Capa da publicação A necessidade de gravar provas orais no inquérito policial
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Accountability na persecução penal: a necessidade de gravar as provas orais produzidas na fase extraprocessual

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Refletimos sobre a imprescindibilidade da gravação dos depoimentos/interrogatórios colhidos em sede policial, para a preservação da credibilidade dos elementos de informação produzidos nessa fase da persecução penal.

Se, às vezes, mudar a compreensão clássica sobre uma questão jurídica não é tarefa fácil, mudar a cultura e a aplicação prática dessa questão, em face da evolução e dos avanços sociais e tecnológicos, é missão quase que hercúlea.

Não é de hoje que se ensina que os depoimentos e o interrogatório colhidos em Delegacia devem ser transcritos por força do art. 9º do Código de Processo Penal.  Apesar disso, a utilização de mídias digitais em inquérito policial ou a forma digital de preservação da prova, da fonte da prova ou de outros elementos informativos, é procedimento amplamente admitido no sistema processual penal.

Não é mais crível que se continue defendendo a utilização de formas arcaicas de reprodução de depoimentos e interrogatórios, que não reproduzem, com fidedignidade, o relato da parte escutada, sob uma premissa de que o Inquérito perderia as características que lhe são atribuídas no citado texto normativo.

O intuito do presente artigo é demonstrar a legalidade da gravação dos depoimentos e dos interrogatórios colhidos em sede policial, sem a necessária de degravação, assim como as vantagens da adoção do modelo virtual para a preservação e para a credibilidade do elemento informativo produzido na fase extraprocessual, e para a valorização do trabalho de inteligência produzido em sede policial.

Como a prática das Delegacias vem demonstrando encontrar mais resistência do que a aceitação das razões jurídicas externadas pelos Delegados, acerca da utilização dos depoimentos gravados, inicio o artigo tratando de questões que podem incentivar a utilização do recurso tecnológico no aprimoramento e aperfeiçoamento da atividade policial.

Pois bem, a pergunta inicial que sempre devemos fazer é: como podemos fortalecer o produto da investigação policial e torná-lo qualitativamente melhor e mais confiável no processo penal a que se destina?

Atualmente, o problema não é mais de falta de qualificação da autoridade policial. Com cargos privativos de bacharéis em direito e com ingresso mediante concurso de provas e provas e títulos. Na maioria das vezes, com certames que possuem os mesmos rigores adotados para o ingresso de cargos da Magistratura e do Ministério Público, a função da autoridade policial é exercida por Delegados de Polícia extremamente qualificados.

É que existe um estigma arraigado na atividade da polícia judiciária, talvez ainda proveniente da época da ditadura militar, de que o ambiente da Delegacia é um local de inquisição, e não de preservação de direitos. Tanto é que alguns ainda insistem em classificar a fase extrajudicial, ainda que acompanhado pela defesa, que desenvolvida mediante participação das partes, de fase inquisitorial.

Não gera maiores divergências a constatação de que o elemento de informação mais desacreditado ou questionado em juízo é, de longe, o interrogatório do acusado. Não apenas em função da imposição legal de repetição da prova oral sob o auspício do contraditório judicial, mas, sobretudo, pela desconfiança que se tem com a voluntariedade e espontaneidade do relato do acusado perante a autoridade policial.

Não se pode negar que essa desconfiança ainda é uma marca presente no nosso sistema judicial porque a lógica impõe uma conclusão diametralmente oposta.

A prova oral[1], ou melhor dizendo, o interrogatório do acusado, e o relato da vítima e das testemunhas, são comprovadamente mais fidedignos quando prestados com proximidade temporal dos fatos. A memória humana é falha e sempre deixa para trás vestígios e informações que podem ajudar a solucionar um caso, confirmando uma autoria ou descartando-a. É logo após os fatos que a cena se encontra viva na memória de quem a presenciou, que os detalhes ainda são lembrados. Cores de roupas, expressões faciais, cheiros e odores, sons característicos, cronologia precisa etc. Também é no calor do momento que o acusado tende a expor a verdade dos fatos, a confirmar a autoria a expor o modus operandi.

É um desperdício enorme não se valer desses elementos de informação por ocasião da sentença. Não apenas em relação ao grande esforço com movimentação da máquina pública, mas, sobretudo, em relação à contribuição com a qualidade da prestação jurisdicional justa, levando a cabo o desiderato da persecução criminal de responsabilizar os efetivamente culpados e não condenar um inocente.

Diante desse estado de coisas, de difícil modificação diga-se, a única solução que se apresenta ao alcance da polícia judiciária é dar maior transparência à forma de colheita do interrogatório e dos depoimentos ocorridos em sede policial. Precisamos radiografar a Delegacia para poder extirpar qualquer dúvida que ponha em descrédito o produto da atividade policial.

Precisamos expor que nas Delegacia não há nada de diferente do que acontece na audiência judicial. Uma inquirição mais rigorosa, com mais firmeza no questionamento, no máximo. Mas nada do que já não seja comum no âmbito judicial, sem qualquer desrespeito à dignidade da pessoa humana. Em ambos os casos, são agentes públicos investidos para solucionar e responsabilizar autores de delitos. Nenhum é investido no cargo público para perseguir o cidadão. Enquanto a autoridade policial tem a função de investigar, à autoridade judicial cabe a função de julgar o resultado da investigação levado à apreciação judicial pelo autor da ação penal. É simples repartição de competências. Não há motivos para desconfiança.

 Mas já que existe essa desconfiança – e não dá para negar – por que não adotar um sistema que traga maior transparência na forma com que essas provas são colhidas em sede policial, tal como a gravação em mídia áudio-visual?

Os benefícios são vários. Enumero três apenas.

Primeiro, a transparência e a fidedignidade do que é perguntado e respondido no interrogatório policial. Aqui não haveria mais espaços para especulações da acusação ou da defesa. Há a inquirição, a resposta e todas as informações extraídas das expressões faciais e corporais do investigado. Suposições sobre a forma de condução do interrogatório seriam completamente esvaziados com a simples demonstração do ato. Alegações difamatórias sobre a atividade policial não seriam levadas a sério e eventuais “estratégias” processuais tenderiam a perder o sentido.

Segundo, porque o procedimento de gravação torna o procedimento muito mais célere e eficiente, ficando preservado tudo o que foi dito em mídia digital física ou armazenada na nuvem. Foi justamente esse procedimento de gravação que permitiu ao judiciário aumentar exponencialmente o número de audiências realizadas em um mesmo dia, tornando o procedimento muito mais rápido, fluido e confiável quando apreciado pelas instâncias superiores.

Neste ponto, abro um parêntese para esclarecer que não há na lei qualquer comando normativo que imponha à autoridade policial ou à autoridade judicial proceder à degravação ou à transcrição de tudo o que foi dito no interrogado ou nos depoimentos colhidos. Pelo contrário, o § 2º do art. 405 do CPP diz justamente o contrário, de que “no caso de registro por meio audiovisual, será encaminhado às partes cópia do registro original, sem necessidade de transcrição”, e não há fundamentos jurídicos plausíveis para não adotar a mesma orientação nos inquéritos policiais.

Tanto por ocasião do ato de indiciamento quanto da sentença condenatória, ambos deverão expor quais fatos reputaram relevantes para a conclusão técnico-jurídica a que se chegou. Há, ainda, na esfera policial, a obrigação legal de relatar o inquérito. Porém, o relatório, apesar de ser um ato formal, não possui solenidade prevista em lei, não havendo, por essa razão, a exigência de se degravar todos os depoimentos e interrogatórios colhidos na investigação. É claro que se recomenda a citação dos acontecimentos mais relevantes, como uma confissão circunstanciada, com exposição do modus operandi ou mesmo o testemunho ocular de uma testemunha. Mas a degravação integral é prescindível e, por vezes, não recomendável.

Porém, caso se visualize instrumental ao trâmite do inquérito, no sentido de se possibilitar uma rápida revisitação da atividade investigativa durante o curso das investigações mais demoradas, sempre há a possibilidade de se resumir o conteúdo do depoimento ou do interrogatório, na forma de súmulas fáticas, ou mesmo adotar sistemas virtuais de degravação através de softwares, hoje já abundantes no mercado. Lembrando que eventuais divergências sempre poderão ser confrontadas e auditadas com o conteúdo da gravação.

Sobre a degravação mediante software, destaca-se que o mercado possui diversas soluções, gratuitas e pagas. Posso citar, como exemplo de um software pago, o reshape[2], um software brasileiro, desenvolvido com base em inteligência artificial, que degrava vídeos e áudios e aprende expressões corrigidas. Assim, com o tempo e a utilização, até mesmo as gírias seriam aprendidas pelo sistema. Também fornece a possibilidade de conferência do áudio com um simples clique sobre o texto transcrito, com correção imediata. São sistemas como esses que, em casos pontuais e necessários, também simplificariam e possibilitariam a degravação das mídias digitais, seja pelos policias ou pelos demais integrantes do sistema de justiça nas fases subsequentes.

Por conseguinte, e para ficar apenas no terceiro argumento, a despeito de outros, a gravação previne a autoridade policial contra acusações infundadas de supostas práticas de abuso de autoridade ou de tortura, evitando desgastes com procedimentos correcionais.

A utilização de vias correcionais, de acusações infundadas e de narrativas de perseguições acromáticas, ou seja, sem qualquer motivação, apesar de não ser nova, vem sendo cada vez mais recorrente nos processos judicias. É uma via alternativa de prejudicar o processo, buscando nulidades e absolvições mediante a destruição da imagem e do trabalho das autoridades públicas que investigaram o fato.

Em um cenário como esse, cada vez mais comum, é preciso “estar vivo” para “continuar lutando”. Cercar-se de todas as cautelas passou a ser meio de sobrevivência. Assim, é preciso adotar a máxima de Pompeia, mulher de César, segundo a qual não basta ser honesto, é preciso parecer honesto. E a audiência gravada possibilita isso. A comprovação de uma investigação ou de tomada de declarações realizadas dentro da mais estrita legalidade.

No aspecto jurídico, a gravação dos interrogatórios realizados em sede policial não gera muitas polêmicas, já tendo sido adotado por diversas polícias estaduais, ainda que em caráter experimental.

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Na legislação processual, possui amparo no art. 405, § 1º, do Código de Processo Penal, que assim dispõe:

Art. 405.  Do ocorrido em audiência será lavrado termo em livro próprio, assinado pelo juiz e pelas partes, contendo breve resumo dos fatos relevantes nela ocorridos.

§ 1o  Sempre que possível, o registro dos depoimentos do investigado, indiciado, ofendido e testemunhas será feito pelos meios ou recursos de gravação magnética, estenotipia, digital ou técnica similar, inclusive audiovisual, destinada a obter maior fidelidade das informações. (grifos acrescidos)

Apesar de topograficamente inserido no Capítulo I do Título I do Livro II do CPP, que trata sobre a instrução criminal do processo comum, o argumento que se adota é que, caso o legislador quisesse trazer um permissivo legal exclusivamente para a fase judicial, não teria mencionado as figuras do investigado e do indiciado, qualidade atribuída ao autor do fato apenas e tão somente até o recebimento da denúncia e, portanto, antes da formação do processo.

A mesma lógica se aplica à gravação dos depoimentos das testemunhas e do ofendido na fase extrajudicial da persecução penal. Até porque não há distinção entre a designação legal das testemunhas e da vítima na fase extraprocessual como na fase processual, assim como não há lógica em permitir a gravação do interrogatório do investigado e não permitir que se faça o mesmo com os depoimentos da vítima e das testemunhas na fase extrajudicial.

Vale destacar que não é pelo simples fato de o interrogatório e os depoimentos da vítima e das testemunhas serem gravados em mídia audiovisual que o inquérito irá perder a característica de procedimento formal e escrito, exigido pelo art. 9º do CPP. Como a oralidade da audiência judicial também não torna o processo penal em um procedimento oral. Assim como o processo, o inquérito ainda será todo documentado por escrito, inclusive o ato por meio do qual serão colhidos e registrados, em mídia audiovisual, os relatos do investigado, vítima e testemunhas. O que há, apenas, é a preservação do conteúdo de uma prova oral através de um meio tecnológico que possibilita sua fiel reprodução. Em verdade, a gravação possibilita a preservação da prova através de um meio inegavelmente mais eficiente.

Também não se trata de procedimento estranho à atividade policial e ao inquérito policial. Há muito deixou de se degravar todo o produto das interceptações telefônicas, passando a autoridade policial a ordenar a degravação apenas daquilo que entende relevante para o caso. A integralidade das gravações permanece arquivada em mídia digital que permite a reprodução e conferência a qualquer tempo. Não por isso, passou a se dizer que o inquérito perdeu sua característica de procedimento escrito. Assim, pela mesma lógica, não há qualquer incompatibilidade de se fazer presente no inquérito a gravação dos interrogatórios e depoimentos colhidos em solo policial, mencionando-se apenas aquilo que interesse para o indiciamento ou para o relatório final, se for o caso.

Tanto é que a mens legis do § 1º do art. 405 do CPP parece ter sido confirmada por leis especiais que determinam a gravação audiovisual como meio prioritário de preservação de relato das vítimas envolvendo crimes contra mulher, em contexto de violência doméstica e misoginia, e contra criança ou adolescente e testemunha vítima de violência. Vejamos:

Lei 11.340/2006:

Art. 10-A. É direito da mulher em situação de violência doméstica e familiar o atendimento policial e pericial especializado, ininterrupto e prestado por servidores - preferencialmente do sexo feminino - previamente capacitados.

...

§ 2º Na inquirição de mulher em situação de violência doméstica e familiar ou de testemunha de delitos de que trata esta Lei, adotar-se-á, preferencialmente, o seguinte procedimento:

...

III - o depoimento será registrado em meio eletrônico ou magnético, devendo a degravação e a mídia integrar o inquérito.

Lei 13.431/2017:

Art. 8º Depoimento especial é o procedimento de oitiva de criança ou adolescente vítima ou testemunha de violência perante autoridade policial ou judiciária.

Art. 12. O depoimento especial será colhido conforme o seguinte procedimento:

...

VI - o depoimento especial será gravado em áudio e vídeo.

É verdade que, em tais casos, a gravação do depoimento tem a finalidade precípua de minimizar os efeitos dos processos de revitimização próprios da persecução penal. Porém, também é verdade que o procedimento foi eleito como preferencial pela legislação especial, justamente por trazer mais fidelidade ao elemento de informação que se levará para o processo.

A importância da gravação é tão grande que a Lei 13.964/2019 alterou o procedimento da realização de acordos de colaboração premiada, passando a prever a obrigatoriedade de que as tratativas prévias ao acordo fossem gravadas em mídia audiovisual. A gravação, na redação anterior, era facultativa.

Vejamos como se encontra a redação do § 13º do art. 4º da Lei n. 12.850/2013, após o advento da Lei n. 13.964/2019:

Lei 12.850/2013

Art. 4º O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados:

...

§ 13. O registro das tratativas e dos atos de colaboração deverá ser feito pelos meios ou recursos de gravação magnética, estenotipia, digital ou técnica similar, inclusive audiovisual, destinados a obter maior fidelidade das informações, garantindo-se a disponibilização de cópia do material ao colaborador.  (grifos acrescidos)

A alteração se deu, como dito, pelos crescentes questionamentos sobre supostos excessos por parte de membros do Ministério Público e de Delegados de Polícia na condução das negociações prévias dos Acordos de Colaboração Premiada, algo semelhante com o que ocorre com os questionamentos aos interrogatórios realizados em solo policial.

Para exemplificar o resultado de um desses questionamentos, vale destacar que, em julgamento recente, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal anulou Acordo de Colaboração Premiada realizado no âmbito da Operação Publicanos IV, que investigava um esquema de cobrança de propina por auditores fiscais da receita estadual, em troca da redução de tributos incidentes sobre atividades empresariais. Segundo ficou consignado no Acórdão, por suposta atuação abusiva da acusação – e aqui chamo atenção para o termo "suposta" porque não restou comprovada a ocorrência de excessos por parte das autoridades públicas -, no que resultou na fragilização da confiabilidade das delações. Por dever de informação, reproduzo o aresto citado:

Penal e Processual Penal.

2. Colaboração premiada, admissibilidade e impugnação por corréus delatados. Provas produzidas em razão do acordo e utilizadas no caso concreto. Abusos da acusação e fragilização da confiabilidade. Nulidade do acordo e inutilização de declarações dos delatores.

3. Possibilidade de impugnação do acordo de colaboração premiada por terceiros delatados. Além de caracterizar negócio jurídico entre as partes, o acordo de colaboração premiada é meio de obtenção de provas, de investigação, visando à melhor persecução penal de coimputados e de organizações criminosas. Potencial impacto à esfera de direitos de corréus delatados, quando produzidas provas ao caso concreto. Necessidade de controle e limitação a eventuais cláusulas ilegais e benefícios abusivos. Precedente desta Segunda Turma: HC 151.605 (de minha relatoria, j. 20.3.2018).

4. Nulidade do acordo de colaboração premiada e ilicitude das declarações dos colaboradores. Necessidade de respeito à legalidade. Controle judicial sobre os mecanismos negociais no processo penal. Limites ao poder punitivo estatal. Precedente: “O acordo de colaboração homologado como regular, voluntário e legal deverá, em regra, produzir seus efeitos em face do cumprimento dos deveres assumidos pela colaboração, possibilitando ao órgão colegiado a análise do parágrafo 4º do artigo 966 do Código de Processo Civil” (STF, QO na PET 7.074, Tribunal Pleno, rel. Min. Edson Fachin, j. 29.6.2017)

5. Como orientação prospectiva ou até um apelo ao legislador, deve-se assentar a obrigatoriedade de registro audiovisual de todos os atos de colaboração premiada, inclusive negociações e depoimentos prévios à homologação. Interpretação do art. 4º, § 13, Lei 12.850/13. Nova redação dada pela Lei 13.964/19.

6. Situação do colaborador diante da nulidade do acordo. Tendo em vista que a anulação do acordo de colaboração aqui em análise foi ocasionada por atuação abusiva da acusação, penso que os benefícios assegurados aos colaboradores devem ser mantidos, em prol da segurança jurídica e da previsibilidade dos mecanismos negociais no processo penal brasileiro. Precedente: direito subjetivo ao benefício se cumpridos os termos do acordo (STF, HC 127.483/PR, Plenário, rel. Min. Dias Toffolli, j. 27.8.2015) e possibilidade de concessão do benefício de ofício pelo julgador, ainda que sem prévia homologação do acordo (RE-AgR 1.103.435, Segunda Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 17.5.2019).

7. Dispositivo. Ordem de habeas corpus concedida de ofício para declarar a nulidade do acordo de colaboração premiada e reconhecer a ilicitude das declarações incriminatórias prestadas pelos delatores, nos termos do voto.

(HC 142205, Relator(a): GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 25/08/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-240  DIVULG 30-09-2020  PUBLIC 01-10-2020)

É certo que os prejuízos advindos de um interrogatório policial reputado inidôneo no curso do processo são bem menores do que no exemplo acima citado, seja pela obrigatoriedade de reprodução do ato perante o Juízo, seja pela jurisprudência pacífica dos Tribunais Superiores, de que a nulidade do inquérito, ou de ato praticado durante o Inquérito, não prejudica a ação penal.

Porém, como já explicado alhures, a constante suspeita que recai sobre a fase da persecução penal a cargo da autoridade policial vem provocando uma erosão perene da confiança do órgão policial e do produto de sua atividade perante os demais atores do sistema de Justiça.

Assim, onde há o mesmo problema, devemos adotar a mesma solução. Por mais que a lei não diga que os interrogatórios judiciais devem ser gravados, devemos nos adiantar à norma, firmes de que o § 1º do art. 405 do CPP nos dá amparo jurídico para isso.

Vale destacar que, para afastar qualquer dúvida que ainda recaia sobre a legalidade da gravação dos interrogatórios e depoimentos colhidos em sede policial, assim como para tentar induzir a prática através de medidas legislativas, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei n. 5.778/2019, de autoria do Deputado Afonso Motta (PDT/RS), que acrescenta o § 4º no art. 10 do CPP, com a seguinte redação:

§ 4º Os depoimentos de investigados, indiciados, ofendidos e testemunhas serão gravados em áudio e vídeo e armazenados até o julgamento da apelação, se houver. (NR)

Como se depreende da leitura da proposta legislativa, a exemplo do que aconteceu com o § 13 do art. 4º da Lei 12.850/19, tende o legislador a exigir a gravação do ato.

É certo que vários delegados já procedem à gravação do interrogatório do investigado, sobretudo quando há intenção de confissão dos fatos. Mas ainda se trata de postura muito incipiente na realidade institucional da Polícia Judiciária. É necessário estar à frente das inovações tecnológicas, adotando como padrão o procedimento mais eficiente e que confira maior credibilidade ao produto da atividade investigativa.

Portanto, concluímos que a adoção da gravação dos atos praticados na fase extrajudicial da persecução penal é medida imprescindível para dar maior transparência e confiabilidade ao produto das investigações policiais, sobretudo como mecanismo de accountability da atividade investigativa e de resgate da credibilidade da Polícia Judiciária como órgão integrante, e não subalterno, do Sistema de Justiça Criminal.

Ademais, trata-se de movimento natural e inevitável da nova realidade virtual, não devendo a Polícia Judiciária caminhar divorciada dos imperativos da nova sociedade digital, mas se colocando na vanguarda das inovações tecnológicas.


[1] O termo “prova oral” é utilizado sem se olvidar que o interrogatório e os depoimentos colhidos em delegacia possuem natureza de elemento de informação.

[2] https://www.reshape.com.br/?ref=D22932652X

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Sobre o autor
Pedro Diógenes Fernandes Neto

Delegado de Polícia do Estado de São Paulo, formado em Direito pela UnP - Universidade Potiguar e Pós-graduado em Direito Constitucional e em Direito Penal e Processual Penal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERNANDES NETO, Pedro Diógenes. Accountability na persecução penal: a necessidade de gravar as provas orais produzidas na fase extraprocessual. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6471, 20 mar. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/89226. Acesso em: 8 out. 2024.

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