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A plutocracia e o neoliberalismo

24/03/2021 às 15:00
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Seria a Constituição de 1988 uma carta que recepciona ideias unicamente neoliberais?

A plutocracia (do grego ploutos: riqueza; kratos: poder) é um sistema político no qual o poder é exercido pelo grupo mais rico. Esta concentração de poder nas mãos da elite econômica é acompanhada de profunda desigualdade de renda e baixo grau de mobilidade social.

Mas democracia e plutocracia são escolhas diversas.

A palavra democracia vem do grego "demos", que significa povo e "kratos", que significa poder, governo, força, autoridade. Sem maiores esforços concluímos que o termo aponta para uma ideia de um governo onde o seu titular é o povo, e somente este.

Como acentuou Antonio Gasparetto Júnior, “a Plutocracia pode ser vista, em alguns casos, como uma forma de oligarquia, na medida em que grupos se organizam e se articulam para manterem-se no poder. Controlando o governo. De toda forma, a Plutocracia exerce presença real quando os representantes políticos atendem interesses apenas daqueles que os apoiaram financeiramente no processo eleitoral, deixando de ser o cargo político uma representação do povo. Deste modo, o financiador exerce controle sobre as ações do representante.”

Aproxima-se a plutocracia dos meandros da teoria elitista da democracia.

É sabido, a partir de Shumpeter, que a democracia é apenas método de obter o apoio do povo pela concorrência. Tal é uma forma de domínio. É uma concorrência para o exercício do poder.

No modelo da chamada teoria elitista podemos, à luz de Dahl, Sarton, Berelson, Lipset, dentre outros, assinalar os seus elementos caracterizadores: a) na escolha das políticas alternativas, as camadas não elitistas não participam ativamente, podendo apenas rejeitar ou apoiar o programa das elites; b) a limitação às elites das escolhas políticas é uma condição de sobrevivência do sistema democrático, ameaçado pelo excesso de perfeccionismo, pela demagogia democrática e pelo princípio da maioria; c) as elites profissionais, para assegurar a estabilidade do sistema, esforçam-se por defender também os interesses das não-elites; d) a reserva da política às elites é uma defesa contra o working-class, pois só as elites, em virtude de um intensivo processo de cultura política garantem o processo liberal e democrático. 

Ao contrário, a Constituição-Cidadã de 1988, com sua vitalidade democrática, não se assenta na ideia da circulação das elites, mas sim, numa participação aberta e variada do povo. O telos da democracia é a autodeterminação do homem através da participação política dos cidadãos e não apenas das elites.

Por outro lado, há os que defendem uma teoria da democracia do ordo-liberalismo.

Como acentuou J.J.Gomes Canotilho (Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 4ª edição, pág. 1.361), a constituição da liberdade do neoliberalismo se assenta no valor irrenunciável que a liberdade econômica, sobretudo a propriedade privada dos meios de produção, têm para a ordem social-liberal. A democracia, para a teoria do ordo-liberalismo, é um método que não assenta fundamentalmente na soberania do povo, como sempre pretenderam os democratas doutrinários; ela alicerça-se na ordem econômica e social-liberal, na economia livre do mercado. Assim, uma ordem livre e democrática baseia-se na afirmação da pessoa humana e nos seus direitos de liberdade. É o poder ou mercado.

Os neoliberais se apresentam como “liberais”, ou como sendo os “autênticos liberais”, alinhando-se, todavia, a pautas reconhecidamente conservadoras em sua dimensão política.

Desde o começo do século 19, os liberais associaram o suposto atraso brasileiro a um problema de origem. A baixa capacidade de os portugueses estabelecerem as bases de uma civilização moderna nos trópicos, a influência da Igreja Católica, a concentração da grande propriedade agrária e a escravidão teriam produzido uma sociedade civicamente egoísta, indiferente à ciência, dependente de um Estado autoritário e patrimonial, avessa ao indivíduo autônomo e incapaz de cooperação —como descrito, por exemplo, por Raymundo Faoro em “Os Donos do Poder” (1958), como bem lembrado por Christian Edward Cyril Lynch, da leitura de Da Monarquia à Oligarquia: História Institucional e Pensamento Político Brasileiro (1822-1930)’ (ed. Alameda).

Surgido pelas mãos de Herbert Spencer, por volta de 1880, como reação ao processo de democratização política, impulsionado pelo socialismo e pelo alargamento do sufrágio, o neoliberalismo consiste em um híbrido de liberalismo e conservadorismo: ao mesmo tempo em que apresenta características liberais, como o individualismo, eleva o mercado à condição de gerador e ordenador da vida social, intangível porque produto de forças extra-humanas — uma suposta “ordem espontânea” do universo social fruto da interação não planificada entre os indivíduos.

A essência moderna do pensamento neoliberal está na Escola de Chicago.

A Escola de Chicago é uma escola de pensamento econômico que defende o mercado livre e que foi disseminada por alguns professores da Universidade de Chicago. Os líderes dessa escola são George Stigler e Milton Friedman, ambos laureados com o Prémio Nobel da Economia. Suas ideias são associadas à teoria neoclássica da formação de preços e ao liberalismo econômico, rejeitando o Keynesianismo em favor do monetarismo.

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Na ideologia neoliberal, a função do Estado é essencialmente a preservação das condições de competição dos indivíduos no mercado. A justiça social é produto das leis do mercado, cujo livre funcionamento por parte de empresários “empreendedores” e criativos, em um contexto de população tecnicamente educada, geraria, de forma mais ou menos automática, riqueza pública e emprego, através de sucessivos ganhos de produtividade.

No Chile, o neoliberalismo ganhou um amplo campo de atuação. Era a união desse sistema econômico com o conservadorismo social, em oposição às ideias da esquerdas de Allende, deposto em 1973 por um golpe militar chefiado por Pinochet.

Privatizações, abertura ao mercado externo, reforma trabalhista e redução do gasto público e do papel do Estado em áreas-chave, como saúde e educação.

Para Friedman, o desemprego, obsessão da escola dominante keynesiana, era resultado das políticas assistenciais do Estado de bem-estar, que desestimulariam os menos arrojados a procurarem trabalho.

Nas décadas de 1980 e 1990, o Banco Mundial aplaudiu as políticas de “flexibilidade” do mercado de trabalho chileno, que consistiam em dissolver sindicatos e impor um modelo de negociação por setores entre trabalhadores e empregadores, em vez de permitir uma organização sindical global que pudesse negociar em nome de todos os trabalhadores. Ali foi implementado, no governo Pinochet, um sistema público de aposentadorias, segundo o qual os trabalhadores, obrigatoriamente, contribuíam com seus salários para um dentre vários fundos de pensão e, após se aposentarem, recebiam pensões de acordo com o desempenho dos investimentos realizados por esses fundos.

Em 2015, o nível de desigualdade salarial do Chile foi superior ao de qualquer outro país da América Latina, exceto Colômbia e Honduras.

Prima-se, então, pelo legado da liberdade, abandonando-se o da igualdade ou da inclusão.

Essa discussão, posta pela teoria da democracia do ordo-liberalismo, pressupõe a dicotomia capitalismo e socialismo (como de políticas econômicas social democracia, liberalismo econômico). Essa a linha do pensamento conservador nos costumes e neoliberal na economia, exposta pelo atual governo.

A liberdade econômica assentada na propriedade privada dos meios de produção se coloca como um dogma.

Para o exercício do poder os liberais contaram com as Forças Armadas. Foi assim, em 1889, que as ideias liberais de Ruy Barbosa se aliaram às dos militares que tomaram o poder, para exercer a política econômica do encilhamento, com a política de emissão de dinheiro; em 1964, com o golpe militar, quando as forças liberais se aliaram às Forças Armadas, derrubando um governo de índole social-democrata. É assim hoje a partir de 2019.

No entanto, penso que a Constituição de 1988, na linha da Constituição de Portugal, de 1976, consagra um sistema econômico complexo, com várias formações econômicas, no qual, ao lado de um setor privado, podem aparecer outros setores não-capitalistas.

Portanto, a Constituição de 1988 não é, em seu modelo primário, e alentador de cláusulas pétreas e garantias institucionais, uma carta que recepcione ideias unicamente e francamente neoliberais.  

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. A plutocracia e o neoliberalismo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6475, 24 mar. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/89309. Acesso em: 17 dez. 2024.

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