3. Da legitimidade da Procuradoria da Fazenda Nacional para propor medida judicial em face da decisão final favorável ao contribuinte em processo administrativo
Conforme examinamos anteriormente, realmente, a leitura isolada do art. 156, IX do CTN pode conduzir o leitor a ideia que a extinção do crédito tributário só se opera com a decisão administrativa irreformável que “não mais possa ser objeto de ação anulatória.”
Porém, já vimos que não existe no CTN ou em qualquer outra lei previsão de ação judicial para anular a decisão administrativa final. Aquela expressão foi inserida no anteprojeto do CTN como forma de substituir o recurso hierárquico, mas ela não foi incorporada no texto final do CTN. O recurso hierárquico sobreviveu e foi incorporado no § 1º, do art. 37 do Decreto nº 70.235/72. Esse recurso ao Ministro da Fazenda das decisões não unânimes contrárias à Fazenda, nas hipóteses em que entenderem contrária a lei ou a evidência da prova, retirava o processo administrativo tributário do campo estritamente técnico para dar-lhe uma feição de natureza política. Era em tudo parecido com a figura de substituição do juiz natural que é inconstitucional.
Por isso, engendrou-se uma maneira de resolver tudo dentro do órgão julgador colegiado. Assim, foi criado pelo Decreto nº 83.304, de 28-3-79 a Câmara Superior de Recursos Fiscais como última instância administrativa para conhecer de recurso contra decisão não unânime da Câmara e quando ela for contrária à lei ou à evidência da prova. Hoje, essa CSRF está integrada ao CARF e julga, em grau de recurso especial, o recurso interposto contra decisão que der à lei interpretação divergente da que lhe tenha dado outra Câmara, turma de Câmara, turma especial ou a própria Câmara Superior de Recursos Fiscais (art. 37, § 2º, II, do Decreto nº 70.235/72). A ideia de ação anulatória foi definitivamente abandonada pelo legislador.
Na ausência de lei prescrevendo os requisitos e condições para a ação judicial para anular a decisão administrativa não há como propor essa ação. Seria um absurdo submeter todas as decisões contrárias à Fazendo ao crivo do Judiciário, abrindo mão a Administração Pública do seu direito de privativamente constituir o crédito tributário, bem como abrindo mão da autotutela que lhe é inerente.
Exatamente a falta de previsão legal da ação anulatória, estabelecendo os requisitos e condições para a sua propositura, levou parte da doutrina a sustentar a tese de que a revisão judicial de decisão administrativa implicaria propositura de demanda judicial pelo Estado contra si próprio, operando a confusão das partes. Posto que não é razoável supor que alguém ajuíze ação contra si há de ser buscada uma outra alternativa para a hipótese de revisão judicial de decisão administrativa favorável ao contribuinte.
No caso de a Administração pretender a invalidação judicial da decisão administrativa definitiva, por analogia à ação rescisória, ela deve ser intentada contra o contribuinte que foi parte no processo, figurando no pólo ativo da ação a Procuradoria da Fazenda.
4 Conclusões
O processo administrativo tributário que se desenvolve sob a égide dos princípios do devido processo legal, do contraditório e ampla defesa, da legalidade, da moralidade, da impessoalidade, da segurança jurídica, da finalidade, da razoabilidade, da eficiência e com obediência às normas básicas previstas na Lei 9.784/99, é conclusivo para a Fazenda que fica vinculada à decisão final nele proferida.
A coisa julgada administrativa impede a retratação pela Administração Pública, por isso a decisão administrativa final contrária à Fazenda exonera, de ofício, o contribuinte, dos gravames decorrentes do litígio, como prescreve o art. 45 do Decreto nº 70.235/72 e consagrado pela jurisprudência. Apenas é tão somente ao contribuinte reservado o direito de impugnar a decisão administrativa que lhe for contrária por meio processual adequado em razão do princípio da inafastabilidade da jurisdição.
A Administração Pública não depende do Poder Judiciário para constituir validamente o crédito tributário pelo lançamento que é ato privativo do agente fiscal. Sob pena de ferir o princípio da separação de Poderes não cabe à Fazenda requerer ao Judiciário a restauração do lançamento tributário invalidado pela Administração por meio de seu órgão competente e por meio de processo administrativo regular.
Decisão administrativa contra a Fazenda não significa, por si só, uma decisão contrária ao interesse público que não se confunde com o interesse privado do Poder Público.
É um grande equívoco considerar a decisão administrativa desfavorável à Fazenda como sendo a que causa lesão ao patrimônio público. Ela pode significar decisão que evita lesão ao patrimônio privado que compete à Administração dela se abster, pois lesar patrimônio do contribuinte configura ato ilegal e abusivo não permitido pelo ordenamento jurídico.
A Administração Pública, no exercício de sua função de julgar, deve buscar a justiça, e não o contrário.
O julgamento administrativo guarda similitude com o julgamento judicial, pois ambos estão submetidos ao princípio do devido processo legal. O processo administrativo tributário é revestido do caráter de processualidade tanto quanto o processo judicial. Com os expurgos dos vícios do passado, o processo administrativo tributário apresenta-se como um meio eficaz de dirimir as controvérsias de natureza tributária com imparcialidade e justiça, concorrendo para desafogar a atividade jurisdicional.
O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, que profere a decisão final por meio de Câmara, Turma ou Conselho Superior de Recursos Fiscais, conforme o caso, é um órgão colegiado e paritário que integra a estrutura do Ministério da Fazenda, portanto, sua decisão corresponde à vontade da Administração Pública.
O CARF, como órgão colegiado e paritário, reunindo profissionais especializados em matéria tributária, agindo com independência e autonomia em relação à Secretaria da Receita Federal do Brasil, órgão arrecadador de tributos, confere a imparcialidade à suas decisões, concorrendo para a realização da justiça tributária pela Administração no desempenho de sua função atípica.
Eventuais decisões administrativas eivados de vícios que as tornem ilegais devem ser anuladas pela própria Administração nos termos do art. 53 da Lei nº 9.784/99 e das Súmulas nºs 346 e 473 do STF.
São nulas as decisões administrativas que contrariarem decisões do STF proferidas em regime de controle concentrado ou em Recurso Extraordinário onde tenha havido o reconhecimento de repercussão geral. Na hipótese de contrariedade de Súmula vinculante cabe reclamação ao Supremo Tribunal Federal que julgando-a procedente anulará a decisão administrativa nos termos do § 3º, do art. 103-A da CF. Nulas, também as decisões administrativas que contrariarem aquelas proferidas pelo STJ no regime do art. 543-C do CPC.
Pretender a revisão judicial da decisão administrativa favorável ao contribuinte, para não se submeter à decisão que a própria Administração proferiu, fere em bloco os princípios insertos no art. 37 da CF. É o mesmo que pretender a autodestruição do poder legalmente exercitado pela Administração.
Notas
[1] O novo processo administrativo tributário. São Paulo: IOB Informações Objetivas, 1993, p. 30.
[2] Curso de direito administrativo. 26ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 452-453.
[3] Ob. cit. p. 453.
[4] In ROCHA, Sérgio André, Processo administrativo tributário, 1ª ed. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 512.
[5] A possibilidade de revisão pelo poder judiciário das decisões do conselho de contribuintes contrárias a fazenda pública, in ROCHA, Sérgio André. Processo administrativo tributário. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 688.
[6] Questões relacionadas à chamada coisa julgada administrativa em matéria fiscal, in ROHA, Valdir de Oliveira, coord., Processo administrativo fiscal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 768.
[7] Direito administrativo. 17ª ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 73.