitos legais e simboliza a aproximação, tão íntima quanto possível, entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social. 

A efetividade das normas depende, em primeiro lugar, da sua eficácia jurídica, da aptidão formal para incidir e reger as situações da vida, operando os efeitos que lhe são inerentes. Não se trata apenas da vigência da regra, mas também, e, sobretudo, da “capacidade de o relato de uma norma dar-lhe condições de atuação”, isoladamente ou conjugada com outros normas. Se o efeito jurídico pretendido pela norma for irrealizável, não há efetividade possível, como explicou Ingo Wolfgang Sarlet(A eficácia dos direitos fundamentais, 2006, pág. 245).  

Nessa linha de entendimento, enquanto a eficácia jurídica representa a qualidade da norma produzir, em maior ou menor grau, determinados efeitos jurídicos ou a aptidão para produzir efeitos, dizendo respeito à aplicabilidade, exigibilidade ou executoriedade da norma, a eficácia social da norma se confunde com a ideia de efetividade e designa a concreta aplicação dos efeitos da norma juridicamente eficaz. A eficácia social ou a efetividade está intimamente ligada à função social da norma e à realização do Direito. 

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Perde a norma em sua efetividade, na medida em que ela não representa, para a sociedade, a devida reprimenda, tendo-se o relato e o cometimento que ela representa para o aplicador da norma. 

A PF frisou que as investigações não se confundem com os processos por tráfico internacional de drogas que tramitam perante a Justiça Militar. Os investigados na operação podem responder pelos crimes de associação para o tráfico e lavagem de dinheiro, que têm penas que vão de 3 a 10 anos de prisão. 

Lembro com relação ao conflito das leis no tempo, a Lei de Introdução:

“Art. 2o  Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue. 

§ 1o  A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior 

O § 1º prescreve o critério cronológico. Nesse caso, deverá prevalecer a lei posterior, que revogará a lei anterior quando expressamente o declare, quando não forem compatíveis, ou quando regular por inteiro a matéria de qual ela tratava. 

O STM, em sua súmula 14 dispõe que não há aplicabilidade da lei 11.343/06 em seara castrense.

O Código Penal Militar apresenta somente o art. 290, que versa sobre tráfico de drogas, e a lei especial, além de diferenciar usuário de drogas e traficante, ela traz em seu corpo, um procedimento próprio a reger esses tipos penais. Mediante exposto, averigua-se a possibilidade de revogação tácita do art. 290 do COM pela lei 11.343/06. 

O STM, em posição contrária, refuta a possibilidade acima declarando a inaplicabilidade da 11.343/06, com fundamento somente na primeira parte do art.º, §1° da Lei de Introdução as Normas do Direito Brasileiro que versa sobre a data da lei, vejamos: 

“EMBARGOS Nº 2006.01.049706-8 – MG – Relator Ministro FLÁVIO DE OLIVEIRA LENCASTRE. Revisor Ministro JOSÉ COÊLHO FERREIRA. (Sessão de 17/04/2007).EMENTA: EMBARGOS INFRINGENTES DO JULGADO. SOLDADO DO EXÉRCITO. POSSE DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE “MACONHA” EM LUGAR SUJEITO À ADMINISTRAÇÃO MILITAR. PRINCÍPIO DA NSIGNIFICÂNCIA OU DA BAGATELA. LEI Nº 11.343/2006.INAPLICABILIDADE À JUSTIÇA MILITAR. REVOGAÇÃO DO ARTIGO 290 DO CÓDIGO PENAL MILITAR PELA “NOVATIO LEGIS”. INOCORRÊNCIA. MANUTENÇÃO DO ACÓRDÃO EMBARGADO.

1. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. “In casu”, o fato de ser pequena a quantidade de “Maconha” apreendida em poder do agente não configura insignificância penal. Isto porque, a Jurisprudência do Superior Tribunal Militar e do Egrégio Supremo Tribunal Federal consagrou o entendimento de que o Princípio da Insignificância ou da Bagatela não se aplica no caso de posse de substância entorpecente em lugar sujeito à Administração Militar.

2. LEI Nº 11.343/2006. ALEGADA REVOGAÇÃO DO ARTIGO 290 DO CÓDIGO PENAL MILITAR. Conforme prescreve o artigo 2º da Lei de Introdução ao Código Civil, opera-se a revogação de uma lei anterior por outra superveniente, quando a nova lei expressamente assim o declare ou quando for incompatível com a lei anterior e/ou quando regular integralmente a mesma matéria. No caso concreto, nenhuma dessas situações se verifica.Ao contrário, a Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006, não revogou expressamente o artigo 290 do CPM. Quisesse o legislador revogar qualquer dispositivo do Código Penal Militar, poderia tê-lo feito no artigo 75 da referida norma, quando determinou a revogação de outras leis. De igual modo, a “Nova Lei de Tóxicos” não é incompatível com a matéria disciplinada no precitado artigo 290 da Lei Substantiva Castrense, pois a primeira é norma geral e a segunda, norma especial. Assim, se o objetivo principal da Lei nº 11.343/2006 é prescrever MEDIDAS DE PREVENÇÃO AO USO INDEVIDO DE DROGAS no âmbito civil, recomendando tratamento terapêutico ao respectivo usuário, o Código Penal Militar, em seu dispositivo específico, preocupou-se com o tráfico, posse e uso de entorpecente ou de substância de efeito similar, EM LUGAR SUJEITO À ADMINISTRAÇÃO MILITAR, definindo essa hipótese como infração penal e estabelecendo uma pena “In Abstracto” a ser aplicada ao sujeito ativo de tal delito.

3. Restando comprovado nos autos que a substância encontrada em poder do ora Embargante, em lugar sujeito à Administração militar, era “CANNABIS SATIVA LINEU”, vulgarmente denominada “Maconha”, e inexistindo, em favor do Acusado, qualquer causa excludente de culpabilidade e/ou de ilicitude, não há que se falar em absolvição. Rejeitados os Embargos, mantendo-se integralmente o Acórdão hostilizado, por seus próprios e jurídicos fundamentos. Decisão majoritária. Brasília, 15 de maio de 2007”.

Esse o entendimento da Justiça Militar por seu órgão de cúpula. Sendo assim, o artigo 290 do Código Penal Militar não está revogado. A questão passará a ser de política legislativa no interesse de sua revogação.

De toda sorte, obedecido o princípio da territorialidade temperada, no Brasil, a competência para instruir e julgar tal crime é da Justiça Militar.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. Tráfico de drogas e associação para o tráfico por militares e a competência da Justiça Militar. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6432, 9 fev. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/88336. Acesso em: 22 dez. 2024.

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