O Supremo Tribunal Federal concluiu, nesta sexta-feira (12/03/2021), a sessão virtual de julgamento do Tema de Repercussão Geral nº 843 (RE 835.818), que trata da inconstitucionalidade da incidência de PIS e COFINS sobre os créditos presumidos de ICMS subvencionados pelos Estados da Federação como forma de redução do ICMS das empresas.
O leading case foi ajuizado em 2010 e tratava de incentivos fiscais de ICMS concedidos pelos Estados do Paraná e da Bahia à empresa OVD Importadora e Distribuidora Ltda., que garantiam a ela crédito presumido de ICMS como redutor do ICMS devido ao Estado do Paraná, sobre a venda de produtos importados pelos Portos de Paranaguá ou Antonina, ou à importação de bens para o ativo permanente, bem como redutor do ICMS devido nas operações realizadas no Estado da Bahia.
A argumentação para efeito do contribuinte pode ser sintetizada nos seguintes fundamentos:
(i) Crédito presumido de ICMS seria apenas ressarcimento de custo e, por esta razão, não poderia ser considerado como riqueza nova e, tampouco, pode ser enquadrado como receita ou faturamento da empresa.(ii) Entendimentos em outro sentido afrontariam os artigos 195, I, “b” da Constituição Federal e 110 do Código Tributário Nacional, além de jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do STF.
Como se vê, o contribuinte delimitou bastante o campo de discussão nestes autos: trata a matéria tão somente como inclusão de crédito presumido de ICMS na base de cálculo de PIS/COFINS, pois tais créditos seriam mero ressarcimento de custo, não podendo ser entendidos como receita ou faturamento.
Assim, o crédito presumido de ICMS não seria receita, mas sim, recuperação de custo.
O TRF-4ª Região já se debruçou sobre o assunto conforme Acórdão às fls. 665 do RE 835.818/PR.
O TRF4 analisou toda a matéria em dois parágrafos – mais precisamente em 11 linhas. Para o TRF4, o crédito presumido de ICMS não constituiria receita, mas sim, renúncia fiscal do Estado. E tributar tal renúncia implicaria interferência da União na competência tributária dos Estados, com consequente violação ao princípio do pacto federativo. Confira-se:
“Admitir-se que tal subsídio ou subvenção sirva de base de cálculo para as contribuições PIS/COFINS, seria o mesmo que admitir a interferência da União na competência tributária privativa dos Estados, limitando a eficácia de benefícios fiscais por eles concedidos, importando em ofensa ao princípio federativo. Ademais, a incorporação de tais créditos à base de cálculo dos tributos federais acarreta um desfalque em seu valor numérico, na medida em que uma parcela das importâncias ressarcidas será amealhada aos cofres da União Federal.”
A tese vencedora do Ministro Marco Aurélio manteve-se alinhada com o julgamento concluído pelo Supremo em 2013, quando decidiu que os créditos de ICMS oriundos de exportação e transferidos a terceiros não configuram receita, mas mero ressarcimento de custo tributário (RE 606.107 – Min. Rosa Weber).
Desse último julgamento trago as seguintes conclusões:
- Importante lembrar que, tanto a transferência de crédito de ICMS de exportação para terceiros, quanto os incentivos fiscais de ICMS como subvenções para investimento, já foram incorporados na legislação de PIS e COFINS como receitas não alcançadas pela incidência destas contribuições sociais (Leis Federais nºs 11.945/09 e 12.973/14).
- A apropriação de créditos de ICMS na aquisição de mercadorias tem suporte na técnica da não cumulatividade, imposta para tal tributo pelo art. 155, § 2º, I, da Lei Maior, a fim de evitar que a sua incidência em cascata onere demasiadamente a atividade econômica e gere distorções concorrenciais
- O art. 155, § 2º, X, “a”, da CF – cuja finalidade é o incentivo às exportações, desonerando as mercadorias nacionais do seu ônus econômico, de modo a permitir que as empresas brasileiras exportem produtos, e não tributos -, imuniza as operações de exportação e assegura “a manutenção e o aproveitamento do montante do imposto cobrado nas operações e prestações anteriores”. Não incidem, pois, a COFINS e a contribuição ao PIS sobre os créditos de ICMS cedidos a terceiros, sob pena de frontal violação do preceito constitucional.
– O conceito de receita, acolhido pelo art. 195, I, “b”, da Constituição Federal, não se confunde com o conceito contábil. Entendimento, aliás, expresso nas Leis 10.637/02 (art. 1º) e Lei 10.833/03(art. 1º), que determinam a incidência da contribuição ao PIS/PASEP e da COFINS não cumulativas sobre o total das receitas, “independentemente de sua denominação ou classificação contábil”. Ainda que a contabilidade elaborada para fins de informação ao mercado, gestão e planejamento das empresas possa ser tomada pela lei como ponto de partida para a determinação das bases de cálculo de diversos tributos, de modo algum subordina a tributação. A contabilidade constitui ferramenta utilizada também para fins tributários, mas moldada nesta seara pelos princípios e regras próprios do Direito Tributário. Sob o específico prisma constitucional, receita bruta pode ser definida como o ingresso financeiro que se integra no patrimônio na condição de elemento novo e positivo, sem reservas ou condições.
- O aproveitamento dos créditos de ICMS, por ocasião da saída imune para o exterior, não gera receita tributável. Cuida-se de mera recuperação do ônus econômico advindo do ICMS, assegurada expressamente pelo art. 155, § 2º, X, “a”, da Constituição Federal.
- Adquirida a mercadoria, a empresa exportadora pode creditar-se do ICMS anteriormente pago, mas somente poderá transferir a terceiros o saldo credor acumulado após a saída da mercadoria com destino ao exterior (art. 25, § 1º, da LC 87/1996). Porquanto só se viabiliza a cessão do crédito em função da exportação, além de vocacionada a desonerar as empresas exportadoras do ônus econômico do ICMS, as verbas respectivas qualificam-se como decorrentes da exportação para efeito da imunidade do art. 149, § 2º, I, da Constituição Federal.
- Assenta esta Suprema Corte a tese da inconstitucionalidade da incidência da contribuição ao PIS e da COFINS não cumulativas sobre os valores auferidos por empresa exportadora em razão da transferência a terceiros de créditos de ICMS.
Além disso lembro que o Superior Tribunal de Justiça já julgou a tese sob a perspectiva do IRPJ e da CSLL (EREsp 1.517.492), afastando a incidência dos tributos da União sobre os incentivos fiscais de ICMS, exatamente por importarem em renúncia fiscal dos Estados federados que deve ser preservada pela imunidade recíproca constitucional e pacto federativo.
Em 8/11/17, a 1ª seção do STJ concluiu o julgamento dos embargos de divergência 1.517.492/PR, no qual, por maioria, decidiu pela impossibilidade de inclusão dos créditos presumidos de ICMS, incentivo fiscal concedido pelos Estados, das bases de cálculo do IRPJ e da CSL.
Além disso, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que tais valores não poderiam ser caracterizados, sob nenhuma perspectiva, como renda ou o lucro.
Tem-se, então, que;
- sujeitar à incidência do PIS e da COFINS os valores auferidos pela transferência dos créditos de ICMS a terceiros significaria vilipendiar a letra e o escopo da imunidade estampada no art. 155, § 2º, X,“a”, da Carta Constitucional. Violar-se-ia a sua letra porque se estaria obstaculizando o integral “aproveitamento do montante do imposto cobrado nas operações e prestações anteriores”, mediante a expropriação parcial dos créditos, na parcela correspondente à carga tributária advinda da incidência das contribuições citadas. Ofender-se-ia o seu escopo porque se estaria chancelando a exportação de tributos, nomeadamente do PIS e da COFINS incidentes sobre os créditos de ICMS cedidos a terceiros, cujo ônus econômico fatalmente teria de ser acrescido ao valor das mercadorias oferecidas à venda pelas empresas exportadoras, abalando-se, assim, a sua competitividade no âmbito internacional e lesando-se, por consequência, a finalidade última do art. 155, § 2º, X, “a”, da Carta Constitucional: garantir o desenvolvimento nacional e erradicar a pobreza, objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, nos termos do art. 3º, II e III, da Lei Fundamental.
- a inclusão do valor do ICMS na base de cálculo das contribuições “retiraria da imunidade seu pleno alcance [...] estar-se-ia dando com uma mão e retirando com a outra;
- Inviável, portanto, a incidência da COFINS e do PIS sobre os créditos de ICMS cedidos a terceiros, sob pena de frontal violação do art. 155, § 2º,X, “a”, da Constituição de 1988.
Tem-se que o aproveitamento dos créditos de ICMS por ocasião da saída imune para o exterior não gera, de modo algum, receita tributável. Cuida-se de mera recuperação do ônus econômico advindo do ICMS, assegurada expressamente pelo art. 155, § 2º, X, “a”, da Constituição Federal.
José Antônio Minatel (Conteúdo do Conceito de Receita e Regime Jurídico para sua Tributação. São Paulo: MP Editora, 2005, p. 218-9) informou que, na imensa maioria dos casos de recuperação de custos ou despesas, não resta configurada receita tributável, haja vista que: ... seu efeito econômico é de mera recomposição do patrimônio anteriormente desfalcado, ou recomposição da mesma disponibilidade preexistente, não caracterizando nova riqueza auferida, tampouco é proveniente de remuneração de esforço, direito ou atividade [...] A recuperação de custo ou despesa pode ser equiparada aos efeitos da indenização, pelas imilitude no caráter de recomposição patrimonial, guardadas as demais peculiaridades que tipificam os demais eventos.
Mas, afinal, o que seria receita bruta?
Ensinou Aliomar Baleeiro (Uma introdução à ciência das finanças. 16ª ed. Rio de Janeiro:Forense, 2002, p. 126):
“Receita pública é a entrada que, integrando-se no patrimônio público sem quaisquer reservas, condições ou correspondências no passivo, vem acrescer o seu vulto, como elemento novo e positivo.
Receita “algo novo, que se incorpora a um determinado patrimônio”, constituindo um “dado positivo para a mutação patrimonial”.
As receitas advindas da cessão a terceiros por empresa exportadora, de créditos do ICMS, são imunes, por se enquadrarem como “receitas decorrentes de exportação”. Com efeito, adquirida a mercadoria, a empresa exportadora pode creditar-se do ICMS anteriormente pago, mas somente poderá transferir a terceiros o saldo credor acumulado após a saída da mercadoria com destino ao exterior.
Confira-se a LC 87/1996:
Art. 25. Para efeito de aplicação do disposto no art. 24, os débitos e créditos devem ser apurados em cada estabelecimento, compensando-se os saldos credores e devedores entre os estabelecimentos do mesmo sujeito passivo localizados no Estado. (Redação dada pela LCP nº 102, de 11.7.2000)
§ 1º Saldos credores acumulados a partir da data de publicação desta Lei Complementar por estabelecimentos que realizem operações e prestações de que tratam o inciso II do art. 3º e seu parágrafo único podem ser, na proporção que estas saídas representem do total das saídas realizadas pelo estabelecimento:
I - imputados pelo sujeito passivo a qualquer restabelecimento seu no Estado;
II - havendo saldo remanescente, transferidos pelo sujeito passivo a outros contribuintes do mesmo Estado, mediante a emissão pela autoridade competente de documento que reconheça o crédito.
Como a cessão do crédito só se viabiliza em função da exportação e, além disso, está vocacionada a desonerar as empresas exportadoras do ônus econômico do ICMS, as verbas respectivas devem ser qualificadas como decorrentes da exportação para fins de aplicação da imunidade do art. 149, § 2º, I, da Constituição Federal.