Capa da publicação Advogado do investigado pode participar das oitivas de testemunha e vítima?
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Negativa do delegado de polícia em admitir advogado do investigado/autuado nas oitivas de testemunha, vítimas e outros atores. Prática abusiva?

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O advogado do autuado/investigado possui direito em participar das oitivas de testemunhas, vítimas e outros atores diversos na fase flagrancial ou procedimental investigatória propriamente dita?

Questão polêmica e que tem trazido inquietação aos operadores de Direito, principalmente aos delegados de polícia, advogados, defensores públicos dentre outros atores da fase inquisitorial da persecução penal, é se a negativa pelo delegado de polícia em possibilitar a participação do advogado do interrogado em oitiva(s) de testemunha(s), vítima(s) entre outros atores diversos do autuado/investigado encontraria amparo em nosso ordenamento pátrio.

Para iniciar este debate devemos começar citando o dispositivo que gera toda essa polêmica, que é o art. 7º, inciso XXI, alínea “a”, do Estatuto da Ordem dos Advogados. O dispositivo em análise foi acrescido pela Lei nº 13.245/2016, diploma legislativo este que conferiu direito ao advogado de assistir a seus clientes investigados durante a apuração de infrações, sob pena de nulidade absoluta do respectivo interrogatório ou depoimento[1].

A redação do Estatuto, em nossa opinião, não é das melhores, tanto é que tem rendido vários debates pelos juristas que atuam na seara criminal, pois apesar de ser inconteste o Estatuto assegurar ao advogado o direito de assistir a seus clientes em interrogatórios, ao mesmo tempo o dispositivo gera dúvidas acerca do direito de o advogado acompanhar depoimentos de testemunhas que depõem em desfavor do interrogando. Neste prumo, acreditamos que o legislador ordinário foi infeliz ao redigir a expressão “depoimento” do investigado, porquanto o investigado presta interrogatório ou declarações. A única possibilidade que visualizamos para aproveitamento do termo técnico “depoimento” em que a pessoa firma compromisso de dizer a verdade, sob pena de crime falso testemunho, é aquela pessoa inicialmente ouvida como “testemunha propriamente dita” num primeiro momento e depois no curso das diligências investigativas se nota, que na verdade a “testemunha” trata de investigado.

De um lado, advogados criminalistas[2] defendem que o texto legal assegura tal direito, podendo o advogado acompanhar as oitivas de testemunhas, vítimas e demais atores – que não seja o autuado/investigado – que eventualmente deponha em desfavor dos seus respectivos clientes.

Do outro lado, parte dos delegados de polícia[3] defendem que os advogados criminalistas teriam direito de assistir aos seus clientes apenas no que diz respeito ao interrogatório, não havendo essa prerrogativa quando estamos falando em oitivas de testemunhas, vítimas e demais atores – que não seja o autuado/investigado.

A discussão em análise acaba tendo maior relevância prática - não se excluindo outras situações possíveis - nas ocorrências que envolvem flagrante, pois é nesse momento que o advogado criminalista acompanha o seu cliente a ser eventual autuado e ao mesmo tempo possui a oportunidade de acompanhar as testemunhas, vítimas e demais atores – que não seja o autuado/investigado – que vão contribuir para a lavratura do Auto de Prisão em Flagrante Delito (APFD), já que todos são conduzidos para o mesmo local e ouvidos em sequência.

A grande questão do presente artigo é questionar se a negativa em possibilitar ao advogado o acompanhamento de oitiva de testemunhas, vítimas e demais atores – que não seja o autuado/investigado – possuiria respaldo legal ou se constituiria conduta ilícita praticada pela autoridade policial, gerando a tal da nulidade absoluta mencionada no Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil.

Num primeiro momento, humildemente, sustentamos que a redação não afirma existir tal direito, haja vista a sua falta de clareza. Tanto é verdade o que estamos afirmando que o próprio Supremo Tribunal Federal já se manifestou no sentido de negar tal direito ao advogado. Inclusive, na Petição de nº 7.612/DF[4], o Ministro Gilmar Mendes sustentou brilhantemente o seguinte:

“Destaco que a norma do art. 7º, XXI da Lei 8.906/94, prevê a assistência dos advogados aos investigados durante a realização dos interrogatórios e depoimentos de seus clientes, não estendendo essa prerrogativa aos depoimentos e interrogatórios dos demais investigados e testemunhas.”

Para o Ministro Relator Edson Fachin, da Suprema Corte:

“A legislação vigente não avança para reproduzir no âmbito do inquérito policial, o modelo processual vigente na ação penal, no qual todas as provas são produzidas com a possibilidade de ciência, acompanhamento e participação dos acusados e de sua defesa (autodefesa e defesa técnica) inclusive com a formulação de perguntas diretamente às testemunhas e de esclarecimentos realizados por intermédio do juiz durante os interrogatórios dos corréus (arts. 188 e 212 do CPP).”

Ainda que descartássemos a tese apresentada, e considerássemos a existência do direito do advogado em acompanhar oitivas de testemunhas, vítimas e demais atores – que não seja o autuado/investigado – surgiria a indagação se tal conduta praticada pelo Delegado de Polícia seria conduta ilícita ou abusiva.

Como já anotado anteriormente em linhas passadas, o legislador ordinário empregou de maneira equivocada a expressão “depoimento” do investigado, eis que o investigado realiza interrogatório ou declarações, na pior das hipóteses.

Somos da opinião de que em situações como esta devemos afastar de imediato qualquer ilícito, principalmente os contidos na Nova Lei de Abuso de Autoridade (Lei nº 13.869/19). O argumento é simples, já que em momento algum a legislação faz referência a esta conduta como figura típica. Observa-se que o art. 43 do referido diploma altera a redação do Estatuto da OAB (Lei nº 8.906/94) de modo a punir criminalmente apenas a violação de prerrogativas contidas no art. 7º, incisos II, III, IV e V, não prevendo, portanto, a conduta do art. 7º, inciso XXI, como abusiva da Lei nº 13.869/19.

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Também somos da opinião de que, ainda que houvesse tal previsão legal expressa neste sentido, sustentaríamos a necessidade de comprovação do elemento subjetivo especial, requisito este imprescindível para a ocorrência do tipo penal, conforme delineia o art. 1º, §1º da Nova Lei. Observe-se que o dispositivo exige, alternativamente, a necessidade de se demonstrar o intuito de prejudicar outrem ou beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou, ainda, que o mero capricho ou a satisfação pessoal da autoridade que nega a presença do advogado nas oitivas de testemunhas.

Por fim, outro ponto, também de relevante importância e que merece discussão diz respeito à existência de nulidade. Isto por quê o Estatuto da Ordem dos Advogados afirma existir nulidade absoluta quando há negativa de o advogado participar dos interrogatórios ou depoimentos. Ocorre que a jurisprudência atual vem entendendo firmemente que não haveria se falar em nulidade absoluta. Neste sentido são as lições de Renato Brasileiro de Lima, que cita inclusive posicionamento do Supremo Tribunal Federal. Vejamos:

“Ainda que se queira objetar que se trata de verdadeira nulidade, o fato de a Lei nº 13.245/16 tê-la rotulado de absoluta não acarreta, de per si, a invalidação do referido ato, salvo se comprovado o prejuízo causado ao investigado. Afinal, conforme recentes decisões do Supremo Tribunal Federal (v.g., STF, 2ª Turma, HC 117.102/SP, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 25/06/2013), o reconhecimento de uma nulidade, ainda que absoluta, também pressupõe a comprovação do prejuízo. Por conseguinte, ainda que não seja franqueado ao advogado presente o direito de assistir a seu cliente investigado durante a realização do interrogatório policial, não há falar em invalidação do procedimento investigatório se este, por exemplo, permanecer em silêncio.” (LIMA, pag. 208, 2020)

Logo, podemos observar que o doutrinador acima possui posicionamento contrário ao que dispõe o Estatuto da Ordem, sendo adepto à ideia de que a vedação do advogado na participação de interrogatórios e oitivas, no máximo, geraria a nulidade relativa, isto se for demonstrado prejuízo ao investigado, pois caso contrário, nem mesmo nulidade relativa.

Mutatis mutandis entendemos que o mesmo raciocínio deduzido ao longo do artigo, se aplica aos demais procedimentos, inclusive ao adolescente em conflito com a lei.                       


Das considerações finais

Ante o exposto, posicionamo-nos no sentido de que não há ilegalidade alguma na conduta do Delegado de Polícia que nega a participação do advogado em oitivas de testemunhas, vítimas e demais atores – que não seja o autuado/investigado –, primeiramente por inexistir permissão legal no ordenamento jurídico brasileiro. Em segundo lugar, ainda que existam posicionamentos no sentido da admissibilidade de participação do advogado nas oitivas de testemunhas, seguimos o posicionamento da inexistência de crime contido na Nova Lei de Abuso de Autoridade, justamente por não haver amparo legal para tal tipificação. E por derradeiro, ainda que haja posicionamentos favoráveis em conferir tal direito do advogado, sob pena de nulidade absoluta, demonstramos que há posição firme da doutrina e jurisprudência pátria no sentido de que até mesmo nulidade absoluta – embora tenhamos ressalvas neste ponto –, necessitaria da comprovação de prejuízo, sob pena de não ser declarada e reconhecida.

Ademais, entendemos que o mesmo raciocínio deduzido ao longo do artigo, se aplica aos demais procedimentos, inclusive ao adolescente em conflito com a lei.

É importante que, na eventual negativa do Delegado de Polícia para participação do advogado em oitivas de testemunhas, vítimas e demais atores – que não seja o autuado/investigado – conste a motivação expressamente.


Referências bibliográficas:

LIMA, Renato Brasileiro de Manual de processo penal: volume único / Renato Brasileiro de Lima – 8. ed. rev., ampl. e atual. – Salvador: Ed. JusPodivm, 2020.

BRASIL. SITE DO STF. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=752042346. Acesso em: 29 de jan. 2021, às 23h.

BRASIL. SITE DO STF. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=4312985 Acesso em: 29 de jan. 2021, às 23h.     


Notas

[1] “Art. 7º São direitos do advogado: XXI - assistir a seus clientes investigados durante a apuração de infrações, sob pena de nulidade absoluta do respectivo interrogatório ou depoimento e, subsequentemente, de todos os elementos investigatórios e probatórios dele decorrentes ou derivados, direta ou indiretamente, podendo, inclusive, no curso da respectiva apuração: a) apresentar razões e quesitos;”

[2] Há uma decisão isolada da 1ª instância da comarca de Granja (1ª Vara) do Poder Judiciário do estado do Ceará – da qual não concordamos – , entendendo que o advogado teria esta prerrogativa. Vide no Habeas Corpus n° 0050625-49.2020.8.06.0081- Paciente: Jose Joaquim Benicio Lopes e outros. Impetrante: Joao Saldanha de Brito Junior.  

[3] Existe posição institucional firmada pela Corregedoria da Polícia Civil do estado do Paraná entendendo diametralmente oposto, qual seja, de que o advogado não tem prerrogativa/direito de acompanhamento de oitiva de testemunhas na fase policial. Vide Protocolo n° 16.118.243-5. Corregedoria Área Norte. Manifestação exarada por: Dra. Thaiz Fernanda Corona – Corregedora Auxiliar, em 02 de outubro de 2019.

[4] Pet 7.612/DF, Rel. Min. Edson Fachin, j. 12/03/2019.

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Sobre os autores
Joaquim Júnior Leitão

Delegado de Polícia no Estado de Mato Grosso. Atualmente lotado no Grupo de Atuação Especial Contra o Crime Organizado (GAECO). Graduado pela Centro de Ensino Superior de Jataí-GO (CESUT). Ex-Diretor Adjunto da Academia da Polícia Judiciária Civil do Estado de Mato Grosso. Ex-Assessor Institucional da Polícia Civil de Mato Grosso. Ex-assessor do Tribunal de Justiça de Mato Grosso. Pós-graduado em Ciências Penais pela rede de ensino Luiz Flávio Gomes (LFG) em parceria com Universidade de Santa Catarina (UNISUL). Pós-graduado em Gestão Municipal pela Universidade do Estado de Mato Grosso – UNEMAT e pela Universidade Aberta do Brasil. Curso de Extensão pela Universidade de São Paulo (USP) de Integração de Competências no Desempenho da Atividade Judiciária com Usuários e Dependentes de Drogas. Colaborador do site jurídico Justiça e Polícia.

João Gabriel Cardoso

Delegado de Polícia Civil da Polícia Civil do Estado do Ceará. Professor de Direito Penal. Coautor do livro "Direito Penal das Minorias e dos Grupos Vulneráveis" pela Editora Juspodvm. Autor de diversos artigos jurídicos por Revistas Especializadas. Especialista em Direito Administrativo pela Faculdade de Ciências Wenceslau Braz.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

JÚNIOR LEITÃO, Joaquim ; CARDOSO, João Gabriel. Negativa do delegado de polícia em admitir advogado do investigado/autuado nas oitivas de testemunha, vítimas e outros atores. Prática abusiva?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6434, 11 fev. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/88444. Acesso em: 28 mar. 2024.

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